terça-feira, 2 de janeiro de 2018

"The Villainess" (Ak-nyeo, 2017)


Conquanto seja um espectáculo visual assistir aos suspeitos do costume desferir golpes em todas as direcções e receber uma centena de pancadas e continuar de pé a despeito dos ferimentos como um Iko Uwais (basicamente toda a sua filmografia) ou, disparar balas em todas as direcções como se fosse um profissional da magia e não da profissão mais violenta deste mundo qual Keanu Reeves, isso já não é tão habitual vindo de uma mulher. De vez em quando necessito de doses de personagens femininas fortes no meu cinema de acção e isso não é assim tão habitual. Os exemplos anteriores masculinos mencionados não serão os melhores actores que a arte da representação já viu mas, nem as mulheres são as flores delicadas que se julgava até não há muito serem. Existem algumas figuras icónicas no género como a eterna Ripley mas esse exemplo é já muito antigo e mesmo a Beatrix Kiddo de “Kill Bill” já remonta a 2003/4). “Salt” não foi além de 2010 e também não se antevê grande história num “Tomb Raider” (2018) com uma Alicia Vikander no seu estilo mais insípido. Eis, que depois de alguns anos de deserto e de um autêntico “Furiosa Show”, onde deixou um Tom Hardy a milhas da sua presença no ecrã, aparece em 2017 uma Theron pronta a tirar partido do ímpeto gerado em “Mad Max: Fury Road” (2015) para se elevar ao estatuto de heroína de acção já que tudo o resto já conseguiu em “Atomic Blonde”.
E como pareceu existir um grito colectivo pelo ressurgimento pelo poder feminino, empurrado pelos novos extremismos de direitas alternativas (revirar de olhos), este teve a concorrência de um “The Villainess” (2017) que surgiu subtil mas foi ganhando tracção por entre cinéfilos além das semelhanças depois encontradas com a congénere ocidental que estreava depois. O chamado “Money shot” parece tirado a papel químico entre os filmes mas não estou aqui a querer acusar ninguém de cópia, até porque “The Villainess” tem muito de emprestado a filmes do próprio país, bem como do próprio género de artes marciais. Enquanto a loura platinada de Theron está fisicamente mais próxima de uma Carly de “The Long Kiss Goodnight” (1996), Ok Bin Kim encarna uma assassina com uma psique mais próxima daquela, enquanto progenitora de uma criança menor mas sem as one liners pirosas. As cenas de acção de “The Villainess” são um híbrido do que melhor se tem feito nos últimos anos no cinema de artes marciais e isso não tem mal nenhum. A sequência inicial, em que uma Sook-hee irrompe por um edifício adentro matando todos e quaisquer que se atravessem no seu caminho, é uma das mais brutais que vi ultimamente e completamente merecedora de todos os prémios pela mestria técnica em particular, o trabalho da equipa de duplos. Se quiserem exemplos, podem remontar a “Oldboy” (2003) ou “The Raid 2” (2014), com um bónus adicional de espectativa na primeira pessoa de um “Hardcore Henry” (2015) que muito mais gente devia ter visto. É de loucos imaginar como alguns daqueles momentos foram capturados pelas câmaras. São dez minutos inteiros de destruição total. Outro momento de acção fantástico envolve uma perseguição de mota que termina com os motoqueiros a esgrimir argumentos… com espadas.
Que tal isto para hype? A narrativa caminha depois para o mais convencional de uma “La femme Nikita” (1990). Jovem e enlouquecida pela morte do seu amado Sook-hee é movida pela sede de vingança até perceber que está grávida do amor que perdeu. Encontrada pela Agência Secreta coreana, a única hipótese de escapar às malhas da justiça (a sua lista de mortes é muito elevada) é tornar-se uma operativa e cumprir escrupulosamente as missões que lhe são apresentadas pela enigmática chefe Kwon (Seo-hyeong Kim), se quiser almejar viver uma vida de liberdade com a filha. É-lhe dada uma nova identidade, uma casa e até surge um novo interesse romântico que lhe dão a aparência de uma vida normal mas em breve o imperativo das missões se tornarão realidade, bem como de uma vingança ainda não sanada. Com pouco mais de duas horas “The Villainess” é traído pela incapacidade genética de não adicionar melodrama que arrasta uma película que tinha iniciado de modo tão promissor mas nada que retire a vontade de assistir a este filme. As analepses que ainda são em número razoável são uma boa adição para a compreensão das motivações da “Vilã”. Falta-lhes, no entanto, a fluidez que se encontra nas cenas de acção, tornando-se difícil distinguir a acção em tempo real dos bocadinhos de história que ajudam a montar o puzzle da personalidade de Sook-hee. Ok-bin Kim está perfeita no papel da assassina rebelde à procura de vingança que se torna uma operacional obediente. Sempre confinada aos papéis que lhe são apresentados e nunca tendo realmente o poder de escolha na sua vida. A única forma de autonomia e de expressão de Sook-hee é apenas na sua forma mais violenta. “The Villainess” é um bichinho complicado e imperfeito com maravilhosas cenas de acção e a sua estrela é uma Ok-bin Kim que já devia estar no radar de todo o mundo. Três estrelas.

Próximo Filme: "Blade of the Immortal" (Mugen no jûnin, 2017

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