quarta-feira, 28 de março de 2012

"The Woman in Black", 2012

Há um elemento em “The Woman in Black” que funciona, em simultâneo, a seu favor e desfavor. Ele é Daniel Radcliffe. A grande questão que tem surgido em torno desta película, não é se é boa, ou mesmo sobre a estória, mas se o Radcliffe conseguiu sair da personagem Harry Potter. Muitos trocadilhos foram feitos a este propósito: “será que o Radcliffe conseguiu fazer o Harry Potter descansar em paz?”, “Daniel troca o género fantástico pelo género fantástico?!” ou “Apostado em sair da pele de um jovem feiticeiro torna-se pai”. Por isso, tiremos já esta questão do caminho. Ele fez a transição de personagem com sucesso. Se o seu desempenho foi suficientemente bom, isso é outra questão.“The Woman in Black” foi produzida pela emblemática Hammer Films em parceria com outros estúdios e baseia-se na obra de ficção homónima de 1983, escrita por Susan Hill. A Hammer Films, nascida nos 30, teve a sua época áurea entre os anos 50 e 60, oferecendo a actores como Peter Cushing e Christopher Lee, papéis hoje icónicos. Os seus filmes eram então designados “Hammer Horror”, sinónimo de qualidade. Com a chegada do século XXI, a Hammer Films foi comprada e deu-se a ressurreição embora tenha efectuado algumas escolhas infelizes como “The Resident” (2011). “Let me in” (2010) e “The Woman in Black” (2012), marcam o regresso definitivo da marca britânica Hammer.
Daniel Radcliffe interpreta o jovem advogado Arthur Keeps, cuja carreira entrou em espiral descendente após a morte da mulher durante o parto do seu único filho, Joseph (Misha Handley). O patrão dá-lhe uma última oportunidade de regressar à boa forma e envia-o para Crythin Gifford, uma pequena localidade isolada, na costa este do Reino Unido para pôr em ordem a papelada da falecida Senhora Dradlow. Lá, é recebido com hostilidade pela população que demonstra de modo veemente como a sua presença é indesejada. Com um filho pequeno, Arthur recusa-se a abandonar a terra sem aproveitar aquela poderá ser a última oportunidade de manter o trabalho. E este leva-o a uma mansão rodeada por um imenso pântano e neblina que com a subida da maré fica isolada da população. Cedo começa a ter visões e a ouvir barulhos que indicam que poderá não estar só naquela casa…
“The Woman in Black” está cheia de elementos que já vimos antes noutros filmes: uma mansão isolada, um cemitério, população local hostil, corvos… Os lugares-comuns da câmara também estão presentes, como sombras que surgem no fundo da tela por detrás do herói insuspeito e o seu reflexo ou marca em diferentes superfícies. Não devemos é equivocar-nos acerca do seu significado. A literatura gótica tem quatro ou cinco características que se podem encontrar com pequenas variações, em todas as obras: existe uma vítima indefesa contra um atacante ligado ao sobrenatural ou com poderes demoníacos, a acção passa-se dentro de “muralhas impenetráveis” que podem físicas ou psicológicas, veja-se por exemplo, “Wuthering Heights” da Emily Brontё ou “Rebecca” da Daphne du Maurier, ambos férteis na construção da sensação de isolamento e irremediabilidade de um destino negro. O edifício, uma catedral ou mansão gótica, normalmente abandonada ou com aparência degradada contribui para atmosfera excruciante, como um túmulo. Representa a morte espiritual e se o herói não sair da teia do seu agressor, a eventual morte física. É uma situação desigual pois o atacante conhece ou está ligado espiritualmente ao edifício que utiliza como instrumento de tortura consciente até quebrar o herói. Por fim e o que pode ditar a perda da sua vida, é a atracção-repulsão do herói pelo mistério.
Radcliffe podia ter sido mais do que competente se não tivesse outros argumentos contra si. Contracenar com os veteraníssimos Ciáran Hinds e Janet Mcteer deve ser muito complicado. Na verdade, Radcliffe eclipsa-se cada vez que os estes actores dão um ar da sua graça, em particular, uma Mcteer que interpreta uma personagem trágica. Depois, Radcliffe sofre do mesmo mal que Elijah Wood, a idade não passa por ele. Há-de estar na casa dos 30 e ainda ter a aparência de um adolescente. O filme teria beneficiado de um actor mais velho ou com essa aparência e não é pelos argumentos que tenho visto esgrimir de Radcliffe ser um pai e viúvo muito novo. Estamos na era Eduardina, as pessoas casavam e deixavam descendentes muito novas. O que me conduz à questão da morte das crianças. E sim, em “The Woman em Black” morrem bastantes crianças. Se são sensíveis a esse respeito, não aconselho o filme de todo. A cena inicial, em particular, é a mais marcante. Deixou-me um nó na garganta logo à partida. Mas mais uma vez, estamos no início do século XX, pelo que a medicina era muito pouco avançada e nem sequer teria ainda chegado a uma localidade remota. Não era raro casais terem uma dezena de filhos e menos de metade chegar à idade adulta. Por isso, não, Arthur não é um idiota por não se questionar por que morrem tantas crianças. No máximo é um idiota, por não actuar quando suspeita da verdade que poderá inclusive afectar a sua vida.  Mesmo assim, é um idiota tolhido pela dor. Muita da sua “dormência” deve-se a um luto ainda não finalizado pela morte da mulher. O grande mal reside pois no enredo. Passados 45 minutos é difícil não ter adivinhado a fonte do mistério e a sua resolução. No entanto, estamos até ao final, à espera da grande reviravolta que nunca chega a acontecer. A estória é pois básica, demasiado simples para o que vimos uma centena de vezes antes. Tem elementos do j-horror, mas relances apenas. “The Woman in Black” é na sua essência um drama gótico, com uma visão pessimista do mundo que poderá não corresponder ao ideal de filme das novas gerações mas, fiel à era que se propõe retratar. Três estrelas.

Realização: James Watkins
Argumento: Susan Hill (livro) e Jane Goldman (argumento)
Daniel Radcliffe como Arthur Kipps
Ciáran Hinds como Daily
Janet Mcteer como Senhora Daily
Mary Stockley como Senhora Fisher
Shaun Dooley como Fisher
Misha Handley como Joseph  Kipps

Próximo Filme: "Hong Kong Ghost Stories" (Mag gwai oi ching si, 2011)

3 comentários:

  1. Achei o filme interessante apesar de algumas cenas serem já bastante previsíveis. É difícil aceitar o Daniel Radcliffe com um papel tão maduro, é como ver o Harry Potter com um lápis na mão a fazer trabalho de secretária... Mas no geral o filme é bom, apesar das previsibilidade de algumas cenas, consegue arrancar um ou outro arrepio da pele.

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  2. Apesar de tudo, podia ter sido muito, muito pior. O trabalho dos actores secundários é muito bom e o Radcliffe é como digo, vai ter sempre ar de puto!

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  3. O rapaz não tem culpa de ter cara de miúdo. Apesar de considerar que ele até está bem, também acho que o papel deveria ter ido para um actor mais velho.
    Não é fácil um filme dentro de um determinado género específico, como é o caso do Cinema de Terror (mas podia ser outro), escapar aos tais lugares comuns que falas. Mas também aqui acho que estão bem explorados e cumprem o que que é pedido. E o ambiente, sobretudo na casa, está bastante bem conseguido.
    O facto de não haver uma 'grande reviravolta', o final não desilude por aí além. Este filme foi para mim uma das primeiras boas surpresas do ano.
    Cumprimentos

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