domingo, 30 de setembro de 2012

Corazon: Ang unang aswang, 2012


No campo dos monstros lendários, o povo filipino não fica atrás dos seus vizinhos do sudeste asiático. Por entre mulheres despeitadas e mortos que regressam à vida, também há monstros que comem criancinhas. Por que não existe nada melhor para convencer o povo a não cometer actos moralmente condenáveis, do que afirmar que um monstro assassino virá atrás deles. O aswang é um monstro genérico, pode ser aplicável a qualquer contexto: “olha que a bruxa te vai apanhar”, “vê lá se o vampiro não vem atrás de ti”…
Por isso, inventar uma qualquer estória para o surgimento do Aswang quase que pode ser inscrita no imaginário popular. Corazon: Ang unang aswang, tem por base uma vila ficcional na qual Corazon (Erich Morales) vive com o marido Daniel (Ramsey). No pós 2ª Guerra Mundial, as pessoas estão amedrontadas e mais supersticiosas que nunca. “Faz aos outros, antes que te façam a ti”, parece ser a mentalidade geral, o que não abona muito a favor deles. Aliás, qualquer um que desafie o pensamento dominante é imediatamente afastado e são-lhe atribuídos os piores defeitos e acções. No meio de tanta insanidade, Corazon vive com Daniel um romance agridoce: por diversas vezes ficou grávida e nenhuma foi até ao fim. Com as pessoas a vê-la como um mau augúrio e praticamente sem apoio que não o marido, Corazon vê no nascimento de um filho o único modo de aplacar a população cada vez mais hostil e refugiar-se no mundo do amor incondicional entre mãe e filho. Desesperada, recorre mesmo a uma mulher tida como bruxa para preencher o vazio.
O que é tida como a última solução torna-se um pesadelo quando Corazon perde mais uma vez o feto. Amargurada com o facto de a população estar cada vez mais unida contra ela e a desilusão de Daniel por perder mais um filho, Corazon vira-se para as trevas dentro de si, seu único consolo. A doce, inocente Corazon passa de bestial a besta. Se Erich Morales é convincente em ambos os papéis, não deixa de ser a transição que mais choca. Como é que alguém se transforma numa besta comedora de criancinhas? Que ela virasse toda a raiva e dor contra os aldeões ignorantes a sua fúria implacável é mais provável e acessível do que magoar a sua descendência. Para os magoar? É capaz de ser um pouco extremo não?
Mais estranha é a incapacidade de Daniel, que durante metade do filme para inteligente e capaz, perceber que a mulher é a causadora do mal que assola a terra. E ainda mais surpreendente é a reacção de Daniel à verdade: aquela é a mulher que ama, daqui até ao fim do mundo. Um sentimento meritório, não fosse ela um monstro! Eis que Corazon: Ang unang aswang que até ao momento era um filme de terror passa a romance dramático e a audiência já não sabe o que fazer. Chorar lágrimas de crocodilo pelos apaixonados amaldiçoados? Clamar por vingança pela perseguição de crianças? Por muito boa vontade que se tenha é difícil não apoiar a segunda facção pelo que o argumento, defensor fervoroso dos amantes não tem senão apoiar-se no ridículo. Apesar de uma cinematografia irrepreensível e de uma dupla cuja química se sente fora do ecrã é impossível ignorar que “Corazon” não mete medo a ninguém. E mesmo quando está despenteada e de andrajos, Erich é daquelas mulheres que não ficam feias de modo nenhum. É nestas alturas em que nem a magia do cinema consegue fazer um dos seus milagres. Uma estrela e meia.
Realização:  Richard Somes
Argumento:  Richard Somes e Jerry Gracio
Erich Morales como Corazon
Derek Ramsay como Daniel
Mark Gil como Matias
Tetchie Agbayani como Melinda
Maria Isabel Lopez como Herminia

Próximo Filme: "Pulse" (Kairo, 2001)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Top 10: Edifícios Assombrados


Acumulei algumas queixas desde a última lista, de que não recorria o suficiente a este tipo de doces à navegação. Na verdade não fizemos muitas listas até ao momento, mas elas tiveram um impacto que não esperava de todo. No nosso top de entradas mais vistas deste blogue figuram algumas dessas sugestões. Se quiserem recordar, por cá figuram:

Top 10: Assassinos Mascarados
Top 5: Monstros do Cinema Asiático 
Top 12: Realizadores de Cinema de Terror Asiático
Top 10: Revelações mais Chocantes
Top 5: Filmes para ver no dia de Halloween 
E uma entrada de que poucos se aperceberam: Top 10: Filmes de Desporto, como bónus escondido da apreciação a “Waterboys” (2001).

Em jeito de recuperação desta tradição “perdida” retoma-se aqui um dos meus conceitos preferidos, francamente sobre explorado e mal explorado pela maioria dos filmes de terror: o edifício assombrado. Se me desse ao trabalho (e tivesse tempo para tal), podia à vontade, enumerar uma centena de títulos com esta característica tão distintiva dos filmes de terror, sendo, que uns 80% seriam porcaria pura. E para demonstrar que esta tendência continua tão viva como antes, basta dizer que este ano no Festival de Terror de Lisboa - MOTELx, dos seis títulos que tive oportunidade de ver, dois tinham por pano de fundo uma casa assombrada! Imaginem então, quantos mais não houve. DISCLAIMER: a lista não se encontra organizada por nenhuma ordem específica. Não me venham cá apedrejar por que referi um em primeiro lugar e o outro está em sétimo.

1) “The Haunting of Hill House” (Reino Unido, E.U.A., 1963) – Para muitos este é o filme sobre edifícios assombrados original. Uma mansão isolada do século XIX, repleta de estórias de miséria e morte já são motivo suficiente para qualquer um desejar permanecer o mais longe possível do lugar. Então, quando um investigador do paranormal decide juntar o único herdeiro sobrevivente da casa e duas mulheres com habilidades para comunicar com o outro mundo, está bem de ver que os fantasmas que lá residem vão despertar… Tem uma das cenas mais memoráveis na criação de terror, recorrendo apenas às expressões dos actores e a duas linhas de diálogo. Existe momento mais assustador do que quando uma Eleonor amedrontada se apercebe que não era a mão confortadora de Theodora que agarrara naquela noite. “Céus! Céus! Que mão estava eu a agarrar?”

2) “Haunted Changi” (Singapura, 2010) – Aparte um cemitério, o hospital é capaz de ser um dos locais mais naturalmente vocacionados para a criação de temor nas mentes das pessoas. O velho Hospital Changi é uma das matérias-primas para o subgénero found footage mais felizes de todas. Este edifício abandonado, com cerca de 80 anos de estória, já foi reconvertido por diversas vezes, foi um quartel militar e também já atravessou dois povos invasores (britânicos e japoneses). Que estórias não escondem aquelas paredes? Em “Haunted Changi” o hospital foi convertido, tal como se apresenta nos dias de hoje, devoluto e vandalizado, no cenário para uma estória de assombração a um grupo de corajosos decidido a desvendar e documentar os segredos do hospital. “Haunted Changi” é na maior parte um fracasso e funciona melhor, quando, sem dramatização, a câmara se limita a documentar as paredes danificadas. Como se elas começassem a falar em qualquer momento.

3) “The Shining” (E.U.A.,1980) – E por falar em imaginação, o prolífico e híper-imaginativo autor de terror, Stephen King, escreveu a matéria para um dos filmes que alguns consideram o melhor de Kubrick. Uma família, um casal e o filho dirigem-se para um hotel isolado durante o Inverno, durante o qual, o pai Jack espera escrever calmamente o seu próximo livro. O filho Danny, um sensível, apercebe-se que residentes no hotel de outros tempos, não estão muito satisfeitos com a presença deles ali. Enquanto isso, o isolamento geográfico e as outras "presenças" começam a afectar a sanidade de Jack e a levá-lo, lentamente, à loucura. Entre os misteriosos habitantes do hotel estão uma velha encarquilhada e o par de gémeas mais creepy de sempre. Se uma já pode parecer assustadora existir um duplicado ainda pior é. Encurralados por um nevão, resta saber quem irá atacar Wendy e o seu filho primeiro, se Jack ou os antigos residentes. Ah e adoro o facto de no meio disto ser a mulher do casal a única com a capacidade de discernimento (vagamente), intacta.

4) “The Grudge” (Japão, 2002) – Um número extraordinário de personagens e uma casa que guarda um ressentimento além morte. Só nos recordamos de um punhado de personagens por altura do final. Este lar contrasta com as típicas mansões vitorianas de inúmeros filmes, dos quais, um dos mais recentes é “The Woman in Black” (2012). Esse tipo de mansões carregam uma aura austera própria da época já de si propicia a causar temor. Por isso, no cenário mais improvável, uma vivenda de arquitectura japonesa, tão pictoresca que só podia fazer parte de quadro. E, no entanto, todos quantos passam da soleira da porta da rua, terão um final agonizante. É a casa, o local do crime é ela que transporta a maldição que afecta todas as personagens que até podem nem ter nenhuma ligação entre si. Com um efeito tão forte e aleatório a questão que se coloca não é “se” mas “quando” e, a julgar pelo “como”, tenham muito, muito medo.

5) “The Others” (Espanha, 2001) – Vá de admitir que não sou a maior fã da Nicole Kidman. Ela adora passar por naïf, quando se sabe que, bem lá no fundo existe uma cabra à espera de vir cá para fora. Por isso, um papel onde a sua personagem é uma fanática do controlo assenta-lhe que nem uma luva. Com o final da IIª Guerra Mundial, Grace encontra-se numa mansão com os dois filhos menores, à espera que o marido combatente se junte a eles. Com uma doença que impede os pequenos de ficar expostos à luz solar ela fecha todos os compartimentos da casa como se de uma prisão se tratasse. Um descuido pode redundar na morte das crianças e ela, como controladora que é, não admite a menor falha. Enquanto “The Haunting of Hill House” assenta no terror baseado na descrição das impressões sentidas pelos actores, “The Others” é claustrofóbico, constituindo a mansão um dos actores principais.

domingo, 23 de setembro de 2012

Sessão Especial MOTELx - parte 2


Dia 3: “The show must go on” – 14 de Setembro

“Livid”, 2011 - França

O 3º dia do festival de cinema de terror de Lisboa foi uma animação. Além da presença do senhor Julien Maury (Inside, 2007), no palco da sala Manoel de Oliveira, ao vivo e a cores, a audiência teve direito a assistir a uma versão de “Livid” que até à época, só era conhecida pelos que frequentaram a sala de montagem. Mas não foi nada tão grave que deixasse a audiência lívida foi antes um momento insólito e divertido e, um momento de alívio tão necessário face à atmosfera tão pesada que por aquela altura envolvia a sala. Depois desta interrupção, a mim, ninguém me apanhou a tremer na cadeira!
Mas passando ao filme, é incrível como as pessoas se transformam quando ouvem falar em dinheiro. São capazes de adoptar as atitudes mais irracionais e perigosas. Podem até ultrapassar os limites da moralidade e da legalidade. No centro da intriga está uma mocinha bem bonita por sinal. Um das curiosidades deste Festival foi que “Livid” não seria o único filme onde a protagonista tem olhos de cor diferente, pese embora, o efeito em Lucie (Chloe Coulloud) seja bastante mais acentuado – um olho castanho e outro verde. No primeiro dia de estágio como enfermeira prestadora de cuidados ao domicílio, acaba por visitar centenária em coma Jessel, em cuja mansão se deverá esconder um tesouro. Entusiasmada com uma estória digna de uma grande aventura, acaba por se descair e revelar a hipótese ao namorado Will e ao melhor amigo de ambos. Acicatados pela possibilidade de uma vida confortável até ao fim dos seus dias eles decidem quebrar todas as regras: vão introduzir-se na casa onde apenas habita a velha em estado vegetativo e vasculhá-la até encontrar o tesouro. Repito: espanta-me a disponibilidade das pessoas para cometer actos imorais. Provavelmente não se conhecem as pessoas assim tão bem. Se calhar até estão dispostas para isso e muito mais. Depois e, outro grande problema, a meu ver é a rapidez com que se passa da conspiração à prática. Talvez se devesse tentar comprovar o rumor, depois talvez investigar as possibilidades quanto à localização do tesouro. Por fim, não sei, se calhar até era mais fácil fazer a caça ao tesouro durante um fim-de-semana. Mas nem tudo é mau. A atmosfera dentro da casa é enervante. Não sei como uma pessoa aguentaria um minuto lá dentro quanto mais uma noite inteira. E a casa não tem, de todo, a aparência de abandono. As paredes estão repletas de quadros e fotografias, o quarto da única filha de Jessel ainda tem os bonecos de brincar e os animais empalhados na sala, parecem seguir-nos com os olhos… Uma piscadela ao “Evil Dead”? O elemento medo está lá, mas chega a uma altura em que as hipóteses apresentadas se tornam cada vez mais remotas e se torna difícil criar um sério comprometimento com este filme. A suspensão da crença é essencial mas até onde consegue uma audiência ir? Por outro lado, dou por mim a reflectir sobre os finais cada vez mais insatisfatórios. É por causa da falta de criatividade generalizada ou um grau de exigência elevadíssimo de quem já viu quase tudo? Três estrelas.

Dia 4: “O Palco foram as ruas de Lisboa” – 15 de Setembro

Creio que a imagem diz tudo. “Emergo” cá me fica, para nova oportunidade.

Dia 5: “Final demasiado rápido” – 16 de Setembro

Apesar de uma primeira sessão lenta devido ao grande envolvimento com o filme, quando dei por ela, já o festival tinha terminado. Embora com aquela sensação de geekyness interna por ora satisfeita, é como se o festival tivesse terminado demasiado rápido. Pode não ter sido o ano perfeito quanto a alguns pormenores técnicos mas houve um crescimento em termos de maturidade. Há dois ou três anos, por exemplo, não conseguia imaginar não fãs de terror a assistir a algumas sessões. Há títulos, dentro do género de terror que são perfeitamente acessíveis a pessoas que têm dúvidas quanto ao género. O terror não foi sempre de carácter pornográfico, explícito, existindo bastante espaço para o comentário social e reflexão durante e pós-visualização. De resto: tremeliques? Visto. Saltos na cadeira? Visto. Risos nervosos? Visto. Sucesso.

“The Pact”, 2012 – E.U.A.

Sejamos directos sim? Este foi o meu filme preferido em todo o festival. Atenção, preferido dos filmes que vi no MOTELx, por que “The Raid: Redemption” (2011) e “Revenge: A Love Story” (2010) assisti antes. “The Pact” não é o filme mais original dos últimos anos. De facto, com sequelas infindáveis de “Paranormal Activity” e famílias que se mudam para mansões assombradas que nunca devem ter visto um filme do género antes, material do género é coisa que abunda por ai. “The Pact” não dispôs de um orçamento de milhões, nem de estrelas com tiques de divas para estragar o resultado final. O melhor foi mesmo a protagonista Caity Lotz cuja beleza gélida, me fez recordar uma das musas do Hitchcock, Tippin Hedren. Comparem as fotografias das senhoras e em seguida, observem a frieza que ambas emanam, quais rainhas de gelo. Apenas a beleza para descongelar uma eventual recepção gelada.
De louvar a coragem de McCarthy logo no inicio, suspense desde os primeiros minutos, quando substitui a personagem principal Nicole (Agnes Bruckner) por Annie (Caity Lotz). Após a morte da mãe de ambas, Nicole pede Annie que regresse à casa da família para a ajudar com os preparativos. Annie hesita mas acaba por retornar para verificar que a irmã desapareceu. Ela é uma mulher martirizada tal como Nicole que se envolveu nas drogas após uma infância traumatizante. A casa onde viviam com uma mãe religiosa austera está repleta de memórias que não a deixa à noite dormir. Antes do pesadelo começar em “tempo real” já elas tiveram uma vida difícil. Nicole revela-se uma mulher inconstante e Annie recusa uma palavra amiga de qualquer um e, de todos, desconfia. Com mentes já de si tão atormentadas e uma casa que já carrega uma forte carga negativa, que mais podem esses recantos esconder, para continuar a senda de destruição de vidas? Para um novato McCarthy demonstra uma direcção de actores bastante competente conseguindo, (imagine-se só que alguma vez faria esta afirmação), que Casper Van Diehn soe minimamente credível. Ele também concretiza uma reviravolta que quando sucede, o filme não perde o rumo nem se torna menos perturbador. Uma dica: atentem às pistas. Quatro estrelas.

“Babycall”, 2011 – Noruega

Não há duvida que a Noomi é a actriz do momento. Mas neste momento não sei se o melhor de Rapace não reside mesmo nas personagens problemáticas. Por que já em Prometheus a sua frágil Shaw não convenceu. Em Babycall a sua personagem é afectada, deglamorizada e um pouco louca a maior parte do tempo, de modo subtil. Desta feita, ela é Anna, uma mulher vítima de violência doméstica que se refugia num bloco de apartamentos com o filho Anders para escapar ao marido abusivo. Para garantir que tem Anders ao seu alcance protector Anna compra um monitor de bebés. Um dia ela ouve o grito de outra criança que não o filho. Sabendo que o filho é tudo quanto lhe resta e o poderá perder a qualquer momento, visto que ela própria tem os seus demónios ela decide investigar um pouco mais… “Babycall” é um daqueles filmes: “eu bem te avisei”, em termos de previsibilidade. As curvas e contracurvas que o argumentista nos atira pelo caminho para despistar, apenas acentuam as sensações iniciais. O problema de “Babycall” nem é sabermos que o final antecipado ocorro mas o facto de o caminho para lá chegar é penoso. Pouco ou nada de terror terá, excepto o psicológico como a possibilidade de perda de um filho ou da nossa própria sanidade. “Babycall”, nada tem de especial para nos oferecer na viagem de 96 minutos que ainda podia ser mais curta. Nem sequer tem algo de reconfortante, uma réstia de esperança para nos oferecer apesar duma vaga imagem de reposição de justiça. Quanto a vós não sei mas o desespero é uma das piores sensações para se ficar quando se sai de uma sala de cinema… Duas estrelas.

Próximo Filme: (?)

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Sessão Especial MOTELx - parte 1


Dia 1: Genérico Inicial – 12 de Setembro

“The King of Pigs” (Dwae-ji-ui wang, 2011) - Coreia do Sul

Apreciando terror como é do conhecimento geral, ou pelo menos, de quem aqui passa, decerto não passou despercebido como tive vontade de ficar todos os dias, todo o santo o dia, lá dependurada. Infelizmente houve algumas falhas graves que irei tentar colmatar, não digo nos próximos dias mas, talvez, durante os meses seguintes. Ouviram, “Emergo” e “American Mary”? O que se segue é pois o pequeno somatório das experiências cinematográficas que acumulámos (eu e os meus acompanhantes), durante os cinco dias de festival. Refeita de uma sessão pré-festival com direito a piadas sobre tarados que invadem salas de cinema aos tiros e um dos piores filmes de que tenho memória de assistir no São Jorge (“Urban Explorers” - tenham muito, mas muito medo), fiz-me então à primeira sessão que pude com exagerado optimismo. Digo exagerado porque “The King of Pigs” (2011) é capaz de ser um dos filmes mais deprimentes do festival e, aqui, notem que não estou a recorrer à hipérbole. Este filme de animação não é aconselhável a pessoas à beira do suicídio. Admitamos que até uma pessoa já com a corda ao pescoço, enquanto ouve a melodia “Baby join me in death” dos Him, tem menor probabilidade de se matar do que quem assiste, com uma já valente depressão a “The King of Pigs”. Agora, não me entendam mal, eu não disse, em nenhuma altura que “The King of Pigs” é mau, tão-somente não é adequado a pessoas num estado de espírito tão especial. Este filme é um recordar daqueles momentos que a maioria de nós estudantes, sem nenhuma habilidade particularmente boa para repelir rufias preferia enclausurar nos recantos mais distantes do hipocampo. Dois estudantes, Kyung-min (Jung-se Oh) e Jong-suk (Ik-june Yang), que acabaram por nunca fazer nada espantoso na vida adulta, recordam os velhos tempos de escola em que sofriam na pele os abusos dos “cães”. O mal de existirem “cães” é o facto de haver “porquinhos”. E estes passavam pelas sevícias mais cruéis, a pretexto de serem pobres, desengraçados, estarem naquela “idade esquisita” ou, só por que sim. Eles recordam ainda com saudade, o único colega que teve coragem de fazer frente aos agressores e toda a série de consequências que gerou tal afronta. Eles acabaram por nunca ultrapassar por completo aqueles eventos que os fizeram tornar-se homens mais cedo, cicatrizados, a nível psicológico, isto é. “The King of Pigs” é uma animação mas desencante-se quem pense que irá assistir a um filme inofensivo. Afinal de contas, o Motelx sempre é um festival de cinema de terror! “The King of Pigs” é de uma violência brutal, não só pelo que é demonstrado, mas também, pelo que se sugere. E é no poder de sugestão, mais pela via da reflexão, que se desferem os golpes mais profundos. É difícil não nos perguntarmos por que terá passado o argumentista desta animação (Sang-ho Yeon) e, de que lado da cerca se encontrava. Qualquer das hipóteses é aterradora. Quanto à animação em si, o facto de esta ser limitada e, por vezes, aquém dos níveis de qualidade a que estamos habituais no médium comercial, é inócua em termos de análise final. Esta é uma estória com mais conteúdo que outros concorrentes da animação e de live-action e é por ela que deve ser avaliada. Quem quiser deixar os fantasmas do passado dentro do armário deve afastar-se deste filme. Aqueles que quiserem defrontar um passado mal resolvido ou, tão simplesmente se vêem incapazes de levar com seriedade o mundo ficcional, podem e devem submeter-se ao terror de “The King of Pigs”. Três estrelas e meia.

Dia 2: “Vogue Fashion’s Night Out” – 13 de Setembro

Na verdade o título é só para despistar, mas esta noite tão especial coincidiu com o evento de moda mais “street” do ano. Yep. Os streetwalkers eram aos milhares, passe a piadinha ordinária. Na sala de cinema Manoel de Oliveira do São Jorge a estória era outra. Sim, a sala estava à pinha mas o participante era mais tipo pé descalço e não daqueles que veraneiam pelas ruas da baixa lisboeta, procurando a última novidade Prada ou Chanel. Mas não me creiam amargurada. Ver um filme tailandês, em estreia no grande ecrã português, é uma novelty que só um verdadeiro amante de cinema pode apreciar.

“Laddaland” (2011) - Tailândia

“Laddaland”  foi o maior sucesso de bilheteira tailandês o ano passado. Não é de estranhar, ao leme estava Sophon Sukdapisit que só tem créditos em filmes como “Shutter” (2004), “Alone” (2007), “4bia” (2008), “5bia” (2009) e “Coming Soon” (2009), qualquer deles aqui já apreciados. Ora, se à partida ia predisposta a aceitar um bom filme de terror, a verdade é que não esperava, por nada, um bom filme dramático. A isso deve-se o trabalho da argumentista de serviço, Sopana Chaowwiwatkul e a uma boa direção de actores. “Laddaland” é uma versão de um sonho americano desfeito. Thee (Saharat Sangkapreecha) é um pai de família com um único objectivo em vista: juntar toda a sua família numa casa confortável, paga por ele. Na família reina tudo menos o conforto. Sobre a felicidade conjugável paira a suspeita de que Parn (Piyathida Woramuksik) traiu o marido com o anterior patrão. E Nan (Suthatta Udomsilp), além de estar na idade perigosa, da adolescência, não esquece o sentimento de abandono provocado pelo facto de ter sido criada pela avó, já que os pais não tinham capacidade económica para tal. Apenas Nat (Apinya Sakuljaroensuk), como criança que é, está alheio a estes sentimentos e rancores. Por entre uma família cuja coesão é apenas aparente, o condomínio Laddaland esconde bastantes segredos, tais como o assassinato de uma criada birmanesa que nem depois de morta mostra sinais de querer abandonar o local. “Laddaland”, por mais assustador que possa ter sido e, vi muitos homens adultos saltar na cadeira e largar risos nervosos, enquanto as companheiras se aguentavam estoicas, não é um filme sobre o medo. Quer dizer, não sobre o medo do sobrenatural mas antes da desagregação da família, do perder do controlo dos afectos e de estes quebrarem irremediavelmente. Enquanto os familiares insistem para deixar Laddaland, Thee continua agarrado ao sonho. Por mais que as assombrações se tornem regulares e cada vez mais assustadoras, é mais importante manter a casa. A casa é o sonho. Mesmo que o emprego pareça demasiado bom para ser verdade, mesmo que todos os outros fujam. Por que a casa é o símbolo do que Thee foi capaz de fazer pelos seus entes queridos. Sem ela não tem nada para mostrar. Será que ele terá a capacidade de se afastar antes que seja tarde demais? Poderá ele abandoná-la antes que se revele o pior dentro de todos eles? Três estrelas.

“The Tall Man” (2012) - E.U.A.

Claro que nada me poderia preparar para a sessão seguinte. Não posso. Juro que não. Eu tentei com todas as forças deste físico com 58 kg. O senhor “Martyrs” (2008) afastou-se tanto desse filme que por pouco o não reconhecia. A partir da primeira reviravolta, cada músculo do meu corpo se contraia em descrença. Não podia ser assim tão mau. O primeiro problema de “The Tall Man” é a associação ao slenderman ou o homem esguio vá, não sei como se diz em português. Vamos lá desmitificar o pessoal, sim? Este filme não tem nada em comum com o personagem da lenda urbana. O tipo que aparece no meio do mato e nos faz enlouquecer de medo não faz uma única aparição em “The Tall Man”. Ele é, como o nome indica, um homem alto. Ponto. E “The Tall Man”, (também não se deixem enganar por isto), não é um filme de terror. Não, no sentido clássico. É um filme de terror se pensarmos no horror que poderá ser assistir a este filme. Isso e ver a Jessica Biel tentar representar. Como diria um velho amigo, (não é antigo, ele é mesmo velho), “a Biel só tem dois grandes talentos e eles foram bem visíveis no filme com o Sandler” ("I now pronounce you Chuck & Larry", 2007). Ela fala e… grilos. Ou isso ou o discurso que ela faz a dada altura sobre as criancinhas é assim a modos que triste, no sentido em que dá vontade de rir à gargalhada. Até uma miss teria uma actuação melhor. A Biel não deve ter visto muitos discursos de misses sobre a fome e as criancinhas e África. Ela até faz uma bonita feia, assim simples e sem maquilhagem mas isso não é nenhum esticão para qualquer actriz. Enfim, às vezes até parece competente e, assim foi, até à primeira reviravolta, o momento que marca o início do descalabro. Realmente, até ali existia alguma tensão, mistério e os momentos de acção foram bastante sólidos. Aparte talvez a sua personagem Julia ser atirada contra tudo e mais alguma coisa, sofrer um acidente de viação e mesmo assim não partir um osso do corpo. Depois claro, mas isto creio que é um apontamento apenas para os ingénuos, não há qualquer momento de brutalidade tal como em “Martyrs”. Todos os momentos de “violência” são bastante mais estilizados à la Hollywood. Alguém ainda acredita que Hollywood se arriscaria a criar um filme tal, que afugente as camadas mais jovens? Ah, quanto à estória, essa, até já me esquecia, é sobre Cold Rock, uma cidade perdida no interior dos Estados Unidos, atacada pelo flagelo da pobreza, onde as crianças começam a desaparecer misteriosamente. Diz que foi o “Homem Alto” que as levou. Onde há pessoas há sempre teorias parvas e ninguém tem o bom-senso de chamar a cavalaria! Até a Jodelle Ferland (Alessa e Sharon em “Silent Hill”), que interpreta uma pré-adolescente desconectada da realidade, parece penosamente deslocada! Laugier, que foste tu fazer? Uma estrela e meia.

Próximo Filme: “Sessão Especial MOTELx – Parte 2”

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

"Shaolin Soccer" (Siu lam juk kau, 2001)



Neste período de conturbação social e com uma ansia de escapismo crescente, (a alternativa é a depressão) a magia do cinema permite-nos esquecer, pelo menos, por alguns momentos as amarguras da vida. Ora como nem todos têm 6€ para pagar em bilhetes de cinema e, ainda menos têm acesso a convites VIP, vivam as cópias piratas e streaming online. Isto (não) foi um desabafo senhores que regulam estas coisas.
Um desabafo seria talvez admitir a necessidade de assistir a películas inócuas como modo de descansar a retina de governantes, que nem se conseguem a eles próprios convencer da legitimidade dos argumentos que apresentam e, pôr-me a ouvir discos tipo nostalgia, por que já não há paciência para Micki Minajs a assassinar a música.
Valham-nos os “tipos muito engraçados do kung fu” que parecem fazer coisas impossíveis com o corpo – aquela flexibilidade senhores, aquela flexibilidade! E mal não fará se juntarmos ao kung fu uma boa dose daquela pandemia tão bem conhecida do sexo feminino, chamada futebol. Para os mais fervorosos fãs, não, o Benfica não faz nenhuma aparência mas não se preocupem que “Shaolin Soccer” não podia ser mais divertido nem menos polémico. Stephen Chow é Sing, um artista de artes marciais tornado cantoneiro que procura um modo de globalizar o modo de vida shaolin. Ele não é propriamente inteligente senão já se teria apercebido há muito que a sua “perna de aço” e o seu talento inato para jogar futebol podiam tornar real o seu sonho. E como o destino destas coisas, (também lhe podem chamar conveniências de argumento), Sing é aconselhado por Fung (Ng Man Tat), um senhor que nos seus tempos áureos como jogador de futebol era apelidado de perna dourada até a ver quebrada por culpa do companheiro de equipa e óbvio vilão Hung (Patrick Tse Yin). Na linha do amor do ponta-de-lança encontra-se uma mocinha tímida, Mui (Zhao Wei) que faz pão com auxílio do seu magnífico domínio da arte do Tai Chi. Mui representa a estória clássica de rapariga feia vira quase Miss Universo. E que transformação, por entre borbulhas, crostas, cicatriz, cabelo tipo óleo de fritar e, pouco faltou para postulas e bubões. Os senhores da maquilhagem divertiram-se bastante a tornar a bela Zhao Wei feia.


Mas como dizia só temos dois personagens para uma equipa de futebol pelo que temos oportunidade de assistir ao divertido recrutamento e sessão de treinos dos antigos companheiros monges de Sing. Entre os companheiros encontram-se um verdadeiro cabeça dura que é um homenzinho mais cobarde e um “mãozinhas” que passava por clone do Bruce Lee, a que não é alheio o fato-macaco amarelo exactamente igual ao que a lenda do jeet kune do vestiu em “Game of Death” (1972). Todos juntos formam uma dream team, que se torna uma séria candidata ao titulo de melhor equipa do campeonato do mundo. Essa possibilidade deixa Hung a tremer, pelo que recorre sem embaraço às suas técnicas preferidas: batota. Os jogos são qualquer coisa de fabuloso. A equipa shaolin praticamente não chuta a bola, recorrendo a todo o tipo de acrobacias aéreas e à ajuda do computador para colocar a bola dentro da baliza adversária. Francamente? Alguém está à espera que a equipa maravilha perca o jogo?
“Shaolin Soccer” não tem grande estória, do início ao fim é fácil perceber que a fusão shaolin/futebol são apenas uma pretexto para apresentar uma sucessão de gags hilariantes, uns após os outros. Aos momentos de especial comicidade não é alheia a presença especial das estrelas Karen Mok e Cecilia Cheung como capitãs da “equipa do bigode”. Também as brincadeiras com comida por parte do “pequeno” irmão e a transformação física extrema de Mui estão qualquer coisa de fantástico. No meio desta paródia, a moral reside em qualquer coisa como ser perseverante e ter fair-play, que no final os justos serão recompensados. Por fim, fica a sensação que Stephen Chow nos pregou uma grande partida. De facto, pelo número de críticas e, pelas reacções por esse mundo fora ao filme duns tipos do kung fu que jogam futebol, até por quem não aprecia artes marciais é demonstrado que se calhar “Shaolin Soccer” não é assim tão inocente e cumpre para a posteridade o objectivo naif e fantástico de Sing: disseminar o kung fu pelo mundo. Três estrelas e meia.


Realização:  Stephen Chow
Argumento:  Stephen Chow, Chi-keung Fung, Stephen Fung, Wei Lu e Kang-cheung Tsang
Stephen Chow como Sing (Perna de aço)
Zhao Wei como Mui
Man tat Ng como Fung (Perna dourada)
Patrick Tse Yin como Hung (Treinador da Equipa Malvada)

Próximo filme: Sessão Especial Motelx

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

MOTELx ou paradeiro mais ou menos conhecido


Certo e sabido, como fã de terror asiático que sou, não podia deixar passar a oportunidade de ver "Laddaland" (2011) no grande écrã. O "Shaolin Soccer" terá de esperar mas é por uma boa causa.

Grande sucesso na Tailândia, onde abriu em n.º1 nas bilheteiras, e o mais lucrativo filme de terror de sempre para a distribuidora. Sukdaphisit tem créditos de argumentista em «Shutter», «Alone», «Phobia» e «Phobia 2». in MOTELx.

Precisam de mais algum argumento?

domingo, 9 de setembro de 2012

"A Tale of Two Sisters" (Janghwa, Hongryeon, 2003)



Janghwa, Hongryeon, que se pode traduzir qualquer coisa como "Flor Rosa, Lótus Vermelha", é a estória de duas irmãs que retornam ao lar após receber alta da instituição onde estavam internadas após a morte da mãe, para encontrar a nova madrasta Eun-joo (Jung-ah Yum), já lá a viver. Segue-se uma luta de poder pelo único elemento masculino da família disfuncional. A madrasta recebe Soo-mi (Su-jeong Lim) e Soo-yeon (Geun-young Moon) com deferências exageradas, imediatamente percebidas como falsas e, Soo-mi a mais velha e líder natural apressa-se a deixar claro que despreza as atenções que lhes são dirigidas.
A rejeição do novo elemento da casa, bem patente na personagem de Soo-mi, quando um dos pais volta a casar não é incomum. Na verdade estas relações não são se não um híbrido de simbiose, com a madrasta a desdobrar-se em comportamentos que a fazem parecer melhor do que na realidade é para atingir a harmonia familiar ou, pelo menos, a paz podre, enquanto se esforça para demonstrar ao marido que está a fazer tudo ao seu alcance para criar laços com as filhas de uma relação anterior.
No outro lado do espectro encontra-se Soo-mi que se recusa a reconhecer a nova madrasta, dando-lhe a entender que nunca será aceite. A madrasta nunca poderá substituir a sua mãe e, ter este pensamento sequer, é uma ofensa à sua memória. Soo-mi não se coíbe de deixar bem claro este pensamento à madrasta e ao pai Moo-hyeon (Kap-su Kim), que vê como um homem fraco. Ele devia ter sido capaz de resistir à solidão e à tentação, em honra de um amor anterior, puro e que lhe deu os dois bens mais preciosos que tem. Como pode ele negar o sangue por uma intrusa? Ela é melhor que ele por causa dessa rejeição extemporânea. Mas se Soo-mi sobressai como uma adolescente impulsiva e até malcriada, a madrasta não fica aquém de uma bruxa má. Soo-mi quer o pai só para ela e a irmã e Eun-joo quer que o marido demonstre a sua autoridade e a prefira sobre a filiação. Esta guerra que raramente ultrapassa o campo das palavras extravasa para o mundo físico quando Eun-joo começa a descarrega a sua frustração na frágil Soo-yeon. Quanto mais Soo-mi se recusa a dobrar a língua mais Eun-joo abusa Soo-yeon. Quem quebra primeiro? Quem ganha o controlo da casa e o amor de Moo-hyeon?
“A Tale of Two Sisters” baseia-se numa estória do folclore coreano, durante a dinastia Joseon denominada Janghwa, Hongryeon. O filme é uma adaptação livre pelo que o único perigo é o de reconhecermos notas simbólicos nesta ode à desarmonia familiar, provocada pela chegada de um novo elemento. Jee-woon Kim (“I Saw the Devil”, “Doomsday Book”) demonstra nesta obra um domínio da imagem e da cor apenas semelhante à de um pintor. Jee-won Kim pinta um quadro surrealista que não é perceptível na totalidade numa primeira visualização. Cada momento está carregado de simbolismo e não surge pelo prazer aleatório de se pintar uma imagem “bonita”. Onde se encontra então o factor medo? “A Tale of Two Sisters” é como a Mona Lisa. Um quadro perfeito em termos técnicos que esconde segredos sob a pintura. Além das implicações de uma família à beira da ruptura, onde Jee-woon joga com flasbacks que desorientam tanto a personagem principal como a audiência, o que não seria possível se não fosse suportado por tão espantosa actuação e o factor O, de onryo, faz a sua aparição habitual. Em 2003, o onryo era relativa novidade para o público ocidental e ainda teria um impacto superior. No entanto, “A Tale of Two Sisters” sobrevive de tensão palpável a todo o momento entre os familiares. As acusações que eles desejam fazer a todo o momento, os segredos mal escondidos, o complexo de Édipo, a síndrome de bruxa má mal disfarçado, o abuso de crianças, o desabrochar da sexualidade… “A Tale of Two Sisters” é um compêndio de tudo o que já vimos antes em termos do sobrenatural mas desconstruído de um modo que o onryo é a corporização de problemas mal resolvidos dos vivos. E com isto acabei talvez de fazer a maior revelação do filme. Parece demasiado fácil não é? Se virem “A Tale of Two Sisters” umas cinco vezes sim… “A Tale of Two Sisters” e obra-prima do k-horror não aparecem na mesma frase por acaso. Quatro estrelas.
Realização:  Jee-woon Kim
Argumento:  Jee-woon Kim
Kap-su Kim como Moo-hyeon Bae
Jung-ah Yum como Eun-joo
Su-jeong Lim como Soo-mi Bae (Janghwa)
Geun-young Moon como Soo-yeon Bae (Hongryeon)

Próximo Filme: "Shaolin Soccer" (Siu lam juk kau, 2001)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

"One Missed Call 2" (Chakushin Ari 2, 2005)



Na lista de coisas que m’atormentam em “One missed call 2”, o modo como o adjectivar, não é das menores. Existirá adjectivo que consiga albergar todo o potencial dissipado neste filme?
Se o primeiro filme não era brilhante e, ele obra de Miike pelo menos não comprometeu. Há ínfimos exemplos de experiências cinematográficas de pseudo-terror inferiores. Mas o caminho estava traçado e “One missed call 2” apenas necessitava de um golpe de génio já que a premissa por si só era fantástica: “jovens recebem chamadas de si próprios vindas do futuro, nas quais conseguem ouvir a sua própria morte”. A benção do primeiro filme, em todo o seu absurdo esplendor, o reconhecimento do mundo dos espíritos através da transmissão televisionada de uma morte, foi abandonada. Como mais uma notícia, ao sabor da agenda dos que mandam nos media, tal revelação é esquecida, uma ninharia. Todas as respostas que tantas pessoas, em todo o mundo procuram são assim, algo de secundário. Ao invés de brincar com a nova realidade, o par de argumentistas retrocede e torna a “chamada perdida” novamente, um segredo. Pior, há mais do que um fantasma a utilizar a tecnologia. Estes espíritos de hoje em dia…
Estão a ver com faço uns olhos esbugalhados na perfeição?
As duas amigas Madoka (Chisun) e Kyoko (Mimura) deparam-se com a maldição, quando durante um jantar alguém atende uma chamada que não devia e, acaba por falecer de um modo atroz. Daí a chegarem à conclusão que a culpa é do telemóvel é um ápice. Que o telefone nos distraia o suficiente para cairmos num poço ou termos um acidente de automóvel é provável e credível agora morte por possessão espírita e/ou libertação de ectoplasma (o palavrão não é meu), via telemóvel já é assim ligeiramente difícil de acreditar. Ou seria, se no primeiro filme uma rapariga não tivesse sido morte à frente das câmaras. E depois, seguindo o padrão do primeiro filme, o fantasma busca na agenda do aparelho por ordem alfabética, o nome da próxima vítima. Infelizmente, o pouco nexo da estória é ainda mais destroçado quando a pessoa errada atende o telefone e acaba por morrer. A vítima desejada não atende o telemóvel e, por isso, quem atender é quem sai na rifa? Que sucede ao pessoal que se esquivou a atendê-lo? Isto quer dizer que está safa da maldição? Mas como é que a maldição seleciona a vítima para começar? E já agora, seria de pensar que uma maldição tão poderosa não iria deixar a sua vítima original escapar incólume. Bolas, se até já envia imagens e tudo…Tudo isto para dizer que a maldição é tão aleatória que é caso para nos perguntarmos se os argumentistas não foram escrevendo toda e qualquer ideia que se lhes ia desenhando na mente…
Claro que eventualmente retornam à fórmula mais que vista, a imitação sem-vergonha e, por vezes na mesma cena de filmes anteriores. Houve uma cena em particular que levará muitos espectadores a questionar-se onde é que já viram aquilo antes. Eu respondo: Ju-on e Ringu.
E com a alusão a este último filme que tenho de me perguntar se a mulher comum não possui um único neurónio decente. Só as jornalistas é que são inquisitivas, inteligentes e destemidas? Por favor deixem-me dar mais exemplos, “The House” (2007, Tailândia), “Phone” (2002, Coreia do Sul). Se as actrizes até se safam invariavelmente bem, começa a tornar-se cansativo o esterótipo “repórter demasiado esperta para ser próprio bem”.
Parece que estou no filme errado...
Já a educadora de infância Kyoko, cuja cara horrorizada parece cómica por oposição a trágica é uma má alternativa à jornalista típica e bastante inferior à personagem da Kou Shibasaki de “One missed cal” e o namorado Naoto (Hisoshi Yoshizawa) é uma não-presença. Imaginem que têm 3 dias de vida. O que fariam? Se calhar iam aos restaurantes finos, aqueles que sempre se quis ir? Faziam coisas que sempre quiseram mas nunca tiveram coragem. Dizer que se lixe e ter horas intermináveis de sexo com o bonzão/boazona que sabem que está caidinho por vós? Não… embora ficar parado a chorar o destino inevitável, não fazendo rigorosamente nada para impedir o acontecimento mais importante das vossas vidas: a vossa morte! Ou pelo menos, curtir até lá. Pessoal… Se não tivessem telemóvel, nada disso aconteceria! Pelo menos até os fantasmas descobrirem os tablets…
Enfim, “One missed call 2” torna-se trágico a cada minuto que passa, com revelações cada vez mais improváveis a casa esquina… Nem as mortes são “dignas”, ocorrem fora do ecrã. Seria de pensar que quem teve a coragem de filmar a sequela de um filme com tanto sucesso não fosse tão cobarde na sua execução. Duas estrelas.

Realização:  Renpei Tsukamoto
Argumento:  Jae-shik Park
Mimura como Kyoko
Asaka Seto como Takako
Chisun como Madoka
Hisashi Yoshikawa como Naoto

Próximo Filme: " A Tale of Two Sisters" (Janghwa,  Hongryeon, 2003)

domingo, 2 de setembro de 2012

"The Detective 2" (B+ jing taam, 2011)



O início do fim de uma saga com potencial para se tornar um grande franchise começa numa sequela inferior ao filme original. Numa tentativa de superar, a maioria das vezes, o insuperável, os cineastas lançam-se numa corrida para ver quem é que consegue realizar o filme mais exagerado, vide “Transformers 2”. Ou então não, evitem o filme de todo. Não vale a pena ver robots maiores, mais furiosos, mais destruidores, o corpo da Megan Fox mais oleado e as suas formas ainda mais expostas ao freguês do que na primeira vez… Esqueçam o que acabei de dizer. O que pretendia afirmar é que quando um filme é tão bom que se encontra no nosso top 10 de surpresas agradáveis de 2011 (“The Detective” estreou em 2007), a ideia de uma sequela é a substância de que são feitos os pesadelos. Junte-se a isto o fenómeno Pang, isto é, sucesso – fracasso – sucesso, num ciclo ininterrupto e, temos um dos filmes mais esperados do ano.
Tam (Aaron Kwok) parece ter sido promovido de detective de terceira categoria a detective de segunda e o seu Watson, o polícia Chak (Kai Chiu Liu) continua a depender dele para conseguir resolver os casos com que a polícia do bairro chinês de Banguecoque se depara. Começando onde terminou o caso do primeiro filme “The Detective”, os acontecimentos seguintes não são particularmente felizes para os personagens. Apesar de recém-descoberta notoriedade, Tam continua a ter dificuldade em pagar as dívidas e Chak, não só não foi promovido como nunca irá progredir na carreira, já que o crédito de quaisquer avanços que faça nas investigações é-lhe roubado pelo novo superior arrogante e oportunista, Lo (Patrick Tam).
Entretanto, ocorrem uma série de mortes em circunstâncias estranhas no bairro chinês e Tam rapidamente se convence que na aparente aleatoriedade se encontra um padrão. Com Lo decidido a desvalorizar os crimes como incidentes isolados e Chak de mãos atadas, cabe a Tam, o detective de segunda categoria, desvendar o mistério e parar o que supõe ser um assassino em série.

E se Tam continua com as velhas camisas 100% poliéster, saídas de uma loja vintage, que há muito deviam ter queimadas, já as suas faculdades mentais parecem mirrar. Grande parte do que tornava Tam uma personagem tão querida do público desapareceu visto que quase não há espaço na narrativa para ele colocar em acção a sua capacidade de desenrascanço e a sua experiência baseada no senso-comum. Digamos que Tam é o oposto de um James Bond, ele não dispõe de engenhos high-tech e recorre a artimanhas artesanais, assentes na experiência. “The Detective 2” também ignora pormenores deliciosos como a música dos créditos iniciais. “Me Panda” era um pormenor delicioso e divertido que ajudava a marcar o tom do filme anterior. Na sequela é penosamente aparente que o registo vai ser bem mais sério. Ênfase no melodrama. A investigação é agridoce já que o modo como Tam chega a determinadas conclusões deixará mais de metade da audiência a coçar a cabeça. Ou então não sou assim tão inteligente, pronto!
A tensão do primeiro filme também se evapora e as personagens secundárias não são memoráveis como no primeiro filme. Desaparecem as testemunhas que em pouco menos de cinco minutos de ecrã ficavam registadas na memória de modo indelével, como por exemplo a senhora com um fraquinho por detectives delicados ou as vizinhas bisbilhoteiras com demasiado empenho em auxiliar a investigação. Permanecem as grandes cenas de perseguição, parte do factor de atracção de “The Detective”, assim como a camaradagem entre Tam e Chak, cuja amizade é desta feita mais aprofundada. São ainda apresentadas novas pistas para o mistério da morte dos pais de Tam. Com um enfoque na investigação e pouco tempo para Tam investigar as novas pistas, está bem de se ver para onde “The Detective 2” se dirige: trilogia aí vamos nós! Daqui resulta um problema óbvio, os irmãos Pang não são conhecidos por fazerem boas sequelas.
“The Detective 2” deixa a sensação de um trabalho mais polido em termos imagéticos cuja narrativa descola do conceito inicial do primeiro filme para a vulgaridade. Perde-se o caos de uma Banguecoque criminosa, as ruelas parecem menos labirínticas e obscuras que anteriormente, resultando um filme que podia ser igual a tantos outros. Duas estrelas.

Realização: Oxide Pang Chun
Argumento: Oxide Pang Chun e Thomas Pang
Aaron Kwok como Tam
Kai Chiu Liu como Chak
Patrick Tam como Lo
Beibi Gong como Ke Er/Ling Hoi Yee (adulta)
Ciwi Lam como Ling Hoi Yee (jovem)

Próximo Filme: "One Missed Call 2" (Chakushi Ari 2, 2005)