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domingo, 17 de setembro de 2017
Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte dois
Aqui a je não conseguiu ir ao primeiro dia de festival. Antecipava algumas das propostas em cartaz das quais deixo contributos válidos e que vou seguindo com alguma atenção como “Dave made a Maze” ou “Prey”. Já tinha visto o “The Void” e não morro de amores pelo filme que é sobretudo uma oportunidade mal-amanhada. Tanto que nem sequer me dignei a escrever uma crítica sobre ele, mas aproveito para partilhar uma estória de terror muito pessoal. Nesse dia estive num casamento (existe lá melhor incidência para faltar ao festival?) e descobri, no dia anterior que não cabia no vestido que tinha planeado, pelo que tive de desencantar um trapinho no dia anterior. O drama, a tragédia, o horror!
Dia 2
“The Endless” (2017)
E o 1º Prémio para “Filme de que mais gostei de modo inesperado” foi “The Endless” (2017). Sabia pouco mais que a sinopse e conhecia um pequeno clip que nem sequer é representativo de todo o filme. Também conseguiu estar milhas à frente de “The Bad Batch”, da Ana Lily Amirpour que realizou o hipnotizante “A Girl Walks Home Alone at Night”, então exibido numa sessão de warm-up da Edição do Motelx de 2015.
Justin (Justin Benson) e Aaron (Aaron Moorhead) são irmãos com um passado incomum. Eles escaparam a um culto há cerca de uma década e estão tanto tempo depois ainda a ajustar-se a uma vivência mais convencional, que se denota na incapacidade de formar ligações amorosas ou de lidar com uma rotina de trabalho das 9:00 às 18:00. Enquanto Justin está convencido que a opção de fuga foi a melhor decisão que tomou para ele e para o seu irmão que extraiu do “Campo Arcádia”, Aaron não parece lembrar-se do que era assim tão mau na vida em comunidade com um grupo de pessoas com uma percepção diferente da realidade mas que pareciam ter relações genuínas e querer melhorar-se enquanto pessoas, nem ele está certo de que a palavra “culto” é a mais apropriada para o que viveram. Ademais, ele está farto da sua existência menor, numa firma de limpezas. Saiu de lá para isso? É apenas para isso que está fadado? Quando recebem no correio uma cassete VHS em que uma das mulheres do campo fala na “Ascensão” que sobrevirá em breve, Aaron fica determinado em regressar e clarificar o que significam as suas memórias. Justin decide acompanhá-lo desde que a visita seja breve e demonstre por fim que o campo é tudo menos saudável para eles. À chegada descobrem que o que mais mudou foram eles. Os membros do campo estão iguais a quando os deixaram e continuam a ocorrer eventos estranhos mas estes talvez não correspondam aquilo que pensam. “The Endless” permite a análise sob os olhos dos dois irmãos sobre as memórias de eventos que nos marcaram e das acções que então tomámos que nos levaram ao ponto em que nos encontramos, bem como sobre a verdade dessas mesmas memórias e os ciclos em que estamos inseridos como resultado dessas opções passadas. Contar mais é mais do que ser um dos trolls dos spoilers, é estragar a mística de uma mitologia que merece ser descoberta e descodificada por quem a vê e cujas respostas, a ser encontradas, poderão diferir em consonância com as experiências do seu intérprete.
Benson e Moorhead têm uma enorme química no desempenho de irmãos e ao demonstrar que não são funcionais na sua totalidade, a despeito de por vezes o argumento parecer um pouco apressado e existirem algumas falhas pontuais de quem se encontra a executar muitas funções ao mesmo tempo (realização, montagem, representação, etc). Com uma carreira conjunta que inclui “Resolution” (2012) que tem uma aparição interessante neste filme e “Spring” (2014), considerado pelo Guillermo Del Toro como um dos melhores filmes da década, Benson e Moorhead insistem desde os créditos iniciais que a natureza do horror de “The Endless” é lovecraftiana. De facto, fez recordar alguns filmes exibidos no Motelx em anos anteriores como o mindbender “Coherence” (2013) ou o estudo sobre a paranóia “The Invitation” (2015), pelo argumento intricado ou similitude temática. “The Endless” não procura respostas fáceis. É mais sobre o caminho do que a chegada. E que pena ter chegado ao fim de uns 111 minutos que pareceram curtos. Três estrelas e meia.
“The Bad Batch (2016)
Se “The Endless” augurava um bom início de festival “The Bad Batch” foi um balde de água fria. Suki Waterhouse é aquela coisinha gira que fica óptima no ecrã, sobretudo se tiver com uns calções curtinhos que mostrem uns km de pernas e um smiley face numa das nádegas como quem diz que é autoconsciente da graça que tem. Infelizmente, a graça fica-se pela aparência que em breve terá apenas um braço e uma perna, que os outros foram comidos por canibais, já que como actriz é uma nódoa, daquelas que não saem numa só lavagem. E sim, o Keanu Reeves entra no filme.
“The Bad Batch” é sobre todos aqueles que a sociedade civilizada (?) considera como indesejáveis. Os imigrantes, os criminosos, os injustamente julgados, os doentes mentais, os drogados e os inadaptados são marcados com um número atrás da orelha e largados num terreno árido rodeado por uma vedação, algures no Texas, no qual são obrigados a fazer as coisas mais obscenas para sobreviver. Mas entendam que dentro da vedação não estão no Estado do Texas. Aliás, nem sequer estão nos E.U.A. É uma terra de ninguém e de cada um por si. O melhor a fazer é morrer. Suki Waterhouse é Arlen, uma rapariga rebelde que se passeia sem cerimónia e até de forma exibicionista por aquela paisagem desértica até ter um brutal encontro com a realidade. Os mais fracos são aprisionados e tornam-se o alimento de canibais, que é na verdade, uma das poucas formas de sobreviver num terreno onde é despejado lixo tóxico e parece subsistir pouco mais do que coelhos. Graças ao pensamento rápido, Arlen consegue depois de ter perdido alguns membros, ser mais esperta que uma das suas captoras e fugir para se enveredar, semi-morta, no deserto. Lá, é resgatada por um vagabundo (Jim Carrey quase irreconhecível) que a deixa em Comfort, uma localidade onde imperam se não leis, pelo menos bom-senso. Mas a menina Arlen é teimosa e vingativa pelo que não sente “confortável” o suficiente para se aguentar lá por muito tempo. Ela quer mais, quer algo que não consegue vocalizar ou expressar de modo conveniente. No entanto, pelas vezes que de lá sai, apenas em uma ocasião não retorna.
“The Bad Batch” é uma visão distópica com inspirações da saga “Mad Max” e nada subtil à sociedade contemporânea que não sabe o que fazer com os seus “indesejados”. Daí à vaga migratória no Mediterrâneo e o discurso de Trump sobre um muro que irá manter todos os ilegais de fora é um instante. O sonho americano é mencionado na inquietude dos seus personagens mas nunca se materializa. Por fim, temos ainda a lembrança brutal e cada vez mais rodeada de uma certa tendência de negacionismo, do povo judeu marcado como animais e exterminado em campos de concentração. “The Bad Batch” está cheio de ideias mas parece estar mais preocupado com as aparências –, Lyle Vincent faz um papel brilhante de cinematografia –, dado que o conteúdo nunca é desenvolvido e as mudanças tonais advêm de nenhures. Os personagens andam à deriva. A sociedade que os liberta ali está mais ciente das suas convicções, por horrendas que sejam, do que os indesejáveis. Por serem rejeitados, eles ali não se tornam mais fortes ou unidos. Eles não almejam sequer formar uma nova ordem, que lhes permita ser produtivos, não enquanto sociedade de consumo mas por eles próprios, seus sonhos e ideias. Eles entregam-se a drogas, à manipulação de outrém e a ser miseráveis para os seus pares. Evidencía talvez um excesso de zelo de Armipour na demonstração de que os “outros” estão errados, sem tentar provar que a mercadoria estragada não é, afinal, tão estragada quanto isso. Mas existe luz ao fundo do túnel. A dada altura surge um romance por que o que faltava em “The Bad Batch” era mesmo um amor mal cozinhado. E de que precisa uma Arlen mais do que um homem másculo que poderá querer comê-la a dada altura, além do sentido erótico do termo, para sobreviver naquele lugar? Depois de uma relação vampirica em "A Girl Walks Home Alone at Night" começo a encontrar um padrão. Duas estrelas.
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
“Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte um
Um Festival, doze filmes. Desde 2011, com a interrupção de um ano (2013) em que valores mais altos se levantaram (temos pena mas férias), que não falho um ano. Nem sei se este foi o ano mais prolífico em termos de sessões do Motelx – ainda assim foram 12 bolas! – mas não foi, apesar das expectativas, a melhor edição de sempre. Ainda assim, e como bem diz a expressão popular, o melhor estava guardado para o fim e não, não me refiro ao fenómeno IT (2017)!
Sessão de Abertura
"Super Dark Times" (2017)
Depois de uma sessão de apresentação mais convencional viramo-nos para o que o Motelx sabe fazer melhor: dar a conhecer gemas indie que nos dão um murro no estômago que perfura a pele, revira as tripas lá dentro e as puxa para fora. “Super Dark Times” é o título hiperbólico e um pouco cómico de uma película com muito pouco de jocoso. Zach (Owen Campbell) e Josh (Charlie Tahan) –, este último digam lá se não é a cara chapada da Martha Plimpton? -, São um duo de amigos que passa os dias entre ir para a escola, percorrer os terrenos da sua pacata vila de bicicleta e inventar passatempos. Falam de raparigas, de rufias, de jogos de vídeo. Nada de extraordinário. Um dia decidem quebrar a rotina juntando-se a dois miúdos que não conhecem bem, Charlie (Sawyer Barth) que é o irmão mais novo de uma colega de escola e Daryl (Max Talisman), um puto ruidoso e malcriado que faz qualquer pessoa com um mínimo de sanidade mental, questionar por que querem sequer estar na sua companhia. Ânimos exaltam-se, um acidente sucede e Daryl acaba morto. O pânico toma conta dos adolescentes que decidem ocultar o que se passou. Mas retomar a vida normal é mais difícil do que uma decisão extemporânea podia fazer parecer e a pressão quebra de formas diferentes Zach e Josh.
“Super Dark Times” é, como o próprio nome indica, super negro. Faz refletir sobre os arrependimentos e faz perguntas difíceis como quão “para sempre” são de facto os laços de amizade que tínhamos como inquebráveis, se conhecemos tão bem como pensamos aqueles que têm estado nas nossas vidas desde sempre e se seríamos capazes de tomar aquelas decisões nas mesmas circunstâncias. Nota-se a ausência de interferências externas na vida destes adolescentes. Eles são acriançados, idiotas, borbulhentos, envergam pêlos solitários à laia da existência de bigode e tiram macacos do nariz. Comportam-se tal e qual os adolescentes da vida real. Tudo isto pontuado por uma imagética muito reminiscente de “Stranger Things” (e este nem foi o primeiro filme do festival a fazer eco de uma série que é a autêntica definição de hype), com o teen spirit inquieto e depressivo dos anos 90, numa idade que é, para todos, francamente estranha. Pode uma má acção definir-nos para o resto da vida? Agora imaginem uma culpa dessas cair sobre os ombros ainda não muito largos de adolescentes que nunca saíram da sua concha e do seu pequeno vilarejo. “Super Dark Times” é em última análise traído pela sua própria vontade de ser original, quando já o era desde o inicio, (o tema era lúgubre o suficiente para necessitar de invocar os excessos típicos do género de terror). “Less is more”. O desvio de 45º perto do final não deixa de ser, no entanto, uma decisão corajosa numa estreia cinematográfica muito competente de Kevin Phillips. Três estrelas.
Próximo Filme: “Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte dois