Unsettling. Esta palavra pode ser entendida na língua portuguesa como inquietante ou perturbadora. Ainda assim, perde a força na tradução. Como se as palavras não conseguissem suportar em toda a dimensão o desconforto que se pretende apontar. Unsettling tem sido uma das palavras mais repetidas nas últimas semanas, aqui como na imprensa internacional a respeito do filme “Hereditary”(2018). É a segunda vez que a aplico num espaço de três meses a respeito de um filme, depois de “Annihilation”. Curiosamente, (ou talvez não), estão ambos no meu top 5 de filmes de 2018, sendo que descrever qualquer um deles como um filme de terror é apenas redutor.
“Annihilation” é a adaptação do
primeiro capítulo da trilogia literária “Southern Reach” de Jeff Van derMeer,
que acompanha uma expedição de cientistas à Área X. Onde antes se encontrava um
parque natural está agora uma região isolada envolvida por espécie de campo electromagnético
conhecido como “The Shimmer” ou “O Brilho”. Apesar das similitudes com um “The
Simpsons Movie” (2007) ou a obra “Under the Dome” de Stephen King mas as referências
não se ficam por aqui seja na temática ou no estilo. “Blade Runner” (1982) “Under
the Skin” (2013) flutuam à mente.
Têm sido enviadas sucessivas expedições científicas e
militares para explorar uma zona chamada Área X mas até ali nenhuma das missões voltou a comunicar com o exterior. Lena,
interpretada por uma fria Natalie Portman, é uma professora de biologia e
ex-militar ainda a lidar com a dor do desaparecimento do marido Kane (Oscar
Isaac) após este partir numa missão – adivinharam – à Área X. Um dia ele surge como
por magia em casa de ambos. A alegria do regresso mistura-se à certeza de que
Kane já não é a mesma pessoa que partiu. Determinada a compreender o que
sucedeu a Kane e salvar o marido de uma maleita súbita que se abate rápida e furiosa sobre
ele, Lena junta-se a uma expedição feminina de cientistas à zona misteriosa.
A equipa inclui a Dra. Ventress, (Jennifer Jason Leigh) uma psicóloga
pragmática com um segredo; Anya (Gina Rodriguez), Shepard (Tuva Novotny) e
Josie (Tessa Thompson), especialistas em diversas áreas do conhecimento com
passados sombrios e motivos muito próprios para encetarem uma viagem ao
desconhecido da qual poderão não regressar. Escusado será dizer que após entrar
em “The Shimmer” já não estão no Kansas. Tudo é igual e em simultâneo
diferente. Para citar um cientista: “na Natureza nada se cria, nada se perde,
tudo se transforma”. E mesmo as próprias cientistas, cuja percepção do tempo
também se encontra difusa sentem a permanente transformação. Imaginem o Brilho
como uma grande liquidificadora onde animal, planta ou o minério se misturam e
são cuspidos com uma nova forma. A esse respeito refira-se uma das criaturas
com um dos designs mais originais e aterradores que surgiram em cinema
ultimamente, a par de um “The Ritual”. Ambos com orçamentos muito modestos para
os resultados apresentados. Durante vários dias, não se falava de outra coisa nas
redes sociais, se não, naquela CENA. Naquela besta. Claro que podemos falar de
aberrações mas também podemos falar de evolução. Porque no Brilho é como se
estivessem num novo planeta, e numa nova atmosfera há novas regras. Não serão
as cientistas, o elemento estranho? Não serão elas as aberrações? A própria banda-sonora acentua a sensação de estranheza à medida que os instrumentos de percussão dão lugar a sintetizadores. O orgânico, natural, dá lugar ao que é artificial, alvo de intervenção externa.
Alex Garland retoma em
“Annihilation”, temas que já o obcecavam em “Ex Machina” (2014), como o que
significa ser humano e como é que essa humanidade se manifesta. Incidentalmente,
as personagens, que identificamos enquanto humanas e sabemos serem humanas, parecem
desconectadas de tudo e quando demonstram sinais de humanidade não é bonito o que se vê. Lena em particular representa o Homem com
todas as suas idiossincrasias. Ela é profundamente egoísta e é por isso que
decide incorrer na Área X. Ela sente
uma tremenda culpa e sente que se fizer aquilo, irá expiar o seu pecado e ter
um final feliz. Um dos maiores pecados de “Annihilation” encontra-se nas
sucessivas analepses e prolepses, com exposição
desnecessária sobre os motivos de Lena e o seu apetite por auto-destruição, que nos é repetido e insinuado ínfimas vezes bem como o relato na primeira pessoa dos eventos que ocorreram na Área X a terceiros. Ainda assim, “Annihilation” incorre onde poucos foram antes e tiveram sucesso. Estranho pode ser bom. Quatro estrelas.Realização: Alex Garland
Argumento: Alex Garland e Jeff VanderMeer (Livro)
Natalie Portman como Lena
Benedict Wong como Lomax
Oscar Isaac como Kane
Jennifer Jason Leigh como Dra. Ventress
Gina Rodriguez como Anya Thorensen
Tuva Novotny como Cass Sheppard
Tessa Thompson como Josie Radek
Próximo Filme: "The Lies she Loved" (Uso wo Aisuru Onna, 2017)