domingo, 12 de fevereiro de 2012

"Lake Mungo", 2008

A querida, precoce Alice de 16 anos era a princesinha dos olhos dos seus pais. Ela foi abençoada com todas as qualidades que os pais extremosos vêem nos filhos. Linda, estudiosa, sociável e até já tinha namorado. Ela não seguia ninguém, ela é que era a rapariga popular, uma líder natural. Um dia, durante um piquenique familiar, foi nadar e não voltou mais. Assim, começa o pesadelo de qualquer pai. Mas a morte é apenas o início. Meses depois da sua morte, Alice parece tão presente como quando estava viva. Os Palmer estão numa profunda depressão e os indícios de Alice nos vislumbres, nos cheiros e nas impressões em tudo quanto tocou em vida, são demasiado fortes para ignorar. Os pais estão por demais fragilizados e mandam exumar o corpo. “É Alice. Ela morreu. Ela ainda está connosco.” Matthew (Martin Sharpe), o único filho sobrevivente dos Palmer, decide montar câmaras na casa e captar o que acreditam ser as manifestações de Alice, além-vida. O que descobrem deixa-os chocados. Eles irão descobrir que Alice, a sua querida Alice, escondia segredos e podia não ser a menina que todos julgavam.
Está dado o mote para o falso documentário de Joel Anderson. Insisto que suspendam por um momento as evidentes associações mentais a “Blair Witch Project” (1999) e “Paranormal Activity”(2007) e entrem neste esquema de mente aberta. A obra de Anderson está mais perto de Lynch em “Twin Peaks” (90-91) do que dos filmes de found footage anteriormente mencionados. Não é por acaso que a família se chama Palmer e muito menos coincidência será que acompanhemos o rumo dos que a rodeavam, como forma de obter o retrato psicológico de Alice. Ela não é nenhuma Laura mas estava tão perdida quanto ela. Do mesmo modo se pode encontrar semelhanças em “Shutter” (2004), com o mesmo fervor da esperança de “um fantasma dentro da máquina”. Em última análise, são estas duas fontes de inspiração, simultaneamente, as suas maiores forças e fraquezas. “Lake Mungo” deseja ser um filme de fantasmas ou um drama familiar sobre a perda?
 “Lake Mungo” não é um filme feito a partir de um vídeo que foi encontrado relatando fenómenos do paranormal que afectaram todos os envolvidos para nunca mais serem encontrados… Esse tema já era, por favor. A narrativa de “Lake Mungo” foca-se nos que sobrevivem a Alice e ao modo de lidar com a sua morte. Filmado estilo documentário para televisão, assistimos ao desmoronar e tentativa de reconstrução de uma família que sofreu uma perda inimaginável. São efectuadas entrevistas aos pais, irmão, amigos e conhecidos de Alice que vão descrevendo os seus últimos passos e estado de espírito antes do acidente. Estes momentos sérios, emocionais até, sobretudo após as declarações da mãe June (Rosie Traynor), são intercalados com os vídeos caseiros onde se vê uma Alice alegre. Existe mais do que uma reviravolta no argumento, incluindo a entrada em cena de um médium com um papel mais relevante do que à partida se supunha. Steve (Ray Kemeny) é capaz de ser o médium mais realista alguma vez retratado em tela. E ele ajuda a desvendar o mistério que envolve Alice do modo mais terreno possível. Mas tudo isto é tolerável. Noutro filme, o cineasta podia cair na tentação de exagerar mas, Joel Anderson, não se afasta um milímetro do estilo documentário, por oposição a um qualquer pretensiosismo cinematográfico. O elenco, composto sobretudo por desconhecidos é globalmente bom. Todos eles desempenham os papéis mais difíceis para um actor: representar que não estão a actuar. A naturalidade dos desempenhos surge tão fácil que qualquer pessoa que não saiba que “Lake Mungo” é um filme, julgará estar a ver um documentário real. Rosie Traynor é a maior força do filme, por todas as reviravoltas e subenredos cada vez menos credíveis, a sua June Palmer, que alterna entre aturdida e dormente é um grande retrato de uma mãe em sofrimento. Evita todos os tiques e os lugares-comuns associados a tão grande emoção. Traynor transmite uma calma e, por vezes, uma ausência, aquela de quem se perde no horizonte e não consegue, ainda hoje, retirar sentido do que sucedeu. E por fim, a tragédia, por realizar que não conhecia a filha como julgava, que a sua menina se sentia perdida e por ter falhado na sua protecção. Todas aquelas falhas e todos os “e se” com que nos deparamos quando já é tarde demais.
A acompanhar o elenco sólido está um trabalho magnífico de sonoplastia e do compositor Dai Peterson, cuja subtileza contribui grandemente para a construção da tragédia.Esta é apenas acentuada pela sugestão de assombração, embora a película reúna, durante os 87 minutos de duração, uma aura misto de assustador e desconcerto. “Lake Mungo” não é um filme fácil. A morte de uma adolescente assombrada pelos seus próprios demónios, não é nenhuma matiné da tarde. O epílogo pode mesmo provocar o ressentimento ou até revolta da audiência perante as opções do cineasta. Um conselho: façam uma introspecção sobre o que valorizam em cinema. Desejam finais felizes ou finais que vos façam reflectir? Quatro estrelas.

Realização: Joel Anderson
Argumento: Joel Anderson
Rosie Traynor como June Palmer
David Pledger como Russel Palmer
Martin Sharpe como Matthew Palmer
Thalia Zucker como Alice Palmer
Steve Jodrell como Ray Kemeny

Próximo Filme: "The Cut" (Haebuhak-gyosil, 2007)

3 comentários:

  1. Quero filmes que não me deixem impassível! :)

    Já tenho lido/ouvido bem acerca deste LAKE MUNGO, mas nunca o vi. Parece que tenho de colmatar a falha muito em breve.

    Cumps cinéfilos.

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  2. É exactamente o que penso Sam. Achei o final desconfortável, desconcertante até. Mas prefiro um final assim, do que um final feliz que passado 5 minutos já não me recordo. Só que é como dizia, quem não gostar desse género de epílogo ficará revoltado.

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  3. Achei o final bem adequado, até muito bom. Fica claro durante o filme que a família tem sublimes esperanças de que a garota esteja viva. Adoro finais reveladores, houve um momento de muita tensão no filme, acho que todos sabem qual estou falando, mas ainda assim não alcança o filme Noroi: The Curse. Diria que o filme em questão é uma pré passagem antes de avançaram para o próximo nível de terror ao estilo mockumentary que é o Noroi: The Curse. Quem gostou de Lake Mungo e sente-se com peito estufado o suficiente para encarar um próximo desafia, sinta-se a vontade para assistir Noroi.

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