A narrativa começa em meados dos anos 30 quando um Ip Man, ocioso e despreocupado se limita a praticar e intervir em escaramuças de ocasião as quais secretamente, lhe dão um intenso prazer. Lynn Hung interpreta a esposa de Ip Man que deseja que este abandone as artes marciais e se dedique mais ao filho Ip Chun. Tudo muito giro e calmo até que o exército imperial japonês invade a China. Acredito que tudo correria às mil maravilhas se os japoneses não tivessem cometido o erro histórico de invadir Pearl Harbor, provocando assim a entrada dos EUA na 2ª Grande Guerra e não se tivessem metido com o Ip Man. Ninguém se mete com o Ip Man! Mas ele pertence àquela marca do herói relutante, modesto e cativante, que terá de passar por muitas provações até compreender o poder do seu talento, com o potencial de ser seguido por milhares. Com a invasão japonesa Ip Man é obrigado a deixar o seu palacete e a arranjar um trabalho numa fábrica de extracção de carvão para evitar a fome da sua família. A vida deixa de ser a preto e branco, para existirem vários tons de cinzento. Muitos cidadãos chineses para evitar a miséria, passam-se para o lado dos invasores como espiões e captam antigos mestres para enfrentar lutadores japoneses por sacos de arroz. E aqui incorre o grande defeito do filme. Os maus são demasiado maus, são cartoonescos, demoníacos mesmo. Estamos a referir-nos a uma guerra, pois claro, mas ambas as partes cometeram atrocidades ao longo da história. Até os portugueses foram a dada altura o maior povo esclavagista do mundo! O argumento podia ter manuseado melhor esta questão, explorando por exemplo, o facto de o exército japonês estar a cumprir ordens, de os soldados terem sido enviados para a guerra, deixando também eles, empregos e famílias para trás. O argumento podia ter dar espaço à reflexão sobre como a maldade não é inata, mas no contexto certo pode ser criada. Senti que a escrita foi ao encontro das expectativas das massas que se encontram enraizadas no profundo nacionalismo e ressentimento decorrentes da história entre os dois países. A dissonância cognitiva é melhor demonstrada no personagem Li Zhao (Ka Tung Lam), um chinês tradutor do exército invasor que é forçado a fazer escolhas dificílimas, mesmo perante aqueles a quem há poucos meses chamava de amigos, em nome da sobrevivência da sua família.
Depois temos um Ip Man que aguenta ofensas que só um homem extraordinário pode suportar até que um dia, percebe a razão de ser do seu talento. O evento é, curiosamente, despoletado pela sua mulher que era antes castradora quanto ao seu envolvimento nas artes marciais. É o desejo de proteger a sua família que o leva a empreender toda a sua força contra o inimigo. Ip Man, não pára sozinho a guerra mas incentiva os chineses a lutar pela sua dignidade, emprestando as suas excelentes capacidades físicas e a sua filosofia de vida muito zen. Sim, que apesar de conseguir esmurrar um homem um gazilião de vezes, evita fazê-lo porque ele é assim, muito chill out, estão a ver? Ele incentiva implicitamente os cidadãos de Foshan a resistir e traz o sentimento da esperança novamente àqueles coraçõezinhos quebrados. Há uma luta final, que é o grande confronto com o General japonês Miura, no qual Donnie Yen é excelente, não haja duvida, mas fica a saber a pouco. Quando damos por nós, não sendo fãs acérrimos de artes marciais, a ansiar por mais, é sinal de que o que estamos a ver é pancada da séria! "Ip Man" trouxe reminiscências de um jovem Jean Claude Van Damme, de um explosivo Bruce Lee, ou de um sério mas brutalmente eficaz Chuck Norris. E o melhor de tudo? Donnie Yen tem o desempenho de uma vida. Já o critiquei por diversas vezes: aqui e aqui. As suas qualidades como actor não são as melhores mas em Ip Man, estão bem acima de medíocres, são muito razoáveis. Este filme apesar de toda a liberdade artística em torno da demonização do povo japonês e da própria vida do mestre representa bom entretenimento. Por isso é, no mínimo, de estranhar que Donnie Yen ainda não tenha sido seduzido por Hollywood, nem seja um nome sonante em terras americanas, como o são Jet Li e o Jackie Chan. Neste minúsculo cantinho de língua portuguesa, Donnie Yen merece todo o respeito e aclamação pelo seu trabalho como lutador, coreógrafo e artista. Três estrelas e meia.
Realização: Wilson Yip
Argumento: Edmond Wong
Donnie Yen como Ip Man
Simon Yam como Zhou Qing Quan
Siu-Wong Fan como Jin Shan Zhao
Ka Tung Lam como Li Zhao
Yu Xing como Mestre Zealot Lin
Lynn Hung como Zhang Yong Cheng
Hiroyuki Ikeuchi como General Miura
Próximo Filme: Donnie Yen em Dose Dupla! "Ip Man 2" (Yip Man 2, 2010)
Clica aqui para veres o mestre Yip Man com o seu mais famoso discíplo.
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