domingo, 20 de dezembro de 2015

"Krampus", 2015


Anos depois de versões infindáveis de deslavadas com longos cabelos que ainda não descobriram o poder de um pente, chegou a vez das bestas cornudas que não gostam muito de criancinhas que se portam mal. 

Quando o folclore europeu aparenta ter sido profusamente explorado e, Anderson e os irmãos Grimm são referências óbvias, a despeito de nestes residir ainda muito material passível de ser trabalhado pela máquina destruidora de sonhos que é Hollywood, eis que chegou a altura dos contadores de estórias se virarem para outras lendas mais obscuras. E se o “Krampus” é uma figura bem conhecida nos territórios austríacos e germânicos, no remanescente território europeu ele é pouco se não mesmo desconhecido. Ele é a antítese do São Nicolau, mais conhecido pelos miúdos com o Pai Natal, aquele gordo de vermelho que lhes dá prendas todos os anos se eles se tiverem portado bem. Já o Krampus, ele procura os meninos e meninas que se portaram mal e arrasta-os para o inferno consigo… Michael Dougherty, reconhecido por “Trick r’ Treat” que se viria a tornar, com justiça diga-se, um fenómeno de culto em torno do Halloween, ele revela uma apetência para os contos de época focando toda a atenção para o Natal. Se já estão a esfregar as mãos de contentes, porque este é um bom filme para reunir a família em torno de uma mesa recheada de doces de natal e uma lareira quentinha é melhor pensar duas vezes. Dougherty traz uma visão muito negra não recomendável à pequenada e também não é recomendável que os pais usem o filme como munição para obrigar os filhos a portar-se bem durante o resto do ano pelo medo. Isso só faz de vocês cretinos. A boa notícia é que “Krampus” é o melhor filme de terror da época natalícia em muitos anos. Diria mais, "Krampus" inicia-se com aquela que é muito provavelmente a melhor sequência inicial dos últimos anos. E se, por esta altura se estão a questionar por que haveriam de querer juntar-se à volta de um filme de terror durante a época natalícia, é oficial: vocês são uns botas-de-elástico. Vão mas é ver as repetições de “Home Alone” (1990) ou o “The Sound of Music” (1965) pela enésima vez.
No centro de “Krampus” está Max (Emjay Anthony) que se encontra na idade perigosa da pré-adolescência e começa a ganhar uma visão de vida já sem alguma inocência. Por entre uns pais que aparentam já não se amar (Toni Colette e Adam Scott em grande forma), uma irmã que mal dá pela sua existência vivendo para o namorado e o smartphone, tios e primos que parecem existir com o único propósito de o humilhar, Max rasga a carta que escreveu ao Pai Natal e último obstáculo à visita do Krampus. Quando este surge, fá-lo em grande e para estupefacção de todos. Isto é dado muito positivo, pois que Dougherty deixa as regras suficientemente vagas para que a besta possa atacar indiscriminadamente. A apoiá-la estão uns ajudantes, tal como o Pai Natal é apoiado por duendes. No entanto, estes estão mais próximos dos bonecos possuídos por almas demoníacas de um “Poltergeist” (1982) do que uma qualquer encarnação fofinha” da Disney.
Toni Colette e Adam Scott brilham como Sarah e Tom Engel, um casal de classe média que atravessa uma crise no casamento mas tudo faz para manter as aparências perante os filhos e a sociedade (ainda que falhem). Toni prova mais uma vez que é perfeitamente capaz no papel de uma mãe terra-a-terra capaz de superas provas mais complicadas pelos filhos (“About a Boy” 2002, “The Sixth Sense” 1999, etc). Também é visível o esforço de ambos para suportar a irmã de Sarah, Linda (Allison Tohlman) e o marido Howard (David Koechner), assim como à prole insuportável, cujas ideias de educação e diversão, em tudo diferem da forma de ser dos Engel. Eles representam aquela parte da família da qual não se gosta particularmente mas que se tolera a bem do período natalício. Só alguns dias e voltarão a vê-los no próximo ano. Como as coisas não piorassem, eles trazem a tia abelhuda e inconveniente Dorothy (Conchata Ferrell), que através de um expediente manhoso, consegue fazer-se convidar para a seia de natal. O único dado positivo é que ao menos todos a odeiam de igual modo. Dougherty, no papel duplo de argumentista e realizador, dá ainda um piscar de olhos à lenda é através da personagem de Omi, a avó germânica extremosa (Krista Stadler) que servirá como elemento fulcral na exposição dos acontecimentos que escapam à compreensão de todos. Com todas as suas diferenças e divergências, os Engel assemelham-se a uma família real, que se torna mais forte à medida que o Krampus faz das suas. “Krampus” é uma comédia de terror, com contornos negros reminiscentes de um “Gremlins” (1984), desde os pequenos monstros ao cinismo dos anos 80, e representam boas perspectivas para a ainda curta carreira de Michael Dougherty. O que virá a seguir? O peru devorador de homens do Dia de Acção de Graças? Um coelhinho da Páscoa sugador de Almas? Mal posso esperar. Três estrelas.

Realização: Michael Dougherty
Argumento: Todd Casey, Michael Dougherty e Zach Shields
Adam Scott como Tom Engel
Toni Collette como Sarah Engel
David Koechner como Howard
Allison Tolman como Linda
Conchata Ferrell como Tia Dorothy
Emjay Anthony como Max Engel
Stefania LaVie Owen como Beth Engel
Krista Stadler como Omi Engel
Maverick Flack como Howie Júnior
Lolo Owen como Stevie
Queenie Samuel como Jordan
Leith Towers como Derek

Próximo Filme: "Blind Detective" (Man Tam, 2013)

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

"The House at the End of Time" (La casa del fin de los tiempos, 2013)


Dulce (Ruddy Rodriguez) retorna a casa após trinta anos, depois de ser libertada por motivos humanitários, para cumprir o resto da sentença por homicídio. A opinião pública não tem quaisquer dúvidas sobre a culpabilidade de Dulce. É apenas a velhice que dita que ela possa cumprir o remanescente da pena, no local onde aconteceram acontecimentos trágicos. Na verdade, a realidade é bem mais assustadora do que a percepção do público. Dulce odeia a casa na qual a “libertaram”. A memória dilacera-a. As paredes respiram o ar da família que então perdeu e o chão ecoa os passinhos dos filhos Leopoldo (Rosmel Bustamante) e Rodrigo (Héctor Mercado), mas também permanecem as marcas de assombração que então a aterrorizaram. Vivendo um dia de cada vez, contando cada tostão, a família de Dulce mudou-se para cidade, aproveitando uma oportunidade do Governo para ocupar casas a baixo custo na cidade. Ali, Juan José deverá encontrar mais hipóteses de trabalho. Dulce aceitou esta mudança de vida a contragosto. No campo sempre estariam perto da família. A casa, grande mas delapidada não lhe inspira confiança e até Juan José rápido se perde nos caminhos do alcoolismo. Os indícios de que a casa tem mais ocupantes do que a família de Dulce são enormes mas ela nada pode fazer quanto a isso. Presa numa casa de onde não pode sair a versão mais velha de Dulce não tem alternativa a não ser enfrentar os fantasmas de passado, figurativos e literais. Ela recebe a vista de um padre (Guillermo García) que a tenta trazer de novo para o caminho da religião mas Dulce não está disposta a isso. Não, depois do que passou.


Se “The House at the End of Time” soa à enésima variação da estória da casa assombrada é porque assim Alejandro Hidalgo, argumentista e realizador, o pretende fazer crer. No entanto, a direção que a estória toma, apesar de gradual, é inesperada. Uma opção de respeito, seja para um filme passado nos E.U.A ou numa Venezuela, que esta pessoa que já viu de tudo, mais vezes do que menos, está habituada à repetição de estórias e a um quociente de originalidade bastante limitado.
 Ele brinca com os géneros resultando num híbrido que não sendo de puro terror, tem ainda assim cenas assustadoras em quantidade suficiente para cativar os amantes de emoções fortes. A ação movimenta-se fluída entre o passado e o presente, sempre na perspectiva de Dulce, até à grande revelação final, que tenta retirar sentido das memórias e dos acontecimentos que agora se repetem para compreender o que se passou, onde é que errou ou o que podia ter efeito para impedir a desintegração da sua família. A interpretação de Rodriguez é impecável. Dulce é uma personagem difícil por apresentar tantas facetas e ela encarna-as na perfeição. Ela interpreta uma mãe devotada, crente em Deus, determinada a fazer o melhor para criar os filhos com os parcos recursos de que dispõe e, a despeito dos seus muitos medos, seja por prever um futuro negro para a prole, a cada vez maior instabilidade do marido ou a casa que ganha vida própria, é temerária do que diz respeito à sua protecção, qual mãe leoa. A caracterização de Ruddy Rodriguez para aparentar ter envelhecido 30 anos é bastante discutível e, na generalidade, é o período temporal menos forte. Dulce capta alguma simpatia na qualidade de senhora de meia-idade indefesa, face a um possível ataque sobrenatural mas é muito mais difícil levá-la a sério debaixo das camadas de maquilhagem. Ainda assim, a aposta em Rodriguez continua a ser bastante corajosa, se tivermos em conta que a maior parte das protagonistas de filmes de terror variam entre ser engraçada ou giríssima. A entrada em cena de uma médium é um factor passível de provocar um esgar de desdém. No cinema é sempre fácil encontrar alguém com capacidades divinatórias ou que consegue contactar com entidades do âmbito do sobrenatural. Há sempre alguém que tem uma qualquer prima em 2.º grau que é vizinha de alguém que é neto de uma pessoa com capacidades de contactar o paranormal. Fantástico. Mas se passarem clichés do género e a óbvia limitação de orçamento à frente, o resultado continua a ser surpreendente. Duas estrelas e meia.


Realização: Alejandro Hidalgo
Argumento: Alejandro Hidalgo
Ruddy Rodriguez como Dulce
Rosmel Bustamante como Leopoldo
Adriana Calzadilla como Vidente Adriana
Simona Chirinos como Madame Victoria
Gonzalo Cubero como Juan José
Miguel Flores como Inspector
Guillermo García como Padre
Héctor Mercado como Rodrigo
Yucemar Morales como Saraí

Próximo Filme: "Krampus", 2015

domingo, 22 de novembro de 2015

"Diary" (Mon seung, 2006)


Winnie (Charlene Choi) encontra-se deprimida depois de mais uma relação falhada. Após Seth (Shawn Yue) a abandonar, Winnie passa os dias a fazer bonecos, a tratar da lida da casa e escrever no seu diário. A sua vida dá uma volta inesperada quando encontra Ray que é exactamente igual ao ex-namorado. Ela dá uma nova oportunidade ao amor e acaba por conquistar Ray que rapidamente se muda para a casa da nova namorada. Winnie dá por si a cometer erros do passado com o novo amor ou será que o ciclo vicioso nunca chegou a terminar?

“Diary” é uma viagem desorientadora e aborrecida pela mente de uma personagem que poderá ou não estar no pleno das suas faculdades mentais. A viagem desorienta devido às muitas repetições e mudanças de perspectiva mas também aborrece porque, afinal, quantas vezes é que tem de mostrar a mesma cena até ao público acusar cansaço?! Todos os sinais apontam para que Winnie não seja a pessoa mais estável em termos psicológicos. Entre os vários afazeres mundanos, apercebemo-nos que Seth fez as malas e deixou-a só. Outro indício bastante óbvio é o facto de Winnie procurar criar um relacionamento com um sósia do homem que lhe partiu o coração. A sério que não havia ali ninguém para lhe dizer: “Querida, esta é capaz de não ser uma das melhores ideias de já tiveste?” Por que se o homem é igual, a personalidade pode ser em tudo diferente. Aliás, a maior parte do tempo, Ray aparenta possuir uma personalidade submissa se não, como aguentaria suportar que Winnie o tratasse por inúmeras, demasiadas vezes, pelo nome do anterior namorado. Também Winnie se contenta com pouco. As suas relações chegam sempre a um ponto em que os companheiros não se dão à tão árdua tarefa de lhe responder ou sequer reconhecer a presença dela, na sua própria casa. Mas a câmara de Oxide Pang parece querer contar uma estória distinta. Eles podem não estar ali, podem nunca ter estado ali. Se calhar é tudo uma grande partida da mente de uma Winnie que tem visões e por vezes apresenta dificuldade em discernir o que é real e o que é sonho. Charlene Choi, uma estrela da cena cantopop prova que não é apenas uma carinha laroca e mostra que possui capacidades para a representação mais do que suficientes para a interpretação de uma mulher que poderá ou não ser desequilibrada. A Shawn Yue pouco mais é dado que fazer do que se assemelhar a um vegetal, enquanto Isabella Leong, num papel fulcral para o desenlace da trama não surge em quantidade suficiente para não ser eclipsada por Choi. O enredo é um puzzle complexo cuja revelação poderá escapar a alguns ou ainda conduzir a interpretações dissemelhantes. Uma dica: a profusão de cor ou a aposta na simples cinza pode ajudar a despistar o sonho do quotidiano. Mas a despeito de uma execução técnica exemplar o fracasso reside num argumento pobre. Choi parece arrastar-se pelo ecrã a todo momento, levando com ela a pouca atenção que ainda lhe é concedida após a realização de que “Diary” não é tanto um filme de terror como um thriller dramático. Pang cai na armadilha habitual no seu currículo cinematográfico, das reviravoltas e desenlaces que… não eram necessários e mais, dão a sensação de que só existem para aumentar o tempo de duração de um filme que ainda assim só tem uns meros 85 minutos.

“Diary” é um excelente recordatório das capacidades de Oxide Pang em criar películas espantosas em termos visuais e igualmente fracas em termos narrativos. Esta constante, desde inícios do milénio até ao final da primeira década do século XXI, comprova a incapacidade de qualquer dos manos Pang e, em particular, do mais talentoso Oxide, em aprimorar a sua arte. Isto é capaz de ter algo a ver com a quantidade de filmes que já criaram até ao momento e, como é por demais sabido, a quantidade costuma ser inimiga da qualidade. Duas estrelas.

Realização: Oxide Pang Chun
Argumento: Oxide Pang Chun e Thomas Pang
Charlene Choi como Leung Wing-na (Winnie)
Isabella Leong como Yee
Shawn Yue como Seth/Ray
Hin-Wai Au como Detective

Próximo Filme: "The House at the End of Time" (La casa del fin de los tiempos, 2013)

domingo, 1 de novembro de 2015

"Crimson Peak" (2015)


Crimson Peak” abre as hostilidades com a lágrima solitária da personagem principal… gerada por um computador. Aos primeiros segundos lá estava ele, o primeiro indício do artificialismo que se faria sentir ao longo de toda a duração do filme. Para quê contratar uma Mia Wasikowska que até consegue verter todas as lágrimas desejadas, quando se pode recorrer aos efeitos digitais?

Mia é Edith Cushing, a única filha do magnata empreendedor Carter Cushing, um self-made man à boa maneira americana. Ela aspira tornar-se escritora numa época em que as mulheres ainda eram vistas como pouco mais que frágeis peças de porcelana. Apresenta-se como uma desafiadora de convenções, não quer ser uma Jane Austen mas a ideia de uma Mary Shelley não lhe desagrada. Crítica, talvez com demasiado arrojo, os seus pares, pois que não parece ter noção da sorte em ter um pai indulgente naquela época. As suas paixões sofrem um abanão sob a forma do hipnótico Thomas Sharpe (Tom Hiddleston) um baronete que veio com a irmã Lucille (Jessica Chastain) para a América para angariar fundos para a máquina de extracção de argila nas decrépitas paisagens da sua propriedade de família. Carter Cushing (Jim Beaver) é um homem vivido e com uma perspectiva muito pouco romântica da vida. Tudo quanto possui, foi obtido à custa de trabalho intenso e não vê como é que a “máquina mágica” de um baronete falido irá ajudá-lo a recuperar a glória perdida. Mais, ele sente um desconforto face aos dois irmãos, que uma Edith inexperiente não consegue detectar e que se acentua sobremaneira com as investidas amorosas de Thomas sobre a sua filha. Edith nunca chega a ter conhecimento desta suspeição pois que Carter sofre uma morte súbita, brutal. A despeito das objecções de todos quanto a rodeiam, incluindo o jovem médico Alan McMichael (Charlie Hunnam) que sempre a amou, Edith abandona a razão e a América pela paixão numa decrépita mansão inglesa. Porque ela é assim, prefere a excitação da incerteza a uma vida aborrecida. Para trás ficam também avisos além-mundo para ter cuidado com “Crimson Peak”.

A ideia de Guillermo del Toro, Tom Hiddelston, Jessica Chastain e Mia Wasikowska, unidos num mesmo drama de terror em tom romântico gótico é excelente na teoria. A qualquer deles não faltam credenciais para comprovar a existência de boas ideias e a abundância de talento e, no entanto, não se pode se não lamentar quão aquém destas capacidades “Crimson Peak” ficou. A expressão que melhor descreve “Crimson Peak” é déjà vu. Os cenários e o guarda-roupa emulam quase na perfeição o início do século XX e o ambiente sombrio (Gótico!) evocam obras de autores como Poe, as irmãs Bronte ou, mais tardiamente, um H.P. Lovecraft; e o argumento se não dista destas referências e das estórias de crimes chocantes à época ainda tem espaço para incluir referências desde então até ao novo milénio. “Crimson Peak” é uma amálgama de ideias, parentes pobres de obras primordiais de del Toro como um “Devil’s Backbone”, “Pan’s Labyrinth” ou “The Orphanage”. Não existe uma sensação de deslumbramento e curiosidade como nas obras anteriores. Onde se mantém coerência é nas magníficas criaturas que são horrendas e fascinantes em igual medida.
As personagens de del Toro têm em comum o facto de terem como ponto de partida situações de grande vulnerabilidade e é este sofrimento e conhecimento do mundo que as faz sobressair em tempos de desespero. Apresentando-se de início como uma representação feminista da mulher numa sociedade retrógrada, Edith redunda numa heroína frágil, que abandona a racionalidade por um amor perigoso. Del Toro atribui-lhe a característica que lhe é tão querida e tão premente nos seus filmes anteriores, que é a de contactar com criaturas que se encontram noutro plano da realidade. Mas se uma primeira interacção com o outro mundo, não surte efeito sobre as suas acções, o que pode ser atribuído à ingenuidade – e vá, também não custava nada às criaturas serem menos vagas e assustadoras –, nunca ela questiona o porquê de possuir esta capacidade nem o seu potencial. A completar o trio de actores principal, encontram-se um Tom Hiddelston que vai desaparecendo, em proporção aos ardores teatrais crescentes de uma Chastain demasiado imersa na personagem trágica que encarna. Ao fim de dez minutos (menos?), os papéis e a bagagem emocional das personagens é perceptível na totalidade. A pequena que se considera demasiado inteligente para seu próprio bem mas é afinal de uma ingenuidade perigosa, o homem experiente que topa a perfídia a quilómetros, o casal que advém um passado de desgraça e para lá arrasta todos quantos se cruzam no seu caminho... Enfim, personagens e estórias que a dada altura se cruzaram no caminho de cada um de nós, desde a telenovela mais carregada de melodrama às referências literárias já mencionadas… Dificilmente material original. Duas estrelas e meia.

Realização: Guillermo del Toro
Argumento: Guillermo del Toro e Matthew Robbins
Mia Wasikowska como Edith Cushing
Jessica Chastain como Lucille Sharpe
Tom Hiddleston como Thomas Sharpe
Charlie Hunnam como Dr. Alan McMichael
Jim Beaver como Carter Cushing

Próximo Filme: "Diary", (Mon Seung, 2006)

domingo, 18 de outubro de 2015

"Long Weekend" (Thongsook 13, 2013)


Um grupo de jovens estudantes decide passar um fim-de-semana prolongado numa ilha remota. Dele fazem parte Nam (Cheeranat Yusanon), Jack (Acharanat Ariyaritwikol), Boi (Sean Jindachot) e o casal de raparigas Beam (Busarin Yokpraipan) e Pui (Gitlapat Garasutraiwan). Eles decidem esconder os seus planos de Thongsook (Chinawut Indracusin), um colega com claros problemas de desenvolvimento que tem um fraco por Nam que tem o condão de aparecer sem ser convidado. Não é que o considerem uma má pessoa, a maioria tolera-o por amizade a Nam, mas ele não é como eles e a sua presença revela-se inconveniente. Assim, quando ele se junta ao grupo em viagem é natural que alguns fiquem exasperados. Entretanto, ele oferece o seu amuleto que lhe confere protecção contra forças maléficas sobrenaturais. Até parece que estava a adivinhar pois o grupo “escolheu” a noite de uma lua de sangue, em que os espíritos se encontram mais perto dos humanos e se estes não tiverem cuidado poderão ser alvo de possessão. Os locais advertem-nos para este facto mas são ignorados e ainda mais rapidamente esquecidos. Entretanto, alguns deles decidem que é uma boa ideia pregar uma partida a Thongsook e acabam por fechá-lo num antigo túmulo. O que poderia correr mal? Thongsook desaparece e um a um, começam a ser caçados por um mal invisível.

“Long Weekend” é mais do mesmo. Os arquétipos estão bem definidos, por entre machos alfa, a rapariga bondosa e o rapaz que é alvo das sevícias de rufias. A novidade encontra-se no refrescante casal lésbico mas até este tem pouco que fazer até aos acontecimentos se precipitarem furiosos. Também Thongsook surge como uma personagem afável e por quem torcer considerando, por um lado o infortúnio que se abateu sobre ele e por outro o amor platónico no qual nunca encontrará correspondência. Tudo se resume a um conjunto de amigos que lutam contra forças sobrenaturais e apenas dependem de si próprios para sobreviver pois não terão qualquer auxílio do mundo exterior. Este último ponto em particular puxa pelos meus nervos e olhem que eles não são de papel. Com as ideias idiotas que pululam por aí, com o imperativo de acreditar no inacreditável, acreditem que muitas vezes fecho os olhos às muitas inconsistências que daí advêm mas estamos no século XXI. A não ser que os personagens se encontram no país subdesenvolvido, não é aceitável a explicação de que “é impossível fazer chamadas” seja por um número fixo ou por telemóvel; que os locais não tenham, se não transportes públicos, pelo menos um transporte qualquer que lhes permita sair do local onde se encontram. Não. Uma tempestade não faz um corte de electricidade por artes mágicas. Sim, é possível mas nunca na quantidade de vezes que se vêem nos filmes. E, a despeito do que se possa pensar, aquelas pessoas têm famílias e outros amigos que se preocupam com eles que a dada altura se vão questionar por que estes não lhes disseram nada nas últimas horas. Ao pé disto, a utilização gratuita de efeitos gerados por computador de qualidade média constituem o menor dos males. Também Chinawut Indracusin no seu filme de estreia sobressai pela sua competência e demostra potencial para mais altos voos.
Com momentos de humor como os que são gerados pela troca de farpas entre os membros do grupo, a queixa de morte em excesso por um cadáver e dois ou três momentos inspirados por clássicos como “The Exorcist” (1973) “Long Weekend” nunca ascende a um patamar superior ao do habitual slasher de terror. Não é como se estivesse a tentar fazê-lo mas de um país que nos trouxe “Shutter” (2004), “Phobia” (2008) ou “Pee Mak” (2013) é muito pouco. Duas estrelas.

Realização: Taweewat Wantha
Argumento: Sommai Lertulan, Eakasit Thairaat, Taweewat Wantha, Adirek Wattaleela
Sheranut Yusananda como Nam
Acharanat Ariyaritwikol como Jack
Chinawut Indracusin como Thongsook
Sean Jindachot como Boi
Kitlapat Korasudraiwon como Pui
Butsarin Yokpraipan como Beam

Próximo Filme: "Diary" (Mon seung, 2006)

domingo, 4 de outubro de 2015

Colaborações #6

Uma rúbrica em colaboração com diversos cinéfilos da blogosfera nacional. 
Colaboração? Sim! Eles escrevem, eu ilustro!

A ideia é criar um novo vocabulário para os cinéfilos sedentos de palavreado brejeiro, ou apenas em modo pseudo-crítico. Querem escrever críticas cinéfilas à trolha? Então 'bora lá aprender.

Aqui fica o convite para mais uma colaboração deste blogue na tão divertida e educativa rúbrica "Vocábulo cinecalão #5" do Brain Mixer.

domingo, 27 de setembro de 2015

"The Shrew's Nest" (Musarañas, 2014)


Por entre os devaneios retro de um “Turbo Kid”, a loucura sem limites de “Yakuza Apocalipse” ou os nervos contidos de “The Invitation” seria fácil “The Shrew’s Nest” (que teve uma presença discreta no Cinefiesta de 2014), passar despercebido na 9.ª Edição do MOTELx. Seria… mas não foi.


“The Shrew’s Nest” foca a estória de Montse (Macarena Gómez) e a irmã acabada de completar 18 anos (Nadia de Santiago). Com a morte prematura da mãe e o abandono do pai (Luís Tosar), Montse chama a si o papel de progenitora que assume com todo o zelo e autoridade. Acossada pelo temor do desconhecido Montse é uma reclusa na sua própria casa, fazendo trabalhos de modista e tendo por ligação mais imediata ao exterior a irmã que trabalha na loja de ambas. Na casa que governa com mão de ferro, Montse recebe ainda a Dona Puri (Gracia Olayo) cliente e boa vizinha de confiança há muitos anos conquistada, pois que qualquer pessoa que introduza no seu lar é uma pessoa a mais. Viciada em morfina, nos seus receios e fervor religioso que constituem a maior fonte de emoções numa vida sem acontecimentos, Montse não tem qualquer desejo de alterar a sua situação. Enquanto o exterior não lhe entrar pela casa adentro e conseguir manter a irmã com rédea curta estará no pleno da sua existência limitada.

No entanto, a irmã que até ali manifestara meros laivos de rebeldia inicia a demonstrar um preocupante desejo de independência e a questionar a autoridade de Montse. Entretanto, o vizinho do andar de cima Carlos (Hugo Silva) cai das escadas do prédio quedando-se perto da sua porta. Pela primeira vez em muitos anos Montse é confrontada com uma situação em que se sente forçada a sair da sua zona de conforto e toma a decisão de esconder Carlos que partiu uma perna no acidente, qual Annie Wilkes (“Misery” 1990). Receber um estranho na sua casa, ademais o sedutor Carlos revela-se avassalador para Montse. Um mundo de oportunidades se abre para ela. De súbito, tentar sair de casa parece menos assustador e a ideia da irmã a trocar por outra realidade não se assume como o pior que poderia suceder. A destruição destas ilusões românticas prematuras irá lançar Montse numa espiral de insanidade com contornos trágicos. Montse é uma metáfora da sociedade do ditador Franco. Desde o temor profundo que lhe é incutido através da figura do pai déspota e da religião obsessiva como guia orientador e resposta para quaisquer eventos que fujam aos padrões do que se entende por uma boa conduta, até à “claridade” de que um homem constitui a solução para todos os problemas.
Macarena Gómez é uma estrela como Montse. É esta personagem que confere uma força vital ao argumento. Ela é a Espanha franquista dominada pelo medo. Ela tem medo, incute medo e sobrevive através do medo. Ela teme o desconhecido e exerce o temor no castigo da irmã, no fundo, a única pessoa na qual pode descarregar toda a sua frustração e, em simultâneo, aquela que lhe permite manter alguma sanidade na sua cela voluntária. Quando surge um desafio ao seu poder, ela faz o que qualquer animal perseguido faz: ela luta com todas as suas forças para sobreviver. Só que o que ela entende como provocação, não é mais do que as vivências que qualquer indivíduo tem de ultrapassar para se melhorar enquanto ser humano.
A acção de “The Shrew’s Nest” ocorre quase na íntegra no apartamento das irmãs mas não está confinado ao espaço. Antes ajuda a criar um sentimento de empatia para com Montse e a sua agorafobia e, por outro, criar uma afinidade com a irmã de Montse que anseia ir além das paredes que a sufocam. O argumento foi escrito com uma sensibilidade que permite observar as personagens nas suas áreas cinzentas. Ninguém é por completo um monstro ou uma vítima. O sentimento de desconforto, a loucura que grassa nas paredes aguardando por um rastilho para explodir é palpável. A escalada e a recompensa demoram mas são rápidas e furiosas. Não é mesmo este o tipo de emoções que se esperam de um festival de cinema de terror?

PS 1: Texto publicado originalmente aqui.

domingo, 20 de setembro de 2015

"The Swimmers" (Fak wai nai gai thoe, 2014)


De há uns anos a esta parte a recepção aos filmes de terror tailandeses tem esmorecido. Outrora criativo e arrojado, realizadores e argumentistas parecem agora contentar-se com estórias batidas até à exaustão. No entanto, ainda podem ser encontradas algumas excepções em Banjong Pisanthanakun (“Alone” 2007; “Pee Mak” 2013) e Sophon Sakdapisit que estreou o filme anterior “Laddaland” na Edição do MOTELx de 2012 e agora retorna com este “The Swimmers”.

Algures num liceu tailandês, Perth (Chutavuth Pattarakampol) e Tan (Thanapob Leeratanakajorn), melhores amigos e eternos rivais na equipa de natação enfrentam o maior desafio da sua amizade. Ambos nutrem sentimentos pela mesma rapariga. Habituado a ficar em segundo lugar para Tan, Perth parte em desvantagem pois Ice (Supassara Thanachart) começa por namorar o amigo. A oportunidade de a conquistar surge quando ela lhe pede para a ensinar a nadar. Perante o suicídio inesperado de Ice na piscina onde praticavam Tan afunda-se numa depressão e Perth aproveita a oportunidade para tentar captar a última vaga para a universidade destinada ao vencedor da próxima prova de natação, ainda que isso signifique treinar no local onde a rapariga morreu. Mas os eventos não correm como planeado. Tan diz-lhe que o suicídio de Ice se deveu a encontrar-se grávida e que não vai desistir enquanto não encontrar o desgraçado que quis fugir à responsabilidade. Perth sente-se agora pressionado em todas as frentes e tem a desconfortável sensação de que algo ou alguém o estão a assombrar…

“The Swimmers” é um pouco mais que o arquétipo do filme sobrenatural made in Tailândia. Focado num público mais jovem é um filme sobre escolhas. Quando elas são tomadas com a leveza de espírito da juventude e persiste a ideia fixa tão própria da idade de que há tempo para voltar atrás e se tem a ilusão de que tudo pode ser desfeito. Até que não se pode mais fazê-lo… Ice morreu, Tan está cego pela ira e até o futuro de Perth na universidade se encontra em perigo.
O elenco é decente o suficiente para um projecto de terror protagonizado e dirigido a jovens adultos que constituem o target em voga nestes tempos dominados por filmes como “The Hunger Games” (2012), “Maze Runner” (2014) e sucedâneos. O facto de os actores masculinos passarem bastante tempo na piscina fornece amplas oportunidades para se ver abdominais bem definidos sem que paire a acusação de nudez gratuita. Os diálogos são tão infantis quanto o elenco é novo o que confere alguma plausibilidade à estória (a que não inclui a sugestão de espíritos inquietos) e a cinematografia encontra-se ao melhor nível. A estória mergulha por momentos no absurdo mas é resgatada a tempo de um final que poderá saber a insatisfatório. A ideia de assombração é passa a mera sugestão deixando antever a possibilidade de esta não ir além da insinuação de sentimentos de culpa (mal explorados). Em última análise, se temas como o sexo desprotegido ou o aborto poderão ser controversos, não existe ambiguidade alguma na capacidade de “The Swimmers” atemorizar nos momentos certos.

PS 1: A FilmPuff Maria não desapareceu mas andou pelo Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa - MOTELx, pelo que a programação normal seguirá dentro de momentos.

PS 2: Crítica publicada originalmente aqui.

domingo, 30 de agosto de 2015

"Cult" (Karuto, 2013)


Kôji Shiraishi, um dos melhores realizadores japoneses a impulsionar o género “Found Footage”, continua no estilo onde foi mais feliz. Shiraishi é apenas o realizador de obras como “The Curse” (Noroi, 2005), “Occult”(Okaruto, 2009) ou “White Eyes” (Shirome, 2010). Se os filmes mais recentes não possuem o brilhantismo de “The Curse”, não podemos censurá-lo por insistir num género de onde tem extraído os maiores êxitos.

Em "Cult" um programa de televisão sobre eventos paranormais contrata três actrizes para acompanhar um mestre no oculto para acompanhar a família Kaneda cuja casa se suspeita estar sob o efeito de influências malignas sobrenaturais.

“Cult” inicia-se de modo convencional, o que ajuda a vender este falso documentário como se de um documentário real se tratasse. As primeiras cenas seguem as três actrizes e as conversas banais de quem ainda está a criar uma primeira impressão das colegas e as expectativas partilhadas, do mais recente trabalho em televisão. Como seria natural, elas têm diferentes sensibilidades, sendo que algumas temem mais o oculto do que outras mas este é apenas mais um trabalho. O salário e o profissionalismo sobrepõem-se a uma emoção tão “superficial” quanto o medo. As apresentações iniciais, a suas reacções a um vídeo realizado na casa Kaneda que põe a descoberto fenómenos sobrenaturais e a visita à família que demonstra necessitar de auxílio urgente conferem o toque de realismo que resulta tão bem em “The Curse”. A existência de câmaras em quase todos os cantos da casa e no exterior contribuem para um sentido de voyeurismo típico do género mas que só funciona numa percentagem ínfima de casos. É suposto a câmara direccionar a atenção para os eventos e não ser ela própria o foco de interesse. Este não é um dos problemas de "Cult" e sim, "Paranormal Activity" é um dos que falham nesse aspecto. Processem-me. Em última análise, será o início tão forte que salva “Cult” do desastre total. Também esta característica faz suspeitar, tendo por base a remanescente carreira do realizador, que ele é um excelente introdutor de estórias mas um mau finalizador.

A primeira tentativa de exorcismo corre mal, à semelhança de qualquer outro filme do género (e desafio alguém a provar-me o contrário), pelo que Unsui, o mestre-de-cerimónias é forçado a procurar alguém ainda mais especializado que ele para salvar a filha da família Kaneda de um destino terrível. Daí em diante a estória dá algumas piruetas, incluindo a introdução de um exorcista excêntrico (onde é que já se viu isto antes?), possessões e a suspeição de que uma seita se encontra no centro do mistério. Esta revelação até podia ser considerada um spoiler, não fosse o simples facto de a película ter sido intitulada de “Cult” (Culto). É nesta altura que a premissa resvala do improvável para o absurdo e ridículo. Na cultura popular sobressaem a Sra. Barrons (Zelda Rubinston) de “Poltergeist”(1982) e mais recentemente, a Elise (Lin Shaye) de “Insidious” (2010) como o modelo de espírita a seguir. Elas que resultam tão bem que quase não ver uma mulher de meia-idade ou superior tomar conta da situação toda ela maternal e inteligente é uma desilusão. O Neo (Ryosuke Miura) de “Cult” encontra-se no espectro oposto. Ele próprio quer ser chamado pelo nome da personagem de “Matrix” (1999), o que logo aí faz suspeitar de ilusões de grandeza e uma desconexão com a realidade até ali fomentada. A sua entrada em cena representa uma viragem de 180º na direcção semi-séria mantida até ao momento para um registo cartoonesco. Os efeitos digitais são tão fracos quanto seria de esperar para uma produção com um óbvio problema de orçamento. Se por vezes é possível disfarçar a ausência de qualidade dos mesmos com a desculpa da visão nocturna ou problemas na captação de imagem, outras é mesmo impossível não esboçar uma expressão de desapontamento. Ainda assim, a parte mais ofensiva de “Cult” é pretender terminar com a sugestão de uma sequela (não merecida). Adivinhem? Não existe. Duas estrelas e meia.

O melhor:
- O estilo documental

O pior:
- Estória torna-se crescente e desnecessariamente complicada
- Efeitos digitais
- Personagem Neo

Realização: Kôji Shiraishi
Argumento: Kôji Shiraishi
Yû Abiru como Yû Abiru
Mari Iriki como Mari Iriki
Mayuko Iwasa como Mayuko Iwasa
Ryosuke Miura como Neo
Natsuki Okamoto
Sayuri Oyamada

Próximo Filme: "Long Weekend" (Thongsook 13, 2013)

domingo, 23 de agosto de 2015

Colaborações #5


Férias pá! Distraem qualquer um. Por isso desculpem lá o esquecimento em avisar que participei no 1.º episódio do podcast do Manuel Reis “O que quer que isto seja” sobre o filme de tubarões e tornados mais fixe de sempre: o “Sharknado” pois claro. Já agora, visitem e vão ficando porque se prevê muita coisa gira para aqueles lados.

domingo, 2 de agosto de 2015

“Sharknado 3: Oh Hell No!”


O canal SyFy fez dos filmes maus uma forma de arte. Onde outros com parcos recursos tentam fazer o melhor possível, o SyFy contínua convicto e orgulhoso na senda do pior possível para o maior número de gargalhadas. Algures ao longo do ainda curto percurso do canal, alguém decidiu apostar na fórmula fascinante dos “filmes tão maus que se tornam bons”. Por mais películas e séries, live-action ou animadas, que veja, recuso-me a acreditar que apenas com uma conta bancária recheada se conseguem concretizar bons projetos. Se existir uma boa estória, o céu é o limite. Mas também não posso afirmar que o inverso não seja verdade. Com uma narrativa ridícula talvez não se realize o filme do ano, se calhar nem no top 100 dos melhores filmes, mas uma experiência cinematográfica agradável está ao alcance de todos.

Adorava ser mosquinha na sala onde os criadores do primeiro “Sharknado” começaram a dar corpo à ideia. O que é que aterroriza mais as pessoas quando se encontram dentro do grande azul? Tubarões. Que fenómenos meteorológicos mais assustam os americanos? Tornados. Que actores reconhecíveis mas desesperados o suficiente para aceitar qualquer papel é que estão disponíveis? Um tipo do “Beverly Hills: 90210”, a loira gira do “American Pie” que destruiu a carreira à conta do álcool e actores de série C ou icónicos que já ninguém contrata.
Um incidente meteorológico que desafia a lógica da ciência gera um tornado com tubarões de diversas espécies no meio de centros populacionais. Encurralados pela intempérie, Fin (Ian Ziering) e amigos tentam salvar a família deste, incluindo a ex-mulher April (Tara Reid). Todos, incluindo aqueles actores por quem tiveram em algum momento uma certa estima, podem ser atacados e mortos do modo mais inventivo e idiota que possam imaginar: cortados ao meio por um tubarão, engolidos por inteiro ou até esmagados por um tubarão baleia. Melhor só mesmo as armas que os actores encontram para derrotar o peixe, como serras eléctricos, machados, bombas… Tudo é possível. A miscelânea de maus efeitos especiais, com uma estória em que nem uma criança de cinco anos acreditaria e actores que representam como se estivessem a ler um teleponto deviam ser ingredientes para o fracasso. Mas o resultado, absurdo e incrível em partes iguais é um sucesso tão estrondoso que hoje em dia, estrelas de cinema e televisão imploram para fazer um cameo na série. O ridículo vende e “Sharknado” nunca se assumiu como nada mais do que isso. Parte da piada advém do facto de todos os envolvidos no projecto saberem que a acção é absurda. Os actores disparam one-liners como quem respira e as referências à cultura popular são quase inquantificáveis. No universo de “Sharknado 3: Oh Hell No!” os tornados com tubarões surgem a qualquer momento para assassinar a vossa personalidade favorita ou mais detestada (Chris Jericho, Matt Lauer, David Hasselhoff, Kendra Wilkinson…) A trequela não é mais do que a repetição dos gags que funcionaram nos filmes que o antecederam, o primeiro focado nas “origens” do fenómeno e estabelecimento da dinâmica familiar, o segundo a aproveitar tudo o que resultou no anterior, em doses ainda mais elevadas. O terceiro amplifica as situações. Num momento temos Fin em Washington D.C. a ser condecorado pelos serviços prestados ao Estado (assassino de tubarões), no outro está, mais uma vez, a caminho da Flórida, onde está a criar mais um “sharknado” para salvar a família. Os filmes com tubarões do SyFy ficam tão bem numa sala de estar com a família, como as pipocas para as salas de cinema. Por isso para quê mexer no que funciona? Duas estrelas.

O melhor:
- O Ridículo

O pior:
- O Ridículo

Realização: Anthony C. Ferrante
Argumento: Thunder Levin
Ian Ziering como Fin Shepard
Tara Reid como April Shepard
Cassie Scerbo como Nova Clarke
Frankie Muniz como Lucas Stevens
Ryan Newman como Claudia Shepard
David Hasselhoff como Gilbert Grayson Shepard
Mark Cuban como President Marcus Robbins
Bo Derek como May Wexler
Blair Fowler como Jess
Michael Winslow como Brian 'Jonesy' Jones
Jack Griffo como Billy
Michelle Beadle como Agent Argyle
Ne-Yo como Agent Devoreaux
Chris Jericho como Bruce the Ride Attendant
Mark McGrath como Martin Brody
Ann Coulter como Vice President Sonia Buck
Melvin Gregg como Chad
Christopher Judge como Lead Agent Vodel

Próximo Filme: "Cult" (Karuto, 2013)

domingo, 19 de julho de 2015

"The Girl who leapt trough time" (Toki o kakeru shôjo, 2006)



"O tempo não espera por ninguém".

O Verão de uma vida. Amigos que ficam para sempre guardados nas mais doces memórias. Aqueles momentos que são mais vezes resgatados ao baú das recordações na mente, quando se refere a palavra “felicidade”. Ser jovem e despreocupado… pela última vez.

Makoto Konno (Riisa Naka) vive o sonho de qualquer adolescente. Passou um Verão fantástico a jogar baseball com os melhores amigos: o sempre bem-disposto Kosuke Tsuda (Mitsutaka Itakura) e o misterioso Chiaki Mamiya (Takuya Ishida). Por ela duraria para sempre mas o que é bom tem curta duração. A maria-rapaz descobre ao recomeçar as aulas que continua tão desatenta e tão desastrada como sempre. Por algum motivo as pessoas se referem aos anos da adolescência como embaraçosos. Ela não consegue corresponder à pressão de um teste surpresa e comete a proeza de provocar um incêndio durante uma aula de cozinha. Depois, já na descontracção misturada com a irritação daquele dia para esquecer, perde os travões da bicicleta durante uma descida ingreme e atravessa-se na frente de um comboio que a mata. Bem, mais ou menos. Nesse mesmo dia, Makoto entrou numa sala e, para não variar, a moça desastrada cai em cima de qualquer coisa que despoleta um processo insólito. Qual “Groundhog Day” (1993), ela vê-se a repetir aquele mesmo dia e a verificar que pode alterar os acontecimentos de modo a lhe serem benéficos. A única pessoa em quem confidencia esta descoberta é Kazuko (Sachie Hara) a tia que trabalha num museu como restauradora de quadros reservando ainda alguma juventude sonhadora e com certeza não a julgará pelas inúmeras indiscrições resultantes da sua imaturidade. Com o advento e percepção de tão grande poder seria expectável que Makoto o utilizasse para o bem comum, certo? Nada podia estar mais longe do pensamento da adolescente. A cultura popular e, em particular o cinema, desde heróis da banda-desenhada às forças policiais, não consegue exaltar com mais convicção do que aquela que já transmite que, quem se encontra numa posição de poder o deve utilizar de forma ponderada, comedida e até com alguma humildade para o bem de todos. O problema nesta linha de raciocínio é que pressupõe que qualquer herói, participante e relutante em igual medida, possui uma visão do todo, integrada. A realidade dita o oposto. Muitas vezes, mais do que seria desejável, o poder cai em mãos indesejadas que não vêem além dos seus próprios desejos fúteis e também destruidores. Makoto adquire um poder que nunca desejou e dedica-se com um toque de ingenuidade, sem egoísmo e com alguma ausência de experiências transformadoras, a melhorar aos poucos a sua própria vida. Melhores notas nos testes? Um pouco mais de tempo de diversão? Evitamento de tarefas aborrecidas? Ela satisfaz todos os caprichos. Quando descobre que uma colega nutre sentimentos por Kosuke, o que poderá ditar o afastamento do amigo do grupo, tudo o que ela terá de fazer é evitar o acontecimento. Se lhe é sugerido que Chiaki poderá estar apaixonado por ela própria, consegue adiar o confronto. Antecipar e prolongar o prazer e adiar o sofrimento é possível. Eis que a realidade a atinge dura como a reprimenda de um pai zangado. As suas acções têm consequências. E a despeito de conseguir melhorar a experiência dela enquanto amiga, filha ou estudante, qual efeito borboleta, os outros à sua volta sofrem pelas falhas que ela não cometeu. Ela tem de tomar a decisão de arcar com as consequências e sofrer ou, acolher a ideia de que terá de crescer e aprender a enfrentar as situações complicadas que daí advirão. “The Girl Who Leapt Trough Time” é sobre a jornada de uma rapariga banal e de um momento extraordinário na sua existência e que ressoa com pessoas de qualquer idade: uma criança porque gosta do cinema de animação, um adolescente porque se revê nas dores de crescimento ou até um adulto pela doce melancolia.

A animação não é a mais luxuriante que já se viu no cinema do género japonês ainda que a estória, brilhante, seja baseada na obra de Yasukata Tsutsui que escreveu o fenómeno “Paprika” (2006). Tanto a animação como o piano que pautua a banda-sonora, servem de complemento à estória, não se pretendendo substituir a ela como tantas vezes acaba por suceder. No entanto, existem alguns momentos fantásticos, seja nos momentos de quietude como o enfoque num “simples” crepúsculo ou uma Makoto numa corrida alucinada a não conseguir chegar a tempo – imagem forte de um ecrã a avançar cidade adentro, com a rapariga a ficar para trás. Escapa-se-lhe o tempo. Essa frase, descartada no início e inúmeras vezes repetida, ganha maior projecção até ao total (re)conhecimento por altura dos créditos. Vejam o quanto antes, afinal, “o tempo não espera por ninguém”. Quatro estrelas e meia.

O melhor:
- A animação, a narrativa, composição musical.
- Cinematografia
- A voz de Riisa Naka assenta na perfeição na extrovertida Makoto
- Mensagem transgeracional

Realização: Mamoru Hosoda
Argumento: Satoko Okudera e Yasukata Tsutsui (obra)
Riisa Naka como Makoto Konno
Takuya Ishida como Chiaki Mamiya
Mitsutaka Itakura como Kosuke Tsuda
Ayami Kakiuchi como Yuri Hayakawa
Sachie Hara como Kazuko Yoshiyama
Mitsuki Tanimura como Kaho Fujitani
Yuki Sekido como Miyuki Konno (irmã de Makoto)
Utawaka Katsura como pai de Makoto
Midori Ando como mãe de Makoto
Fumihiko Tachiki como Fukushima-sensei
Keiko Yamamoto como Obasan
Shiori Yokohari como Noriko Uesugi
Sonoka Matsuoka como Sekimi Nowake
Takayuki Handa como Kato

Próximo Filme: ?

domingo, 5 de julho de 2015

"Cold Prey" (Fritt Vilt, 2006)


Por mais anos que passem e, por mais dessensibilizados que fiquem, ainda existem slashers que conseguem, se não surpreender, pelo menos não insultar a nossa inteligência.

Um grupo de amantes de desportos radicais decide praticar snowboard nas remotas montanhas norueguesas, onde poderão divertir-se sem ser incomodados. O que poderia correr mal? A lei de Murphy entra em efeito. Morten Tobias (Rolf Larsen) tem um acidente aparatoso e parte a perna como se um galho se tratasse. Nesse momento que daria jeito que a civilização os acudisse, dão por eles a demasiadas horas de uma localidade e sem sinal de rede no telemóvel. Jannicke (Ingrid Berdal), Eirik (Tomas Larsen), Mikal (Endre Midstigen) e Ingunn (Viktoria Winge) vêem-se obrigados a arrastar o amigo até um velho hotel abandonado ali próximo antes que escureça para poderem tentar pedir auxílio pela manhã. Mal sabem eles que estão acompanhados e que o seu anfitrião mal pode esperar por lhes apresentar a sua picareta.

Até aqui nada de novo e… Daí em diante também não. O assassino de serviço é tão parco nas palavras como os que lhe antecederam mas não é adepto de disfarces. Não deve ter visto o “Halloween” (1978) ou qualquer coisa que o valha. A explicação mais simples é, tão-somente, que é indiferente usar um disfarce. A identidade dele não é importante e as suas vítimas ficam aterrorizadas com alguma rapidez. Com temperaturas negativas e sem populações num raio de vários quilómetros não é como se tivessem para onde fugir. De resto, o psicopata faz uso das convenientes ferramentas para a prática de desportos na neve. A necessidade de “fogo-de-artifício” é nula. A maior “novidade” de “Cold Prey” é que, pela primeira vez em muito, muito tempo, os personagens são simpáticos. Não escapam na totalidade aos estereótipos, (achavam que não ia haver pelo menos uma boazona seminua?), mas desta feita não é como instilassem instintos assassinos por parte do público. Podiam ser o vosso grupo de amigos. Outro toque de frescura, a que não é alheia a cultura nórdica é o facto de o líder natural do grupo ser Jannicke. Ao invés da mulher vulnerável que se revela numa altura de grande pressão ela demonstra ser forte e determinada a todo o momento. Não chega aos calcanhares da esquiva e calculista Erin de “You’re Next” (2011) mas faz tudo o que está ao seu alcance para levar a melhor sobre o seu caçador. A seu lado tem Eirik, um namorado que acha que está na altura de tomar o passo seguinte: viver juntos. Na congénere americana o passo seguinte seria evidentemente dormir juntos (revirar de olhos). Os restantes amigos variam entre o comediante e o melhor amigo, mas sem se excederem nos retratos.

“Cold Prey” não é um blockbuster mas é tão eficaz como qualquer produto massificado. Não abusando, porque não pode, nas cenas que evocam a emoção de repugnância, a construção de um ambiente atemorizante é a sua maior força. Sem se aperceberem passará a marca da meia hora com o grupo ainda intacto. “Cold Prey” toma o seu tempo a apresentar as personagens e a situação desconfortável em que se encontram. Isto, acompanhado pelas paisagens ofegantes das montanhas silenciosas da Noruega revisitadas inúmeras vezes para não nos esquecermos que ninguém os pode ajudar. O perigo, real encontra-se dentro das paredes de um hotel isolado e lá fora, no exterior gélido. Onde iam tentar a vossa sorte? Três estrelas.

O melhor:
- Um grupo de personagens com o qual nos conseguimos identificar
- Cinematografia
- Elenco sólido

O pior:
- A identidade do assassino. Anti-climático!
- Não tenta ser original

Realização: Roar Uthaug
Argumento: Thomas Moldestad, Martin Sundland e Roar Uthaug
Ingrid Bolsø Berdal como Jannicke
Rolf Kristian Larsen como Morten Tobias
Tomas Alf Larsen como Eirik
Endre Martin Midtstigen como Mikal
Viktoria Winge como Ingunn
Rune Melby como Fjellmannen
Erik Skjeggedal como Gutten
Tonie Lunde como Mor
Hallvard Holmen como Far

Próximo Filme: "The Girl who Leapt Through Time" (Toki o kakeru shôjo, 2006)

domingo, 21 de junho de 2015

"13: Game of Death" (13 Game Sayong, 2006)


Bem-vindos ao século XXI, era em que a dignidade humana passou em definitivo para segundo plano e a religião mais importante é a do dinheiro. O Homem não pode viver sem dinheiro e aquele que não lhe aceder contenta-se em observar o outro humilhar-se para o conseguir, porque nada é grátis.

Phuchit Puengnathong (Krissada Sukosol) é a mais recente vítima da conspiração universal para ver mais um Homem cair em desgraça. Enganado num esquema de um colega sem escrúpulos e sem alcançar os duros objectivos que lhe são impostos pela empresa é despedido. A somar à sua infelicidade, a mãe continua a gastar o dinheiro que ele acumulou com dificuldade e a namorada troca-o pela ambição de se tornar uma estrela pop. Desesperado e a acumular dívidas, Puchit alinha de imediato quando recebe uma proposta para ganhar 100 milhões de baht. Mas há um senão. Há sempre um senão. Ele terá de cumprir 13 missões. A primeira é simples: matar uma mosca. A segunda é comê-la e já deixa antever o que estará por vir. A escalada é brutal e a cada passo Puchit fica cada vez mais longe do que é bom e puro e mais perto do monstruoso. Não sendo desinteressado, Puchit também se apercebe que, tomando determinadas decisões não poderá voltar atrás. A ex-colega e amiga Tong (Achita Sikamana) é a única que tenta lutar por Puchit mas conseguirá ela salvá-lo?
A noção de transformar a vida dos personagens num jogo mortal não é propriamente nova: “Cube” (1997), “Saw” (2004), “Incite Mill” (2010), etc. Apenas varia o grau de conhecimento dos seus participantes e da audiência, que alterna entre a inexistência de informação e a exposição total. Puchit é um participante activo e tem perfeita consciência dos efeitos das suas acções sendo que apenas ignora a sua proeminência no grande esquema das coisas. A psicologia desta personagem é o que de melhor e mais intrigante “13: Game of Death” tem para nos apresentar. As armadilhas que lhe são apresentadas são brutais, repugnantes e assustadoras e constituem uma delícia para os fãs deste subgénero. É um parente interessante dos filmes anteriormente mencionados pelas sequências impressionantes, ainda que com efeitos digitais duvidosos. Apresenta também uma das reviravoltas mais espantosas dos seus congéneres que dita a convicção entre o ódio e o amor pela estória. Mas nunca foi tão interessante explorar o paradoxo de uma personagem que está disposta tudo para salvar a vida em ruínas, a mesma que destrói enquanto joga! Onde muitos hesitariam, Puchit não hesita em seguir em frente até à destruição total. O personagem não só não tem nada a perder como não se considera especial o suficiente para despoletar mecanismos de auto-defesa. “13: Game of Death” é inteligente em explorar a herança étnica de Puchit, filho de uma tailandesa e um cidadão americano, que nunca sentiu que pertencia a um local, já que os outros fizeram questão de o relembrar disso. Desde o pai, considerado o intruso que é capaz de pouco mais que violência e crueldade, passando pela mãe fraca que faz questão de o recordar da sua inferioridade, através das exigências pouco razoáveis e a criançada que ataca Puchit apenas por ele ser diferente.
Persistente, ele aguentou e aguardou sempre à sempre do pote de ouro no fim do arco-íris. Pelo que quando ele surge, Puchit não quer deixá-lo escapar, ainda que seja um presente envenenado. Três estrelas.

O melhor:
- O conceito
- A falência moral em que o personagem principal incorre
- Sequências muito impressionantes em termos visuais

O pior:
- Chega a um momento em que se torna impossível continuar a apoiar o personagem principal
- O desenlace

Realização: Chookiat Sakveerakul
Argumento: Eakasit Thairatana (estória) e Chookiat Sakveerakul
Krissada Sukosol como Phuchit Puengnathong
Achita Sikamana como Tong
Sarunyu Wongkrachang como Surachai
Nattapong Arunnate como Mik
Namfon Pakdee como Maew
Piyapan Choopech como Chalerm
Philip Wilson como pai de Phuchit
Sukanya Kongkawong como Mãe de Phuchit

O Próximo Filme: "Cold Prey" (Fritt Vilt, 2006)

domingo, 7 de junho de 2015

"Sweet Rain" (Suwîto rein: Shinigami no seido, 2008)


A morte é gira, anda de fato, faz incursões pela Terra para ir buscar as suas vítimas e não, não se chama “Joe Black”. Esse é o filme de 1998. No caso presente, a personagem da Morte (e ele encarna-a tão bem), pertence a Takeshi Kaneshiro numa versão ingénua e doce.
Ele é conhecido por Chiba e é um dos enviados especiais para os assuntos da Terra relacionados com vida e morte. O procedimento é tão eficiente quanto simples. Abre-se um portal para o deixar transitar para o mundo dos vivos, introduz-se na vida da pessoa que lhe foi indicada e, em pouco tempo, terá de tomar uma decisão sobre a sua existência. O seu único companheiro, nesta tarefa solitária a maior parte do tempo é um cão negro que comunica com ele através da telepatia e sabe, e viu, muito mais do que ele. Ele faz de juiz e carrasco das pessoas que lhe são indicadas até que conhece Kazue Fujiki (Manami Konishi), uma jovem mulher triste que abraçaria com prazer uma morte precoce. Passam alguns anos Chiba é inserido numa estória sórdida que envolve um órfão que perdeu o norte e a máfia japonesa (yakuza). A sua terceira missão, mais calma, revolve uma cabeleireira que pretende cumprir um último desejo antes de transitar para o outro lado.

O questionamento sobre o sentido da vida não é a ideia mais brilhante ou mais original que já perpassou pelo cinema. A abordagem à temática já batida é o mais interessante. Doce como indica o título. Ao contrário de “Meet Joe Black”, “Sweet Rain” não se detém numa estória e tenta espremer todo o melodrama patente na realização de um romance impossível. “Sweet Rain” foca-se nas nuances, na sugestão ténue de um amor e apontamentos cómicos que não destoam com a seriedade da morte. Conhecido pela sua eficácia, Chiba questiona pela primeira vez a facilidade com que aceita o destino tal qual este lhe é apresentado. Perante uma situação de desespero, ao invés de aceitar com facilidade a morte como a única opção possível, sente um pesar pela incapacidade de realização do potencial da vítima. Sentimento que lhe era até então estranho. Caracterizado como convém a cada missão (atente-se ao vestuário questionável e penteando chunga na segunda missão ou a aparência de membro de uma boyband na última), ajudado pela sua boa parecença (pois que as pessoas estão mais predispostas a confiar em quem consideram bonito) e uma inocência que é mal julgada como humor, os personagens acabam por confiar com facilidade no estranho.

Chiba é intemporal mas é uma criança. Como se a existência como mensageiro da morte, fosse ela própria uma aprendizagem. Chiba atravessa três épocas diferentes e, a cada uma delas, as suas decisões vão se tornando menos extemporâneas, à medida que a sua compreensão das suas acções se aproxima de algo cada vez mais parecido com clareza. Também é comum o sentimento de melancolia a que não é alheia a selecção musical e que impacta ela própria as personagens. Para Chiba é uma das maiores criações da humanidade, para outras personagens significa dor, nostalgia ou catarse. Em simultâneo, Chiba lamenta o facto de as suas missões serem sempre acompanhadas de chuva. Irá ele ver um dia de sol?
“Sweet Rain” é bem carregado pelos ombros experientes de Takeshi Kaneshiro. À semelhança de outras grandes estrelas de Hollywood ele foi abençoado e amaldiçoado por uma aparência que faria pensar que é pouco mais uma face gira que será ultrapassada em breve pelas gerações mais novas e, tão parcas em talento quanto ele. Nada podia encontrar-se mais longe da verdade. “Sweet Rain” é como um calmo dia de chuva. Possui vários acontecimentos de elevada gravidade, no entanto, estes nunca são capazes de provocar reacções de choque. No final, permanece a sensação de que ar ficou mais leve, acompanhado de um aroma doce. Tal doçura pode ser atribuída ao desempenho sólido, mas subtil de Kaneshiro e de Manami Konishi e Sumiko Fuji em curtas aparições, que parecem querer dizer para a audiência olhar ao todo e não a cada uma das partes. Três estrelas e meia.

O melhor:
- O desempenho do elenco
- Uma nova abordagem a um tema muito explorado

O pior:
- Inexistência do factor uau que pode provocar algum aborrecimento
- Sentimento de que “Sweet Rain” nunca pretende ser pouco mais do que bom

Takeshi Kaneshiro como Chiba
Manami Konishi como Kazue Fujiki
Sumiko Fuji como Junko Fuji
Mitsuru Fukikoshi como Kentaro Oomachi
Takuya Ishida como Shinji Akutsu
Ken Mitsuishi como Toshiyuki Fujita
Jun Murakami como Aoyama
Erika Okuda como Takeko

Próximo filme: "13 Beloved" (13 game sayawng, 2006)

domingo, 24 de maio de 2015

"Ex Machina" (2015)

A célebre frase de Einstein sobre o Homem e o Universo: “Apenas duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana, e eu não tenho a certeza acerca do primeiro”, podia ser proferida acerca do pecado da vaidade. Quão vaidoso pode o Homem ser para pensar que a materialização da ideia de inteligência artificial é controlável? O Homem nunca foi ser para se deixar confinar à biologia e ao espaço em que se encontra. Porquê esperar que as regras não se apliquem a todos os outros?

Ex machina é sobre a concretização do sonho e os seus efeitos sobre os primeiros a lidar com esta realidade. A premissa é simples, o significado, esse, ultrapassa a mera aparência. Caleb (Domhnall Gleeson) foi escolhido de entre sabe-se lá quantos milhões, para passar uma semana com Nathan (Oscar Isaac), o esquivo criador do motor de busca mais utilizado no mundo, o Blue Book. Nathan apresenta a Caleb a oportunidade única de conhecer Ava (Alicia Vikander) um robot humanoide e a concretização do conceito de inteligência artificial, isto é, se ela passar numa prova. Escondido num paraíso natural, o centro de pesquisa de Nathan é idílico e misterioso em doses iguais. Sem hipótese de contacto com o mundo exterior (uma das regras do jogo) Caleb, apenas tem a companhia de Nathan, que quando não desaparece para trabalhar ou exercitar o corpo está a beber até cair e da bela Kyoko (Sonoya Mizuno) que não fala inglês. Paredes nuas e quartos sem janelas encontram-se longe da noção de conforto e ele acaba pois por dedicar a maior parte do seu tempo em sessões com Ava ou a observá-la através das câmaras que se encontram em todas as divisões. Os dias passam e as máscaras começam a cair, a decepção instala-se e a fronteira entre o real e o imaginário começa a esbater-se. Cabin Fever?

Diz que não se conhecem bem as pessoas até se viver com elas. No caso de Caleb, os seus comportamentos podem ser estudados mas há um limite para aquilo que os algoritmos nos conseguem contar. Quanto a Nathan o caso será mais clínico. Vaidoso, narcísico e egocêntrico, ele apresenta-se como um daqueles génios que têm a certeza absoluta que são melhores que os outros. Anti-social, por ser incapaz de aceitar opiniões contrárias utiliza o elogio como arma que apenas lhe serve até descobrirem que ele não é tão escrupuloso como se poderia julgar. Entrega-se ao trabalho e aos vícios com a mesma intensidade sendo incapaz de considerar sequer o fracasso. Este não existe, porque falhar não é uma hipótese. E na sua mente, Caleb é o homem ideal para testar a existência de humanidade na sua criação e provar a sua genialidade. Em última análise, é a sua vaidade que dita o desfecho, que é previsível, admitamos. Caleb é o ratinho de laboratório sobre o qual são testadas hipóteses só que ainda não sabe disso. Ele é susceptível a quaisquer estímulos e não consegue encontrar mecanismos, à semelhança de Nathan, para sobreviver a um ambiente adverso. Inteligente e crédulo, deixa-se manipular por quem souber esgrimir melhores argumentos e envolve-se a nível pessoal com o sujeito. Ava torna-se interessante para Caleb, num misto de fascínio científico com empatia pessoal, por oposição a Nathan que é do género de se cansar rapidamente. Para o seu criador, existirá sempre um projecto “depois de Ava”, mas será que ela tem noção disto?

Para os fãs de espectáculo, deste há muito pouco, até ao último terço deste filme de ficção de científica. O argumento de Alex Garland foca-se mais nas implicações morais da existência de seres como Ava no ambiente que os rodeia, do que quaisquer gadgets divertidos que possam surgir no ecrã. Porque o que está na base do seu desenvolvimento é o modo como o exterior irá reagir a esta. Teria de se ser surdo, mudo ou seriamente incapacitado em termos emocionais como Nathan, para ignorar esta questão. Faz recordar estórias como a dos “X-Men” que demonstra a humanidade no seu pior mas ao mesmo tempo tão ela própria, temendo e odiando aquilo que não consegue compreender. Será isto que espera Ava?
É natural a comparação com filmes anteriores como “Artificial Inteligence: AI” (2001) ou “I, Robot” (2004) pela temática e estética e, de onde decerto, Vikander terá ido buscar apontamentos para a sua Ava. No entanto, estes filmes são mais primos afastados de "Ex Machina" do que qualquer jogo de manipulação Hitchcokiano. Do cenário, à cor, ao som, tudo é cuidadosamente ordenado para provocar a mescla de sentimentos confusos que atravessam Caleb: surpresa, fascínio, confusão, piedade, temor… E depois existe uma “simples” máquina que surge sob a aparência de vulnerabilidade de Ava, sugerindo que não é preciso nada tão complexo como a inteligência para fazer o Homem prevaricar. Afinal, Ele é apenas humano. Quatro estrelas e meia.


O melhor:
- O resultado que se conseguiu alcançar com tão pouco
- O elenco fenomenal.
- Desafiante.

O pior:
- Previsibilidade

Realização: Alex Garland
Argumento: Alex Garland
Domhnall Gleeson como Caleb
Oscar Isaac como Nathan
Alicia Vikander como Ava
Sonoya Mizuno como Kyoko

Próximo Filme: "Sweet Rain" (Suwîto rein: Shinigami no seido, 2008)