domingo, 8 de outubro de 2017

Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte quatro


Por esta altura já devem estar a pensar: “ok, isto é tudo muito giro, mas ela nunca mais se cala com isto do #motelx e o que eu queria mesmo era ler só sobre cinema do sudoeste asiático”. Têm toda a razão mas já está mesmo quase - a próxima será a última parte. Yey! E este continua a ser ainda o único de festival internacional de cinema de terror sedeado em Portugal por isso, deixem-me apreciar este momento que apenas sucede uns escassos dias do ano. O próximo filme que vou abordar, será “Red Eye” (2005), que não é o filme do Wes Craven.

Dia 4 (cont. daqui):

“Mayhem” (2017)

Estavamos no sábado, no rescaldo de uma sessão morna e era a primeira sessão que assistia no Tivoli. A sala estava cheia, tinha um esqueleto sentado numa das últimas filas e perguntava-me se o facto de estar ali tanta gente teria alguma coisa que ver com o facto de o pessoal ainda não ter recuperado da morte de “Glenn” (personagem de “The Walking Dead” interpretada por Steven Yeun). Na verdade, como boa fã de cinema de terror, não tinha sequer visto o trailer de “Mayhem” e a decisão de assistir àquele filme foi uma decisão de última hora. Que boa decisão se revelou. “Mayhem” é um thriller de acção cheio de adrenalina que tem por alvo aqueles que mais adoramos detestar: engravatados que estão por trás de cada decisão injusta que a lei não quer ou não pode penalizar. Steven Yen é Derek Cho um advogado desencantado após o encontro com a América corporativa. Aquele é um mundo dominado pelo capitalismo selvagem apenas se safam os mais os mais espertos, os mais rápidos e os que fazem jogo sujo. Ele ainda não se perdeu lado negro da barricada e tem conseguido passar despercebido entre mortos e feridos, tendo por custo muitas horas de trabalho a mais e tempo com a família perdido. Um dia apercebe-se de que alguém cometeu um erro colossal que poderá custar milhões aos cofres da sua empresa e que estão a preparar para o entregar como bode expiatório.
Entretanto, descobrem que o arranha-céus onde trabalham foi exposto a um vírus que faz com que o seu portador perca as inibições e haja sobre todos os impulsos, mesmo aqueles que podia entender como mais censuráveis, se essa parte do cérebro estivesse a funcionar de forma correta. Aliado a Melanie (Samara Weaving) que também é uma vítima da firma incorrem numa corrida contra o tempo até ao topo do edifício e da cadeia alimentar, enquanto este se encontra em quarentena, para alcançar os seus intentos, tentando sobreviver à escalada de violência provocada pelo vírus. Adrenalina é a palavra-chave de “Mayhem”. As personagens são apresentadas em todo o seu esplendor de violência implícita contida e numa fase posterior na sua maior bestialidade, com amplas oportunidades para apreciar momentos sanguinários ou infantilidade. Quem nunca quis dizer umas verdades ao seu colega do lado? Quem nunca quis partir a cara à besta que está sempre a roubar a comida no refeitório? E que tal passar o dia a jogar no computador ao invés de escrever aquele relatório tão chato? Ou então, dar azo ao desejo secreto pela boazona da secretária ao lado? “Mayhem” é sobre o que sucede quando caiem as máscaras e as pessoas são reais, nuns parcos 90 minutos mas que ainda assim conseguem demonstrar personagens tão ricas e díspares, num excelente trabalho de todo o elenco. Permite perceber se o fundo é de bondade ou se esconde algo mais perverso e sobre a ideia de injustiça multissectorial, comum aos países desenvolvidos do século XXI, que foi evidente em movimentos como o “Occupy Wall Street”. “Mayhem” é uma paródia de filmes como “The Big Short” (2015) ou “Margin Call” (2011), que se cruza com a recompensa de filmes como “The Raid: Redemption” (2011) ou “Dredd” (2012). Joe Lynch é sem dúvida um realizador a estar atento. Três estrelas.

“Cult of Chucky” (2017)

Há que ser realista. Quem é que pretende realmente ver a sequela n.º 7, n.º 9 ou sequer a partir de uma 5ª? Só os fãs hardcore de um Jason, um Freddy ou um Chucky é que permanecem. Foi por isso, que até o “Jigsaw” (2017) regressou. Que não restem dúvidas, “Cult of Chucky” é para os fãs. Nunca foi acerca de captar novas audiências. Quem o vê sabe ao que vai.
Este “Cult of Chucky” não pretende reinventar a lenda de Chucky nem traça o caminho meta até às últimas consequências, em que muitos filmes de terror se têm aventurado recentemente. Ao invés foca-se nas personagens que têm dado o mote ao longo dos anos, como um já crescido Andy Barclay (Alex Vincent), a criança que recebeu a bela prenda que é Chucky ou Nica (Fiona Dourif) que está confinada a uma cadeira de rodas num hospício. Na sequência da última iteração do personagem Nica foi acusada de cometer os homicídios perpetrados pelo boneco assassino e, convencida por um psiquiatra pouco escrupuloso de que tem problemas psicológicos que a levaram a cometer aqueles actos horrendos. O cenário apresenta uma oportunidade perfeita para ver Brad Dourif (a voz de Chucky há tantos anos), a trocar galhardetes com os pacientes do hospício (é caso para perguntar quem de entre todos é o mais louco) e com a filha Fiona. Mais importante ainda, um hospício que não fica próximo da civilização com pacientes a viver num regime de internamento, é o último sítio onde o boneco devia ser introduzido, sendo que os seus habitantes não terão para onde fugir ainda que tenham consciência do que se está a passar. “Cult of Chucky” está cheio do humor negro que caracteriza a série sobretudo do lado de Brad Dourif a verdadeira alma da série e de mortes explícitas que, pese embora nem sempre ultrapassarem a barreira da criatividade, constituem um presente para os fãs. Hoje em dia, com rivais mais recentes e assustadores como a boneca de “Annabelle: Creation” (2017) a simples ideia de que o Chucky é assustador é anedótica. Por isso, Don Mancini mentor do conceito e realizador desta sequela, agarrou nos melhores elementos do passado da série para a manter à tona e introduziu humor auto-consciente das suas próprias falhas e elementos da cultura pop atual, onde outras sagas implodiram pela repetição. Foram ainda eliminadas algumas gorduras como o excesso de efeitos gerados por computador, afinal, o primeiro boneco era um fantoche; a manutenção de Brad Dourif e a exploração da química deste com a filha Fiona; a personagem de Nica, muito forte num panorama de scream queens onde os clichés imperam; a revisitação de personagens de filmes anteriores e a confiança para explorar novos cenários. No final de tudo, sobra um filme divertido. Mais não se podia pedir de um filme sobre um boneco de brincar que ganha vida após um ritual de voodoo e pragueja como um marinheiro. Duas estrelas.

“Meatball Machine Kudoku” (2017)

Integrado na sessão dupla, em conjunto com “Cult of Chucky” não se esperava deste uma obra de arte. Antes houve um desfile de absurdo, num filme de Yoshiro Nishimura, responsável por momentos tão emblemáticos do cinema como “Tokyo Gore Police” (2008) ou o segmento “Z is for Zetsumetsu” de “ABC’s of Death” (2012) e, do qual, anos depois, estou ainda a recuperar. “Meatball Machine Koduke” é uma sequela de “Meatball Machine” de cuja descrição no imdb se podem ler coisas tão fantásticas como: “Japanese cyberpunk science fiction/horror”. Acrescentem já agora “exploitation” e comédia. Como ultrapassar isto? Nishimura sabe como.
“Kudoku” parece fazer parte de um concurso do qual não sabemos quem são os outros concorrentes, para saber quem consegue fazer mais impressionante e mais absurdo. Tentar explicar a sinopse é como tentar dar sentido a algo que não o tem mas pronto: Yuji (Yoji Tanaka) é um homem solitário e à beira da ruína financeira que é pisado por todos os que o rodeiam. Ele trabalha na área da cobrança de dívidas mas não tem muito jeito e acaba por ficar ele próprio a dever ao chefe, a mãe só lhe liga para lhe pedir dinheiro e entretanto, descobre que tem cancro terminal. Mas ninguém irá chorar por ele porque ele não é amado por ninguém. Num certo dia, uma garrafa gigante que segue pelo espaço em direcção à terra – e isto nem é o mais absurdo, aguentem –, liberta uns alienígenas que ao aterrar se apoderam do corpo das suas vítimas ao mesmo tempo que as tornam em máquinas de guerra semi-robóticas. Sem nada a perder Yuji é tomado por um dos monstros mas não se transforma na totalidade dado que tem células cancerígenas. Ele aproveita a humanidade retida para combater os alienígenas antes que eles se apoderem de Kaoru (Yuri Kijima), uma mulher por quem se apaixonou. Segue-se uma muito longa cena de perseguição com Kaoru cavalgando o monstro que a rapta com os seios de fora (eu sei), e longas lutas com uma quantidade de sangue muito superior àquela que um individuo consegue albergar e com armas que resultam de uma peculiar fusão com a carne humana. “Meatball Machine Kudoku” é uma orgia ridícula de nudez e carnificina histérica e, bem, os monstros são um espanto, mas, é só por isso que vale. E olhem que são 108 minutos disto! “Meatball Machine Kudoku” é uma obra extremamente polarizadora pelo que o mais certo é já terem feito a vossa escolha sobre se algum dia o irão visionar. Uma estrela e meia.

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