domingo, 20 de julho de 2014

Chanthaly, 2012


Chanthaly vagueia na própria casa como se de um fantasma se tratasse. Todos os dias se levanta para a lida da casa, a preparação de refeições e observar os poucos que a rodeiam a viver. Ela foi amaldiçoada com um coração fraco que a prende à medicação e à vontade de um pai ultra-protector. Para o homem, que perdeu a esposa quando Chanthaly nasceu, a doença da adolescente é quase uma bênção disfarçada. Saber que Chanthaly não irá viver muitos anos é a desculpa perfeita para a ter perto de si e a proteger de tudo quanto possa constituir uma má influência. Assim, poderá mantê-la pura e intacta do mal exterior. Uma preciosidade congelada no tempo. O que ele não podia prever é que a corrupção começou há muito tempo, logo que Chanthaly nasceu. A ausência de pormenores sobre a morte da mãe que nunca chegou a conhecer e de artefactos desse tempo atormentam-na. A adolescência e a chegada de uma maior percepção de si própria, aliadas a uma imaginação viva, que é estimulada pela impossibilidade de ultrapassar o portão de sua casa, levam-na a duvidar da estória que lhe foi contada como se de um disco riscado se tratasse. A mãe dela morreu durante o parto. Então que imagens são essas que lhe pululam a cabeça de uma mulher apertando-a contra si e brincando com ela? Entretanto, perante novos pedidos de repetição da história da família e de lembranças desse tempo o coração de Chanthaly começa a demonstrar sinais de fraqueza. O coração dela não consegue conter emoções fortes como o pesar de não saber a mãe perto de si e a suspeita de que não lhe estão a contar toda a verdade. Mas o maior sinal de que a verdade pode estar ao seu alcance é a crença de que se deixar de se medicar isto a permitirá estar mais próxima do mundo dos espíritos e, talvez, ouvir uma mensagem da falecida mãe.
Chanthaly conhece um fantasma
“Chanthaly” é um filme sobre a transição de uma menina para adulta disfarçado de filme de terror. A jovem protagonista inicia a demonstrar clareza sobre o que pretende. Ela sente a falta da mãe e, em última análise, que a estão a privar de algo mais. Os medicamentos ajudam-na a sobreviver mas a sua existência é triste. Ela limpa, cozinha, arruma a casa e trabalha para a lavandaria criada pelo pai para ela se ocupar. Todos os dias vê chegar a prima, sofisticada e maquilhada no seu próprio carro, com caixas de roupa para ela lidar. E depois das tarefas realizadas o portão fecha-se atrás dela e ela não vê além dele, mesmo que um amigo de infância espreite através dele. Não é de admirar que a jovem procure conforto noutro plano de existência e que comece a deixar de o destrinçar com o seu. Ela tem todo o apoio familiar que necessita mas encontra-se só. E quando, sozinha com o cão, se apercebe que a casa pode conter uma entidade de outro plano ela entrega-se à curiosidade com consequências devastadoras.
Há uma tendência no género de terror para o desenrolar furioso dos acontecimentos. Ao aparecimento do primeiro resquício de temor surge, os cineastas cedem à tentação de precipitar os acontecimentos. “Chanthaly” tem uma calma com que poucas vezes nos confrontamos. Neste filme somos introduzidos na vida íntima da rapariga como se fosse um documentário. Cada pormenor lento e tedioso das tarefas domésticas fazem parte da entidade de Chathaly. Quando vemos a casa dela, estamos dentro dela, com todas as qualidades e defeitos que lhe estão associados. Sem esta atenção ao pormenor seria difícil compreender o alheamento de Chanthaly. Ela não sofre fisicamente abusos. Não. A violência sobre ela é de outro cariz. Cada pedaço da sua existência é controlado e gerido até ao mais ínfimo pormenor. E não é como se além das grades do portão ela pudesse encontrar conforto, embora o jovem médico Keovisit (Souasath Souvanavong) seja uma pista mas, chega uma altura em que terá de dar o salto e enfrentar os seus próprios receios. O problema é a realização de que as respostas procuradas podem não existir. Quando isto sucede como é que aprendemos a coexistir com essa realidade? “Chanthaly” é um notável primeiro notável esforço da realizadora Mattie Do, que com poucos meios faz milagres. E é também um bom exemplo de um argumento sólido que mesmo sem recursos extrínsecos para melhor o apoiar resistirá o teste do tempo podendo "Chanthaly" orgulhosamente afirmar-se como o formidável primeiro filme de terror do Laos. Três estrelas e meia.

O melhor:
- Fazer-se tanto com tão pouco. Não somos merecedores.
- Calma inquietante
- Violência psicologia e a claustrofobia associadas à realidade de Chanthaly
- Mango (o melhor actor canino da Ásia)

O pior:
- E se... Tivesse tido um orçamento à altura da estória?
- Alguma indefinição no desenlace


Realização: Mattie Do
Argumento: Christopher Larsen e Douangmany Soliphanh
Amphaiphun Phimmapunya como Chanthaly
Douangmany Soliphanh como Pai de Chanthaly
Soukchinda Duangkhamchan como Thong
Khouan Souliyabapha como Bee
Souasath Souvanavong como Keovisit
Mango (actor canino) como Moo


Próximo filme: "Ragnarok", 2013

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