domingo, 22 de abril de 2012

Pecadilhos das Horas Vagas #3 - "Van Helsing"

Sabem aquele filme que sempre que dá na TV não conseguem desligar-se e vêem até ao fim? Aquele filme que todos acham um pouco parvo mas do qual vocês gostam secretamente? Lembram-se daquele velho filme que está gravado em VHS e não conseguem deitar fora? Ou que já viram tanto que a fita até já está meio estragada? Escrevam um texto, não uma crítica, mas uma confissão, sobre um filme da vossa preferência: o vosso guilty pleasure, sem medos ou censura, um “Pecadilho das Horas Vagas. O confessionário é vosso.

Por: Aníbal Santiago do Rick's Cinema

Ao longo da nossa experiência cinéfila assistimos a muitos e variados filmes, alguns arrebataram-nos o coração, outros deixam-nos um sorriso de orelha a orelha, outros apenas com a sensação agradável de termos passado um bom tempo. Temos ainda aquelas obras que nos fazem perguntar: “Com um tempo de vida tão incerto, por que razão absurda é que o decidi gastar neste filme tão manhoso?”. Mas, pior do que esta última categoria, estão aqueles que temos a certeza de serem maus, que foram devastados pela crítica e por quase toda a gente que conhecemos, mas que, secretamente, nos dão um prazer imenso, embora o tentemos esconder de todos. A mim acontece-me isso e muito (mais do que o humanamente desejável), sendo que um dos casos mais flagrante é o de “Van Helsing” de Stephen Sommers, considerado sofrível pela crítica e pela maior parte das pessoas que me rodeiam, mas que fui ver ao cinema, comprei a edição especial em dvd e tenho a t-shirt (gloriosamente rota pelo meu cão, mas guardada com todo o respeito numa das gavetas do armário).

Com tantas críticas negativas em seu redor, “Van Helsing” pareceu-me assim ser a escolha indicada para um post na rubrica “Pecadilhos das horas vagas”, que visa exactamente expor um dos nossos guilty pleasures no blog “Not a Film Critic”, propriedade da blogger FilmPuff, que tenho tido o prazer de acompanhar ao longo dos últimos meses, onde tenho feito algumas descobertas sobre cinema de terror asiático e aprendido imenso sobre a temática.

Lançado originalmente no dia 7 de Maio de 2004, “Van Helsing” surgiu em grande parte para a Universal aproveitar o sucesso alcançado pelo realizador Stephen Sommers com “The Mummy” e a sua sequela “The Mummy Returns” e fazer regressar não um, mas sim vários personagens dos filmes de terror clássicos do estúdio, entre os quais Frankenstein, Lobisomem, Conde Drácula, o caçador Abraham Van Helsing, tendo até havido espaço para introduzir um intruso, o mítico Dr. Jekyll. O filme contava com um elenco bastante jovem e diferente do que estávamos habituados. Van Helsing deixou de ser um senhor de meia-idade para passar a ser um herói musculado interpretado por Hugh “Wolverine” Jackman, que contava com a personagem da bela Kate Beckinsale como interesse amoroso. Conta ainda com Richard Rouxbourgh, um actor que integrou o elenco de obras tão distintas como “Mission Impossible II”, “Moulin Rouge”, “League of Extraordinary Gentleman”, entre outros, e David Wenham, que interpreta um padre e inventor que trabalhava numa divisão secreta do Vaticano, muito semelhante ao laboratório de Q nos filmes de “James Bond”. Pelas breves descrições certamente já estarão a pensar: “como é que este tipo gosta disto”, ou que “não vem aí coisa boa”. Divagações à parte, importa salientar, antes de mais, que aprecio de forma imensa os clássicos de terror da Universal, mas que também tenho consciência que, nalguns dos casos, não lhes faltavam defeitos, tendo muitos deles se tornado clássicos devido à idade e não à qualidade. Relativamente a “Van Helsing”, o filme certamente nunca irá tornar-se um clássico - não que eu não gostasse, pois tal tornar-me-ia num visionário - mas sim porque a obra nunca consegue ser aquilo a que se propõe, ou seja, um filme de terror, indo resultar sobretudo como um filme de acção e aventura onde os nomes de alguns personagens poderiam ser alterados que ninguém daria pela diferença. Isto não implica que “Van Helsing” não seja um belo pedaço de entretenimento e diversão, ideal para ver a qualquer hora do dia e que certamente não nos irá fazer pensar no emprego, nos problemas diários, e no stress quotidiano, algo que é cada vez mais um factor que tomo em atenção quando vejo filmes após chegar a casa do trabalho.




Nesta obra cinematográfica, Stephen Sommers desconstrói grande parte das representações tradicionais de figuras clássicas como o Conde Drácula, Frankenstein, Mr. Hyde, Lobisomem e Van Helsing para criar um universo muito próprio, que vem refrescar o contexto da filmografia destes personagens, ao elaborar um mash-up entusiasmante, divertido e muitas das vezes saudavelmente sem sentido. Esta opção foi muito arriscada, visto lidar com personagens que têm uma grande base de fãs que, certamente, não veriam com bons olhos uma ruptura tão drástica com a sua representação clássica no grande ecrã. Van Helsing deixou de ser Abraham e passou a ser Gabriel, com o realizador a aproveitar o novo nome para efectuar uma analogia entre a história de Van Helsing e o anjo Gabriel, com o personagem a ser a “mão esquerda” de Deus, efectuando o seu trabalho “sujo” na Terra. No filme de Sommers, este é uma espécie de James Bond, um agente mortífero ao serviço do Vaticano, que tem de aliar-se a Anna Valerius, a última descendente dos Valerius, e eliminar o Conde Drácula antes que este consiga descobrir a fórmula da criação da vida e crie um exército de vampiros, fruto das suas relações com as respectivas noivas. Nessa missão, Van Helsing conta não só com Anna, mas também com a ajuda de Carl e de Frankenstein.
O antagonista, o célebre Conde Drácula apresenta algumas alterações em relação à sua representação tradicional. Este já não morre com uma simples estaca no coração e, em vez de se transformar num mero morcego, transforma-se num ser gigantesco com algumas características semelhantes ao referido animal, cujos efeitos CGI permitiram dar um aspecto temível. De todos os elementos do elenco, Richard Roxbourgh era aquele que tinha o papel mais complicado, ao ter de lidar com um vasto historial de grandes actores que deram vida ao citado personagem no passado, entre os quais Max Schrek, Bela Lugosi, Christopher Lee, Gary Oldman, entre outros. Roxbourgh não supera nenhum destes nomes, mas também não lhes fica atrás, sendo o elemento que mais sobressai no elenco, incutindo uma ferocidade e grandiosidade ao seu personagem que poucos seriam capazes de fazer, com o seu confronto verbal com Van Helsing a ser um dos momentos mais emotivos do filme.
A coragem de Sommers não se fica pela diferente abordagem que criou em torno dos diversos personagens, mas também na construção dos cenários. Neste sentido, um dos que certamente mais polémica irá causar é o do Vaticano, com o cineasta a apresentar este local sagrado como um quartel secreto, que reúne diversos representantes das diferentes religiões, como se das Nações Unidas das Religiões se tratasse. Este aparece eivado de características dos filmes de James Bond, com o Vaticano a aproximar-se do gabinete do MI6, e a divisão de Carl a evocar o laboratório de Q, com todas as suas estranhas engenhocas. Os engenhos de Carl, aliados a vários elementos do Castelo Drácula e do laboratório do Dr. Frankenstein, introduzem ao filme vários elementos steampunk, que dão um tom moderno ao panorama renascentista do filme. Os cenários do filme são assim um verdadeiro colírio visual, com o trabalho de Allen Daviau a sobressair, em especial no laboratório, no Castelo e no salão tipicamente barroco em que o Drácula organiza o baile, com o espectador a ser transportado a um mundo imaginário que é construído ao pormenor. Esta cena em particular é um deleite para os olhos, com Van Helsing a interromper um baile organizado pelo personagem de Roxbourgh para salvar Anna Valeska, enquanto depara-se com um conjunto de mortos vivos mais furiosos do que nunca. Tudo isto é acompanhado por uma banda-sonora magistral, com o trabalho de Alan Silvestri a incutir um tom épico, grandioso e vibrante à obra cinematográfica (sim também tenho a banda-sonora).
Apesar de todas estas especificidades que enriquecem a obra, não podemos esquecer que “Van Helsing” falha clamorosamente como um filme de terror, não conseguindo criar nem pouco mais ou menos a atmosfera tenebrosa que rodeava os clássicos da Universal. Por muitos perigos que todas estas monstruosidades representem, a verdade é que estas não fazem despertar um sentimento de receio no espectador, que raramente sente que o protagonista está em perigo, o que tira um pouco a tensão do enredo. Para além disso, é inegável as várias contradições narrativas que por vezes assolam o filme, ainda que as mesmas não consigam distrair completamente o espectador.

Mais do que um filme de terror, “Van Helsing” é um filme de acção e aventura com algumas pitadas de romance, que aos poucos conquista o coração do espectador e torna-se numa agradável surpresa. Com um ambiente frenético e espectacular, Stephen Sommers faz regressar ao grande ecrã vários dos monstros populares que continuam a fazer parte do imaginário colectivo e que tão afastados têm estado do grande ecrã, numa abordagem fresca e interessante, cujas falhas são facilmente esquecidas pelos bons momentos que proporciona ao espectador e que o tornam num dos filmes que gosto de rever regularmente, num dos meus “Pecadilhos das Horas Vagas”.

Feita a expiação de um dos meus segredos cinéfilos mais deprimentes (acreditem que existem muitos mais), agradeço à FilmPuff pela oportunidade que me deu de escrever aqui neste espaço que tanto aprecio ler. É uma iniciativa de louvar que permite a interacção entre diferentes bloggers, numa rubrica original e bastante pessoal que permitirá a todos os bloggers cinéfilos revelarem alguns dos seus gostos cinematográficos mais recônditos.

Muito obrigada Aníbal. Depois desta extensa confissão até fiquei com vontade de gostar (ainda) mais do Van Helsing!

3 comentários:

  1. Eu é que agradeço a oportunidade de confessar um dos meus pecadilhos no Not a Film Critic (e espero ter convencido alguém a ir ver o filme).

    A ideia para a rubrica está bem conseguida e aguardo com alguma curiosidade os pecadilhos dos outros bloggers.

    Cumprimentos,
    Aníbal Santiago

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  2. Compreendo o teu pecado. Van Helsing é entretenimento puro e depois claro, não desajuda o facto de ter uma mulher belíssima e um homem em cuja pele, muitos homens gostariam de estar.

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  3. Eu gosto do filme, mas é algo velho, novo está vendo Penny Dreadful, é uma série de terror que eu realmente gosto e do recominedo 100%.

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