Dia 1: Genérico Inicial – 12 de Setembro
“The King of Pigs” (Dwae-ji-ui wang, 2011) - Coreia do Sul
Apreciando terror como é do conhecimento geral, ou pelo menos, de quem aqui passa, decerto não passou despercebido como tive vontade de ficar todos os dias, todo o santo o dia, lá dependurada. Infelizmente houve algumas falhas graves que irei tentar colmatar, não digo nos próximos dias mas, talvez, durante os meses seguintes. Ouviram, “Emergo” e “American Mary”? O que se segue é pois o pequeno somatório das experiências cinematográficas que acumulámos (eu e os meus acompanhantes), durante os cinco dias de festival. Refeita de uma sessão pré-festival com direito a piadas sobre tarados que invadem salas de cinema aos tiros e um dos piores filmes de que tenho memória de assistir no São Jorge (“Urban Explorers” - tenham muito, mas muito medo), fiz-me então à primeira sessão que pude com exagerado optimismo. Digo exagerado porque “The King of Pigs” (2011) é capaz de ser um dos filmes mais deprimentes do festival e, aqui, notem que não estou a recorrer à hipérbole. Este filme de animação não é aconselhável a pessoas à beira do suicídio. Admitamos que até uma pessoa já com a corda ao pescoço, enquanto ouve a melodia “Baby join me in death” dos Him, tem menor probabilidade de se matar do que quem assiste, com uma já valente depressão a “The King of Pigs”. Agora, não me entendam mal, eu não disse, em nenhuma altura que “The King of Pigs” é mau, tão-somente não é adequado a pessoas num estado de espírito tão especial. Este filme é um recordar daqueles momentos que a maioria de nós estudantes, sem nenhuma habilidade particularmente boa para repelir rufias preferia enclausurar nos recantos mais distantes do hipocampo. Dois estudantes, Kyung-min (Jung-se Oh) e Jong-suk (Ik-june Yang), que acabaram por nunca fazer nada espantoso na vida adulta, recordam os velhos tempos de escola em que sofriam na pele os abusos dos “cães”. O mal de existirem “cães” é o facto de haver “porquinhos”. E estes passavam pelas sevícias mais cruéis, a pretexto de serem pobres, desengraçados, estarem naquela “idade esquisita” ou, só por que sim. Eles recordam ainda com saudade, o único colega que teve coragem de fazer frente aos agressores e toda a série de consequências que gerou tal afronta. Eles acabaram por nunca ultrapassar por completo aqueles eventos que os fizeram tornar-se homens mais cedo, cicatrizados, a nível psicológico, isto é. “The King of Pigs” é uma animação mas desencante-se quem pense que irá assistir a um filme inofensivo. Afinal de contas, o Motelx sempre é um festival de cinema de terror! “The King of Pigs” é de uma violência brutal, não só pelo que é demonstrado, mas também, pelo que se sugere. E é no poder de sugestão, mais pela via da reflexão, que se desferem os golpes mais profundos. É difícil não nos perguntarmos por que terá passado o argumentista desta animação (Sang-ho Yeon) e, de que lado da cerca se encontrava. Qualquer das hipóteses é aterradora. Quanto à animação em si, o facto de esta ser limitada e, por vezes, aquém dos níveis de qualidade a que estamos habituais no médium comercial, é inócua em termos de análise final. Esta é uma estória com mais conteúdo que outros concorrentes da animação e de
live-action e é por ela que deve ser avaliada. Quem quiser deixar os fantasmas do passado dentro do armário deve afastar-se deste filme. Aqueles que quiserem defrontar um passado mal resolvido ou, tão simplesmente se vêem incapazes de levar com seriedade o mundo ficcional, podem e devem submeter-se ao terror de “The King of Pigs”. Três estrelas e meia.
Dia 2: “Vogue Fashion’s Night Out” – 13 de Setembro
Na verdade o título é só para despistar, mas esta noite tão especial coincidiu com o evento de moda mais “street” do ano.
Yep. Os
streetwalkers eram aos milhares, passe a piadinha ordinária. Na sala de cinema Manoel de Oliveira do São Jorge a estória era outra. Sim, a sala estava à pinha mas o participante era mais tipo pé descalço e não daqueles que veraneiam pelas ruas da baixa lisboeta, procurando a última novidade Prada ou Chanel. Mas não me creiam amargurada. Ver um filme tailandês, em estreia no grande ecrã português, é uma
novelty que só um verdadeiro amante de cinema pode apreciar.
“Laddaland” (2011) - Tailândia
“Laddaland” foi o maior sucesso de bilheteira tailandês o ano passado. Não é de estranhar, ao leme estava Sophon Sukdapisit que só tem créditos em filmes como “Shutter” (2004), “Alone” (2007), “4bia” (2008), “5bia” (2009) e “Coming Soon” (2009), qualquer deles aqui já apreciados. Ora, se à partida ia predisposta a aceitar um bom filme de terror, a verdade é que não esperava, por nada, um bom filme dramático. A isso deve-se o trabalho da argumentista de serviço, Sopana Chaowwiwatkul e a uma boa direção de actores. “Laddaland” é uma versão de um sonho americano desfeito. Thee (Saharat Sangkapreecha) é um pai de família com um único objectivo em vista: juntar toda a sua família numa casa confortável, paga por ele. Na família reina tudo menos o conforto. Sobre a felicidade conjugável paira a suspeita de que Parn (Piyathida Woramuksik) traiu o marido com o anterior patrão. E Nan (Suthatta Udomsilp), além de estar na idade perigosa, da adolescência, não esquece o sentimento de abandono provocado pelo facto de ter sido criada pela avó, já que os pais não tinham capacidade económica para tal. Apenas Nat (Apinya Sakuljaroensuk), como criança que é, está alheio a estes sentimentos e rancores. Por entre uma família cuja coesão é apenas aparente, o condomínio Laddaland esconde bastantes segredos, tais como o assassinato de uma criada birmanesa que nem depois de morta mostra sinais de querer abandonar o local. “Laddaland”, por mais assustador que possa ter sido e, vi muitos homens adultos saltar na cadeira e largar risos nervosos, enquanto as companheiras se aguentavam estoicas, não é um filme sobre o medo. Quer dizer, não sobre o medo do sobrenatural mas antes da desagregação da família, do perder do controlo dos afectos e de estes quebrarem irremediavelmente. Enquanto os familiares insistem para deixar Laddaland, Thee continua agarrado ao sonho. Por mais que as assombrações se tornem regulares e cada vez mais assustadoras, é mais importante manter a casa. A casa é o sonho. Mesmo que o emprego pareça demasiado bom para ser verdade, mesmo que todos os outros fujam. Por que a casa é o símbolo do que Thee foi capaz de fazer pelos seus entes queridos. Sem ela não tem nada para mostrar. Será que ele terá a capacidade de se afastar antes que seja tarde demais? Poderá ele abandoná-la antes que se revele o pior dentro de todos eles? Três estrelas.
“The Tall Man” (2012) - E.U.A.
Claro que nada me poderia preparar para a sessão seguinte. Não posso. Juro que não. Eu tentei com todas as forças deste físico com 58 kg. O senhor “Martyrs” (2008) afastou-se tanto desse filme que por pouco o não reconhecia. A partir da primeira reviravolta, cada músculo do meu corpo se contraia em descrença. Não podia ser assim tão mau. O primeiro problema de “The Tall Man” é a associação ao
slenderman ou o homem esguio vá, não sei como se diz em português. Vamos lá desmitificar o pessoal, sim? Este filme não tem nada em comum com o personagem da lenda urbana. O tipo que aparece no meio do mato e nos faz enlouquecer de medo não faz uma única aparição em “The Tall Man”. Ele é, como o nome indica, um homem alto. Ponto. E “The Tall Man”, (também não se deixem enganar por isto), não é um filme de terror. Não, no sentido clássico. É um filme de terror se pensarmos no horror que poderá ser assistir a este filme. Isso e ver a Jessica Biel tentar representar. Como diria um velho amigo, (não é antigo, ele é mesmo velho), “a Biel só tem dois grandes talentos e eles foram bem visíveis no filme com o Sandler” ("I now pronounce you Chuck & Larry", 2007). Ela fala e… grilos. Ou isso ou o discurso que ela faz a dada altura sobre as criancinhas é assim a modos que triste, no sentido em que dá vontade de rir à gargalhada. Até uma miss teria uma actuação melhor. A Biel não deve ter visto muitos discursos de misses sobre a fome e as criancinhas e África. Ela até faz uma bonita feia, assim simples e sem maquilhagem mas isso não é nenhum esticão para qualquer actriz. Enfim, às vezes até parece competente e, assim foi, até à primeira reviravolta, o momento que marca o início do descalabro. Realmente, até ali existia alguma tensão, mistério e os momentos de acção foram bastante sólidos. Aparte talvez a sua personagem Julia ser atirada contra tudo e mais alguma coisa, sofrer um acidente de viação e mesmo assim não partir um osso do corpo. Depois claro, mas isto creio que é um apontamento apenas para os ingénuos, não há qualquer momento de brutalidade tal como em “Martyrs”. Todos os momentos de “violência” são bastante mais estilizados à la Hollywood. Alguém ainda acredita que Hollywood se arriscaria a criar um filme tal, que afugente as camadas mais jovens? Ah, quanto à estória, essa, até já me esquecia, é sobre Cold Rock, uma cidade perdida no interior dos Estados Unidos, atacada pelo flagelo da pobreza, onde as crianças começam a desaparecer misteriosamente. Diz que foi o “Homem Alto” que as levou. Onde há pessoas há sempre teorias parvas e ninguém tem o bom-senso de chamar a cavalaria! Até a Jodelle Ferland (Alessa e Sharon em “Silent Hill”), que interpreta uma pré-adolescente desconectada da realidade, parece penosamente deslocada! Laugier, que foste tu fazer? Uma estrela e meia.
Próximo Filme: “Sessão Especial MOTELx – Parte 2”