Os olhos devem ser um dos órgãos mais importantes, subestimados e maltratados em todo o corpo humano. É que nem temos noção. Passamos horas a forçá-los à frente de monitores, insistimos em mantê-los abertos muito depois do cérebro gritar de cansaço e, nem sequer, os utilizamos como deve ser. Não fossem os vossos olhos e, não podiam ler estas linhas sobre um dos grandes filmes de terror do século XXI. E, se os olhos são tão pouco considerados pelos poucos dotados com uma visão perfeita, imaginem como será uma lembrança preciosa por quem um dia a possuiu. O caso aplica-se como uma luva a Mun (Angelica Lee), uma rapariga de 24 anos que após duas décadas de escuridão, recupera a visão num novo procedimento cirurgico. O processo de recuperação é assustador. Não só devido à ansiedade de conhecer um mundo além dos outros quatros sentidos mas também pelo facto de ser como uma criança novamente. Tem de aprender a redescobrir o mundo e a relacionar-se com ele e distinguir o real do ilusório. Entre os vários desafios estão a distrinça das superfícies e o reconhecimento da própria imagem. E quão solitária deve ser esta jornada quando Mun tem uma família que não se pode identificar com a sua situação e a orquestra de invisuais na qual tocava, já não a considera como uma deles. Mun, por entre a profusão de imagens que inundam incessantemente o seu espectro de visão, não se apercebe de imediato que vê algo mais, algo que os restantes seres vivos não vêem. E, não sabe, por isso, reconhecê-lo. Enquanto a maioria dos que a rodeiam atribui a nova atitude de introversão de Mun ao processo de transição que está a atravessar, apenas o seu psicólogo, Dr. Wah (Lawrence Chou) a parece compreender. Perante imagens de natureza tão perturbadora ela isola-se, retira-se do mundo social. Existe uma resposta racional para o que lhe está a suceder ou o fenómeno pertence mesmo ao campo do sobrenatural? Ao contrário de outros grandes clássicos do cinema asiático como “Ringu”, “Ju-on” ou “A Tale of Two Sisters”, “The Eye”, baseia-se num problema fisico, algo que tocará mais perto do coração e da racionalidade do Homem. Qualquer um se pode identificar com o receio de perder a visão, ou de ver algo que não quer, o tal “monstro debaixo da cama”.Por outro lado, há sempre o medo mais primitivo da provocação de danos sobre o globo ocular. “Un chien Andalou”, o nome, se calhar, não vos dirá nada mas se referir a cena da senhora cujo globo é perfurado por uma faca, a referência talvez não seja tão estranha... De resto a narrativa não será totalmente original, sendo desaproveitadas algumas oportunidades como a possibilidade da loucura de Mun. Nunca surge a mais remota hipótese de que está tudo na sua cabeça, a causa é exterior. Também Angelica Lee, que após este filme se viria a tornar mulher de um dos realizadores, o Oxide Pang Chun, é a maior força do filme. É o seu desempenho que carrega todo o filme sendo que com um retrato menos realista de Lee, “The Eye”, não teria metade do impacto. A maior fraqueza encontra-se no Dr. Wah, um Lawrence Chou demasiado imberbe para interpretar um psicólogo experiente e conceitado. Tanto ele como Angelica viriam a fazer carreira com os irmãos Pang, acertando algumas vezes (“Re-cycle”) e falhando redondamente noutras ocasiões (“Sleepwalker 3D”). Outra questão que poderá afugentar os espectadores de “The Eye” nada tem que ver com o filme mas com o remake americano com Jessica Alba. É certo que ela não é o pior do filme mas ajuda muito. Essa versão, além de já não possuir o factor novidade, não é tão aterradora. Para não alienar o publico e chegar a um publico mais jovem, suavizaram de tal modo certas cenas icónicas que ver Alba a estremecer de medo não assusta, incomoda. Mais do que isso, “The Eye” é um caso de estudo de imitação e replicação de cenas que, hoje em dia se tornaram banais mas, não neste filme, que dez anos volvidos envelheceu bem. Atentem bem a “The Eye”, e observem bem o material de que são feitos os grandes clássicos de terror. Quatro estrelas.
Realização: Oxide Pang Chun e Danny Pang
Argumento: Yuet-Jan Hui, Oxide Pang Chun e Danny Pang
Angelica Lee como Wong Kar Mun
Lawrence Chou como Dr. Wah
Yut Lai So como Yingying
Edmund Chen como Dr. Lo
Candy Lo como Yee
Próximo Filme: "Misteri Jalan Lama", 2011
Gostei imenso deste filme, tem um argumento bastante original. Achei péssimo que tivessem feito um remake americano...
ResponderEliminarMais uma vez muitos parabéns pelo excelente trabalho que desenvolves aqui. Adoro o blog!
Sarah
http://depoisdocinema.blogspot.pt
Sarah: É um dos grandes clássicos de terror. O pior nem foi o remake. Há remakes que não são assim tão maus como o "Shutter" (2008). O problema foi ter 1) copiado na integra algumas cenas, 2) suavizado outras partes e 3) não terem tido, basicamente, coragem de inovar e de transformar a matéria-prima e melhorá-la. Obrigada!
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