terça-feira, 16 de janeiro de 2018

"Blade of the Immortal" (Mugen no junin, 2017)


No antigo Japão, durante o shogunato Tokugawa, em que os samurais eram ainda poderosos e respeitados, exercendo uma visão de justiça prisioneira de um código de conduta feudal, surgiu a lenda de um matador de homens amaldiçoado com a imortalidade. Manji (Takuya Kimura) era o samurai mais poderoso de todos e a sua única fonte de humanidade residia apenas na inocente irmã mais nova, que acaba por morrer em face dos pecados de Manji. Ele é amaldiçoado por uma tal de Yaobikuni (Yoko Yamamoto), um ser sagrado que acha que Manji ainda pode ser muito útil dada a capacidade extraordinária com a espada e torna-o imortal através da inserção de vermes no corpo dele. Cada vez que Manji é ferido em combate ou esquartejado, os vermes trabalham em conjunto para juntar os membros separados. Muitos anos depois, cruza-se com Rin (Hana Sugisaki) uma cópia exacta da sua irmã, que viu o pai ser morto por um gangue e a mãe arrastada pelos bandidos para um destino, sem dúvida terrível, mas incerto e lhe pede que a ajude a fazer justiça. A princípio o velho samurai quer que a miúda o deixe em paz, mas a semelhança com a irmã e a terrível injustiça fazem-no pegar novamente na espada para apanhar os bandidos, algo que já não deve fazer há umas boas décadas.
“Blade of the Immortal” é mais uma adaptação live-action de uma mangá japonesa (30 volumes!), por um Miike que é tudo menos estranho no que respeita a adaptações. A narrativa, em torno do tema da vingança é a mais antiga que existe. Miike não reinventa a roda, mantendo-se fiel ao seu estilo. A violência e o gore com umas pinceladas de humor negro nunca o envergonharam e “Blade of the Immortal” não é excepção. Aliás não consigo ver como é que um samurai matador de homens e uma boa senda de vingança não iriam parar ao colo de Miike. A sequência inicial, que termina com milhares de litros de sangue jorrados e que cobrem todo o chão que os personagens pisam é talvez uma das mais marcantes de todo o filme. Não deixa de ficar talvez o sentimento de que Miike apresentou o seu melhor demasiado cedo no filme. Um Manji cego pela raiva, luta com uma paixão e uma destreza que não se voltam a ver! A coreografia certeira e frenética sobretudo dessa sequência faz recordar esforços anteriores de Miike como a louca batalha final de “13 Assassins” (2010).
A partir daí o anti-herói surge apenas enferrujado e trapalhão, a que não é alheia a tendência espectacular de Rin se inserir em situações de perigo sem pensar nas consequências.
Uma ideia interessante ao longo de todo o filme é a de que Manji não é muito diferente de Anotsu (Sota Fukushi), o líder dos vilões que procura. Enquanto, Manji matava indiscriminadamente, Anotsu tem um sentido de direção muito vincado mesmo que tenha uma moral distorcida. Até Rin, supostamente uma criança que Manji não quer com as mãos manchadas de sangue, já pouco de inocente tem, tendo assistido aos actos horrendos cometidos sobre os pais, bem como a morte dos bandidos do gangue. Ela pede a morte de Anotsu e mais nada parece importar do que isso. O seu sentido de missão é imparável tanto que quando Manji hesita, ela insiste em continuar com a vingança mesmo que isso implique que seja ela a empunhar a espada que irá trespassar o coração do monstro. Claro que existe a esperança de redenção mas esse é um caminho que tem de ser sempre trilhado pelo espectador. Ao redor deste trio surgem muitas, demasiadas personagens, com pouco a nada de memorável que servem para desfilar pelo ecrã como vítimas de Manji, quais “camisolas vermelhas” de “Star Trek” e porque são queridas dos fãs da mangá, ainda que ao comum espectador não digam nada. “Blade of the Immortal” pode ser uma adaptação e decerto não é perfeito mas é também Miike igual a si próprio e isso deve bastar. Três estrelas.

Realização: Takeshi Miike
Argumento: Tetsuya Oishi e Hiroaki Samura (mangá)
Takuya Kimura como Manji
Hana Sugisaki como Rin Asano / Machi
Sôta Fukushi como Anotsu Kagehisa
Hayato Ichihara como Shira
Erika Toda como Makie Otono-Tachibana
Kazuki Kitamura como Sabato Kuroi
Chiaki Kuriyama como Hyakurin
Shinnosuke Mitsushima como Taito Magatsu



Próximo Filme: "Exte: Hair Extensions" (Ekusute, 2007)

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

"The Villainess" (Ak-nyeo, 2017)


Conquanto seja um espectáculo visual assistir aos suspeitos do costume desferir golpes em todas as direcções e receber uma centena de pancadas e continuar de pé a despeito dos ferimentos como um Iko Uwais (basicamente toda a sua filmografia) ou, disparar balas em todas as direcções como se fosse um profissional da magia e não da profissão mais violenta deste mundo qual Keanu Reeves, isso já não é tão habitual vindo de uma mulher. De vez em quando necessito de doses de personagens femininas fortes no meu cinema de acção e isso não é assim tão habitual. Os exemplos anteriores masculinos mencionados não serão os melhores actores que a arte da representação já viu mas, nem as mulheres são as flores delicadas que se julgava até não há muito serem. Existem algumas figuras icónicas no género como a eterna Ripley mas esse exemplo é já muito antigo e mesmo a Beatrix Kiddo de “Kill Bill” já remonta a 2003/4). “Salt” não foi além de 2010 e também não se antevê grande história num “Tomb Raider” (2018) com uma Alicia Vikander no seu estilo mais insípido. Eis, que depois de alguns anos de deserto e de um autêntico “Furiosa Show”, onde deixou um Tom Hardy a milhas da sua presença no ecrã, aparece em 2017 uma Theron pronta a tirar partido do ímpeto gerado em “Mad Max: Fury Road” (2015) para se elevar ao estatuto de heroína de acção já que tudo o resto já conseguiu em “Atomic Blonde”.
E como pareceu existir um grito colectivo pelo ressurgimento pelo poder feminino, empurrado pelos novos extremismos de direitas alternativas (revirar de olhos), este teve a concorrência de um “The Villainess” (2017) que surgiu subtil mas foi ganhando tracção por entre cinéfilos além das semelhanças depois encontradas com a congénere ocidental que estreava depois. O chamado “Money shot” parece tirado a papel químico entre os filmes mas não estou aqui a querer acusar ninguém de cópia, até porque “The Villainess” tem muito de emprestado a filmes do próprio país, bem como do próprio género de artes marciais. Enquanto a loura platinada de Theron está fisicamente mais próxima de uma Carly de “The Long Kiss Goodnight” (1996), Ok Bin Kim encarna uma assassina com uma psique mais próxima daquela, enquanto progenitora de uma criança menor mas sem as one liners pirosas. As cenas de acção de “The Villainess” são um híbrido do que melhor se tem feito nos últimos anos no cinema de artes marciais e isso não tem mal nenhum. A sequência inicial, em que uma Sook-hee irrompe por um edifício adentro matando todos e quaisquer que se atravessem no seu caminho, é uma das mais brutais que vi ultimamente e completamente merecedora de todos os prémios pela mestria técnica em particular, o trabalho da equipa de duplos. Se quiserem exemplos, podem remontar a “Oldboy” (2003) ou “The Raid 2” (2014), com um bónus adicional de espectativa na primeira pessoa de um “Hardcore Henry” (2015) que muito mais gente devia ter visto. É de loucos imaginar como alguns daqueles momentos foram capturados pelas câmaras. São dez minutos inteiros de destruição total. Outro momento de acção fantástico envolve uma perseguição de mota que termina com os motoqueiros a esgrimir argumentos… com espadas.
Que tal isto para hype? A narrativa caminha depois para o mais convencional de uma “La femme Nikita” (1990). Jovem e enlouquecida pela morte do seu amado Sook-hee é movida pela sede de vingança até perceber que está grávida do amor que perdeu. Encontrada pela Agência Secreta coreana, a única hipótese de escapar às malhas da justiça (a sua lista de mortes é muito elevada) é tornar-se uma operativa e cumprir escrupulosamente as missões que lhe são apresentadas pela enigmática chefe Kwon (Seo-hyeong Kim), se quiser almejar viver uma vida de liberdade com a filha. É-lhe dada uma nova identidade, uma casa e até surge um novo interesse romântico que lhe dão a aparência de uma vida normal mas em breve o imperativo das missões se tornarão realidade, bem como de uma vingança ainda não sanada. Com pouco mais de duas horas “The Villainess” é traído pela incapacidade genética de não adicionar melodrama que arrasta uma película que tinha iniciado de modo tão promissor mas nada que retire a vontade de assistir a este filme. As analepses que ainda são em número razoável são uma boa adição para a compreensão das motivações da “Vilã”. Falta-lhes, no entanto, a fluidez que se encontra nas cenas de acção, tornando-se difícil distinguir a acção em tempo real dos bocadinhos de história que ajudam a montar o puzzle da personalidade de Sook-hee. Ok-bin Kim está perfeita no papel da assassina rebelde à procura de vingança que se torna uma operacional obediente. Sempre confinada aos papéis que lhe são apresentados e nunca tendo realmente o poder de escolha na sua vida. A única forma de autonomia e de expressão de Sook-hee é apenas na sua forma mais violenta. “The Villainess” é um bichinho complicado e imperfeito com maravilhosas cenas de acção e a sua estrela é uma Ok-bin Kim que já devia estar no radar de todo o mundo. Três estrelas.

Próximo Filme: "Blade of the Immortal" (Mugen no jûnin, 2017