domingo, 28 de dezembro de 2014

"The Thieves" (Dodookdeul, 2012)


“The Thieves” faz-nos recuar ao formato antiquado do grupo de ladrões que se reúne para realizar um furto único esgueirar-se debaixo dos olhares de todos. É uma estória tantas vezes recontada que desperta ódios e paixões em igual medida. A cada novo ano aparece uma nova variação da fórmula que justifica a realização de sequelas (“Ocean’s Eleven”, 2001) e o surgimento de novos franchises (“Now you see me”, 2013). Para os amantes do género “The Thieves” será uma obra incontornável, apetite ainda mais aguçado por ter sido o maior sucesso de bilheteira na Coreia do sul do ano de 2012. “The Thieves” junta um elenco internacional (Coreia do sul, China e Malásia) de reconhecido talento e estrelato capaz de atrair as massas ao cinema e um realizador que já por duas vezes dirigiu projetos sob a mesma matéria sem perder o toque de midas. Os argumentos para o seu visionamento poderão significar muito pouco para desconhecedores do cinema sul-coreano mas quando enquadrados no devido contexto demonstram ser uma estratégia de marketing genial.

Popeye (Jung-jae Lee) é o líder de um grupo de ladrões especializados na realização de furtos de alta complexidade. O seu gangue reúne a sexy mas perigosa Yenicall, a veterana Chewingum (Hae-suk Kim) e o aprendiz da arte Zampano (Soo-yun Kim) Eles juntam-se, planeiam, realizam e desaparecem durante algum tempo. Quando após a última operação a polícia se aproxima demais, eles retiram-se para Hong Kong para deixar as pistas esfriar. Lá, Popeye é seduzido a juntar-se ao antigo chefe e associado Macao Park (Yun-seok Kim) para aquele que será o golpe mais lucrativo e intrincado da carreira de todos, o roubo do diamante "Lágrima do Sol". O trabalho exige um maior número de participantes, que inclui o gangue chinês liderado por Chen (Simon Yam). Como não bastasse o número de jogadores ser elevado, o que por si já significa a diminuição do quinhão de cada um e a desconfiança gerada pelo facto das equipas nunca terem trabalhado em conjunto, Popeye faz questão de adicionar ao grupo Pepsee (Hye-soo Kim) recém-libertada da prisão, depois do último trabalho que realizaram em conjunto com Macao ter corrido mal.
A cinematografia e as personagens ecoam as opções estilísticas e os estereótipos de filmes anteriores mas “The Thieves” encontra-se mais longe do esquema estudado e ensaiado ao pormenor de “Ocean’s Eleven” e antecessores, das reviravoltas dramáticas de “Mission Impossible” (1996). Dong-hoon Choi joga com a ambiguidade da moral dos seus personagens a todo o instante. Como grupo funcionam para atingir o seu objectivo questionável – eles não são nenhuns Robin dos Bosques –, procuram o lucro através de métodos ilegais para ganho próprio. Enquanto indivíduos examinados a um pormenor microscópico, compreende-se como o equilíbrio que os une é instável. Pepsee, Macao Park e Popeye estão unidos numa teia amorosa e de traições da qual nenhum quer sair a perder. Especialmente Pepsee pagou por isso com a prisão e tem agora em mente não só uma recompensa pelo tempo que perdeu encarcerada, como o motor da vingança. Yenicall que alia capacidades acrobáticas e raciocínio rápido ao sex-appeal não está feliz por ter perdido o foco de atenção para Pepsee que é de certo modo uma versão mais madura dela própria e de ter de repartir a sua parte com mais intervenientes. Chewingum já acusa o cansaço de tantos anos na corda bamba e deseja, aliás anseia uma reforma, se não tão rica, pelo menos feliz. Chen é outro veterano que alinha com os coreanos para a condução do golpe mas apenas até certo ponto e nos seus termos. Zampano não consegue resistir aos encantos da perigosa Yenicall, pondo até a sua sobrevivência no jogo em perigo. Em última análise, quando as coisas correm mal e, acreditem que vão correr muito mal, as máscaras caem e cada um actua de modo a salvaguardar aquilo que é mais importante para si. Com um grupo de actores tão talentoso a expectativa é a de que a luta pelo tempo de écrã levasse a melhor sobre a estória que se iria desintegrar à frente dos nossos olhos. O que sucede é o oposto. Cada subenredo permite aos personagens envolvidos brilhar. Por cada poucos minutos a mais concedidos, maior é o impacto do destino daqueles personagens. Como os seus personagens, a dupla de argumentistas é brutal. Todos têm um alvo nas costas e ninguém está livre de ser morto a qualquer instante. Subitamente é menos importante saber quem é que fica com o diamante do que quem sobrevive para gozar a recém-encontrada abastança. Três estrelas e meia.

Realização: Dong-hoon Choi
Argumento: Dong-hoon Choi e Gi-cheol lee
Yun-seok Kim como Macao Park
Jung-Jae Lee como Popeye
Hye-soo Kim como Pepsee
Ji-hun Jun como Yenicall
Simon Yam como Chen
Hae-suk Kim como Chewingum 
Dal-su Oh como Andrew 
Soo-hyun Kim como Zampano
Derek Tsang como Jonny 
Soo-jeong Ye como Tiffany 
Angelica Lee como Julie

O melhor:
- As cenas de acção
- O elenco sólido

O pior:
- Sensação de que é pouco tempo para tamanha exposição. Exploração das ideias em formato de série não seria um desperdício
- A velha estória... Se não gostam do género não é este que vos vai fazer mudar de ideias




Próximo Filme: "Marshland" (La Isla Mínima, 2014)

domingo, 21 de dezembro de 2014

"The Protector" (Tom Yum Goong, 2005)


Sejamos honestos, o Tony Jaa é um péssimo protector. No “Ong Bak” (2003) foi incapaz de evitar que roubassem a cabeça da estátua de um Buda apesar de esta ser tipo enorme, em “The Protector” ele consegue, não sei como, perder uma cria de elefante que era tarefa sua proteger. Mas se um vilão ofender o vosso irmãozinho pequenino ou raptar o vosso gato bebé ele é a pessoa certa para a tarefa. Para uma referência mais actual, considerem-no um Liam Neeson mais inepto nas palavras mas que executa na perfeição alguns dos espancamentos mais brutais a que já tiveram oportunidade assistir.

Tony Jaa é Kham, o último descendente numa linha de guardiões dos elefantes da família real Tailandesa. Durante as comemorações de um festival e aproveitando a confusão do grande afluxo de gente, uns malfeitores, com a conivência de um ilustre cidadão local aproveitam para roubar o membro mais novo da família de elefantes e atingem o pai de Kham com um tiro. Como podem imaginar o Tony Jaa fica muito zangado. Ao ponto de viajar até ao outro lado do mundo para ir resgatar o seu elefantezinho e vingar o ataque ao pai. Ele não viaja efectivamente até ao outro lado do mundo, até porque a Austrália é logo ali, mesmo ao pé da Tailândia (vá, quase), mas é bonito pensarmos que sim. Lá, ele depara-se com um estranho mundo novo, não só porque parece um peixe fora de água – ele fazia flexões nos dentes de um elefante afinal de contas –, mas é um país onde a língua é estranha e a confluência de novos estímulos é avassaladora. Para sua “alegria”, o mundo do crime mantém a conexão com a cultura que conhece ou não fosse o bandido, dono do restaurante “Tom Yum Goong” (um prato tradicional tailandês) e quem lhe dá guarida é Pla (Bongkoj Khongmalai) uma tailandesa atraída para as malhas da prostituição no exterior.

“The Protector” toca em tudo quanto são assuntos mas não se foca em nenhum: o tráfico de seres vivos e de arte; as dificuldades de adaptação dos imigrantes a uma nova cultura, sistema de justiça e religião; a prostituição forçada de mulheres estrangeiras… Kham apenas quer o seu elefante. Mas não se preocupem que a ligação de ambos é mais forte do que possam imaginar. É histórica e espiritual. Por isso, Kham encontra-se disposto a espalhar mortos e feridos por toda a Austrália se tal for necessário para chegar até ele. À boa maneira deste tipo de filmes, os bandidos não têm uma grande apetência para as armas de fogo se não, ao fim de dez minutos já não haveria estória para contar. É que Kham é um incómodo daqueles que mais valia recorrer a uma metralhadora do que ir contratar os lutadores mais brutamontes (e incompetentes e caricaturais) que já se viu. Na maior parte e a despeito de pontualmente se deparar com uns quantos adversários de valor, eles são francamente ineficazes contra o muay thai quebra articulações de Kham. Nm dos momentos mais fascinantes e brutais, para quem vê e para os duplos, Kham atravessa um edifício inteiro e, em particular, sobe uma escadaria num impulso decisivo e destruidor. Tudo quanto se atravessa no seu caminho é empurrado, esborrachado e, enfim, trucidado. Eu não queria ser um daqueles duplos! Esta cena providencia um instante espantoso se pensarmos na perfeição da coreografia que envolveu dezenas de intervenientes e a mestria de Prachya Pinkaew que optou por captar a cena num único take. O que pensando bem, poderá até ter constituído um dos momentos cinematográficos inspiradores do não menos superior “The Raid 2: Berandal” (2014). “The Protector” é igual a todos os filmes de artes de marciais remanescentes na medida em que temos de nos convencer com todas as nossas forças que o que estamos a assistir podia acontecer. No entato, é um deslumbramento admirar a destreza, o portento físico dos seus intervenientes. Denota-se um esforço real por parte da equipa em mostrar um produto excitante. Não é a acção chapa 5 de um “Kickboxer 33” ou um “Bloodsport 15”. Pretendem mesmo que apreciemos um filme onde o prato principal é pancada até mais não. Três estrelas.

Realização: Prachya Pinkaew
Argumento: Napalee, Piyaros Thongdee, Joe Wannapin, Kongdej Jaturanrasameee Prachya Pinkaew
Tony Jaa como Kham
Mum Jokmok como Inspector Mark
Xing Jing como Madam Rose
Johnny Tri Nguyen como Johnny
Bongkoj Khongmalai como Pla
Sotorn Rungruaeng como pai de Kham
David Asavanond como Rick

O melhor:
- Se gostam e esperam brutalidade no seu modo mais cru, da oferta moderna pouco existe de superior a “The Protector”
- Coreografia das cenas de artes marciais no seu melhor

O pior:
- A versão Weinstein conseguiu comprimir um bom filme de 110 minutos num de 85. A evitar.
- Mortos e feridos por um elefante poderá custar a engolir a alguns
- Tony Jaa não é propriamente um actor Shakespeariano. Encontra-se mais próximo do Arnie acabadinho de chegar aos EUA, oriundo da Áustria.

Próximo Filme: "The Thieves" (Dodookdeul, 2012)

domingo, 14 de dezembro de 2014

"The Sylvian Experiments" (Kyofu, 2013)


“Que raio é que acabei de ver?” foi a primeira reacção após o termino do filme. Para meu e vosso mal, esta única frase não serve como crítica de cinema e explica muito pouco pelo que vou forçar-me a tentar extrair um sentido coerente desta película japonesa.
“The Sylvian Experiments” abre com uma cena em que pacientes do que aparenta ser um hospital são submetidos a uma experiência bizarra que envolve brocas, cérebros expostos e choques eléctricos. A cena seguinte revela que afinal estes acontecimentos já sucederam há algum tempo e é agora um casal quem assiste aos eventos sobre a forma de documentário. Talvez seja um daqueles registos históricos um pouco aborrecidos que convém não ser exibidos ao grande público durante muitos e muitos anos, se é que o serão de todo. Eis que Etsuko (Nagisa Takahira), a mulher do casal, se apercebe que as duas filhas menores assistiram (a que parte, não se sabe ainda) ao filme. O que é assim um bocado chato.
Por fim (e calma que não passaram sequer dez minutos), temos um grupo de estanhos que seguem numa carrinha que estaciona num local isolado, junto a uma floresta. O que vão eles fazer perguntam vocês? Snifar umas linhas de coca? Uma orgia? Jogar Trivial Pursuit? Não. Fizeram um pacto suicida. Fixe. Por esta altura já terão dando uma pancada seca na cabeça e estarão a censurar-me pela sobre-exposição. Mas não, ainda não sabem nada. Miyuki (Yuri Nakamura) uma das raparigas que desistiu de vier era uma das crianças que apanharam os pais a ver filmes porcos (sangue e miolos, entenda-se), como tínhamos visto uns minutos antes e agora a outra, Kaori (Mina Fuji) está perturbada com o desaparecimento da irmã e decide armar-se em pseudo detective. Ela fala com a polícia, pernoita na casa dela, contacta com o namorado desta e nos intervalos alucina com luzes brilhantes. A partir daí o significado desvanece-se numa névoa. “The Sylvian Experiments” é pois uma daquelas bestas ambíguas que levantam mais questões do que apresentam respostas e polarizam opiniões. Herdeiro de “Ringu” (1998), “Ju-on” (2000) e outros sucedâneos mais antigos, “The Sylvain Experiments” afirma-se como um animal diferente. A ligação com um objecto como intermediário na ligação entre o mundo espiritual e o dos vivos (uma casa ou um telefone, por exemplo), não é visível mesmo que aborde, como sempre, os temas da vida e sobretudo da morte. Um caminho possível seria a exploração do sulco lateral do cérebro, também conhecido como a fissura de Sylvius, que lhe confere, afinal o titulo anglo-americano mas este território é logo afastado. Entre as piores ideias também não se encontraria o enfoque no sentimento de perda de Kaori trilhando a infância das duas irmãs, a relação difícil com a mãe e o evento que motivou o seu distanciamento. No entanto, até esta linha de pensamento é estéril.
O mais próximo de um vislumbre de significação advém da obsessão de uma médica com a vida após a morte (mini flashback de “Martyrs” de 2008). Se bem que até esta nunca esboça um motivo para a obsessão. O resto do elenco está ainda mais perdido. Miyuki poderá ou não ser uma suicida relutante e Kaori que afirma desejar encontrar a irmã não se parece importar com os avanços amorosos do namorado desta. Como não surgissem respostas, quer do rumo da investigação quer, mediante o recuso à analepse para fornecer algum insight para o desejo mórbido de Miyuki em pôr termo à própria vida, resta uma Kaori apagada. A personagem de Mina Fuji é capaz de ser a personagem feminina mais fraca desde a estreia do primeiro Ringu, já lá vão 16 anos. Isto, a despeito de ela ser apresentada como a única luz num quotidiano cinzento. A realização opta pelos tons cinza no que se refere ao resto do mundo, mas irrompe de cor quando Kaori interage com os outros. Com ela o mundo ganha cor. Mas até aqui os apontamentos de cor são pessimistas, pois a cor privilegiada para enfatizar o contraste é o encarnado, longamente associado em cinema com a morte. Fuji precisa de toda a ajuda que lhe possam dar pois Kaori marca os momentos mais enfadonhos da pelicula. Kaori é uma detective que pouco faz de concreto. Se a início colabora com a polícia, logo se esquece deles perante uma primeira pista. Alia-se de modo cego ao namorado daquela e sem pudor acede às investidas amorosas deste. Ela é ineficaz, ele é ineficaz, a polícia é ineficaz. São todos ineficazes juntos. Um possível drama familiar descamba numa teia difícil de descortinar, com estórias de vampiros, virgens suicidas, recordações de meninice agridoces e alucinações que são atirados a eito para o caldeirão. E o final não é mais que o embuste típico dos cobardes. “The Sylvian Experiments” mais se assemelha à confluência de dois ou 3 argumentos que por si só se calhar tinham mais poder que a amálgama que daí resultou e que carecia de uma edição séria. Lamento não conseguir alcançar na sua total extensão a significação que me era pedida mas confesso que me perdi a meio da aborrecida viagem. Duas estrelas.

Realização: Hiroshi Takahashi
Argumento: Hiroshi Takahashi
Yuri Nakamura como Miyuki
Mina Fuji como Kaori
Nagisa Takahira como Etsuko

Próximo Filme: "The Protector" (Tom Yum Goong, 2005)

domingo, 7 de dezembro de 2014

“NAFF – Not a Film Festival”- parte 1 ou, um GPS dava jeito!



Já tinha dito que queria ir. Mas entre compromissos, chuva, frio, sonos retardados e alguma preguiça vá, fui adiando. Era domingo à noite (21 de novembro) e feita corajosa fiz-me à estrada. Foi ali para os lados de Benfica, num Turim que não é visitado o suficiente e não tem rede telefónica. Quem precisa disso numa sala de cinema?! A chegada foi uma aventura. Na minha melhor demonstração de incompetência em sentido de orientação e apesar de já lá ter passado umas quatro vezes, fui incapaz de chegar à sessão “Not a Film About Us” a tempo. Percorrer a estrada de Benfica à noite e ao frio é uma experiência fascinante mas não tanto quanto teria sido ter assistido às duas sessões a que me propus. Felizmente não ia em trabalho, como uma jornalista a sério, se não levava uma reprimenda do chefe! Assim, quedei-me pel’ “A Máquina”, que apresenta um velho barbudo e engenhocas, grande cientista autodidacta desconhecido do nosso tempo; uma “Emília” que descobre a jovem rebelde e revoltada que há em todos nós (que permanecemos em Portugal), a “Fúria” de miúdos cujos pais deverão pensar algo como “antes levarem nas trombas num ringue” do que andar na rua na vadiagem e “A Remissão Completa” sobre a redenção de um incorrigível.
“A Máquina” é um mix de qualquer coisa cómica com qualquer coisa de desconcertante. Todos têm um “louco” na sua vida. Aquele género de pessoa que é meio exagerada e meio genial e tivesse ela apoio (recursos humanos e materiais – não falemos de dinheiro por aqui), quem sabe que resultados podiam advir daquela loucura metódica? O avô deseja construir uma máquina que crie uma energia eternamente renovável. Ele admite que talvez nunca venha a conseguir alcançar o seu objectivo e que enquanto possuir a faculdade mental e vigor físico a busca incessante irá manter-se. As suas confissões meandram entre a paixão pela verdade e o afastamento da solidão. “A Máquina” revela-se pois o exercício mais forte, mais intimista, afinal é dedicada a um avô, numa sessão onde se esperava que o cenário mais próximo dos corações se encontrasse na desolada “Emília”. Após um documentário melancólico “Emília” não parece procurar a esperança. À semelhança de muitas outras jovens, ela encontra-se desempregada e desesperada com a situação financeira. Com uma mãe doente e com as mais recentes perspectivas de emprego goradas, a independência não passa de uma miragem. A isto não ajudam as estórias de outros mais bem-sucedidos e “amigos” condescendentes. Se ela quisesse podia ter um trabalho, tem é de se sujeitar. Depois surgem os rebeldes com uma causa, que lhe dizem para lutar contra o sistema, por um destino melhor. Porque parecerá toda esta sucessão de acontecimentos uma encenação? Já o vimos demasiadas vezes? Ou é “Emília” a jovem que podia ser anónima mas não é e representa todos esses jovens anónimos desesperados uma película sem alma? Em 15 minutos, Emília encontra dentro si a força para a ruptura. O que a compele para uma marcha lenta, inútil e sem quaisquer efeitos práticos contra forças que auxiliam a manutenção do status quo mas o representam. Lutar contra canhões com uma pena, hã? “Fúria” descreve o quotidiano de miúdos de um bairro pobre que entre as brincadeiras de rua descarregam a energia no boxe. É uma coisa positiva estão a ver? Dá aos miúdos um objectivo e afasta-os da realidade brutal da rua. Praticam um desporto, adquirem disciplina e descarregam a bílis. Está implícito. É um retrato. E ficamo-nos por aí.
 “Remissão Completa” completo com uma alusão ao cancro é uma estória em tons de rosa. Um homem odioso, daqueles que têm tudo menos um coração perde a razão de ser quando perde a mulher para um cancro. Ele retirava tudo a quem tivesse de ser, para seguir as ordens rígidas, cegas do banco para o qual trabalhava. Um dia, uma das suas vítimas diz-lhe algo que ressoa dentro dele. Como umas palavras ecoam dentro de um corpo oco é um enigma mas é o que acaba por suceder depois do Karma fazer das suas. O mal que lançou para mundo é-lhe agora devolvido. Perde a mulher que amava – notem que no inicio ele está numa discoteca a beijar uma mulher que poderá não ser a esposa –, passa a viver num quarto arrendado com uma velha senhoria (pobre coitado) até que um dia encontra a hipótese. Não, o desejo, da redenção numa boa acção. A moral da estória não é a de que “um Homem pode mudar” mas a de que se cometer um acto altruísta resultante de um desejo egoísta: “se eu fizer uma boa acção, eu poderei ser melhor logo, terei uma boa vida novamente”, isso, não é censurável. E para concluir o facto de ele se ter tornado uma pessoa melhor, ele necessita de narrar aquilo por que passou a um amigo de infância. Narcísico no mínimo. A grande vitória do pouco que tive oportunidade de assistir nesta sessão “Not a Film About Us” foram as ideias havidas e não necessariamente o modo como foram retratadas. Duas estrelas e meia.

Curta-metragem #1: “A Máquina”
Realização: Mafalda Marques

Curta-metragem #1: “Emília”
Realização: Diogo M. Borges
Argumento: Diogo M. Borges

Curta-metragem #3: “Fúria”
Realização: Diogo Baldaia
Argumento: Diogo Baldaia e Manuel Rocha da Silva


Curta-metragem #4: “Remissão Completa”
Realização: Carlos Melim
Argumento: Frederico Ferreira

Próximo Filme: "The Sylvian Experiments" (Kyofu, 2013)