Sabem aquele filme que sempre que dá na TV não conseguem desligar-se e vêem até ao fim? Aquele filme que todos acham um pouco parvo mas do qual vocês gostam secretamente? Lembram-se daquele velho filme que está gravado em VHS e não conseguem deitar fora? Ou que já viram tanto que a fita até já está meio estragada? Escrevam um texto, não uma crítica, mas uma confissão, sobre um filme da vossa preferência: o vosso guilty pleasure, sem medos ou censura, um “Pecadilho das Horas Vagas. O confessionário é vosso.
Quando fui convidado para participar nesta rubrica pensei que iria ser fácil. Afinal, o que não faltam para aí são filmes maus pelos quais nutrimos um certo carinho, seja porque razão for. Pois bem, pensei tanto nos primeiros dias que não fui capaz de encontrar um filme que se enquadrasse no conceito de ‘guilty pleasure’ como eu o vejo: um filme daqueles tão maus que só nós é que gostamos deles e somos capazes de o ver milhentas vezes, mesmo que nos expliquem que aquilo não é nada de jeito. Qual foi a dificuldade? Apesar de gostar de ver filmes maus, mesmo sabendo ao que vou, não é daquelas coisas que goste de repetir.
Esta angústia durou até que estava a escrever sobre um filme de um dos meus realizadores preferidos, um senhor chamado John Carpenter. Foi aí que me lembrei que também os grandes mestres têm falhas no currículo, mas para os fãs essas falhas até podem ser bons filmes. Falo de "Fantasmas de Marte", uma espécie de western espacial que é visto por muitos como um dos piores filmes do Carpenter. Confesso que não é dos meus filmes favoritos do realizador, mas gosto de o ver e já tive mesmo a oportunidade de o rever. E voltei a gostar.
Será a história? Um grupo de polícias destacado no planeta Marte que tem de ir a uma colónia buscar um criminoso daqueles bastante perigosos, ou em linguagem chunga, maus como as cobras. Chegados à colónia os agentes reparam que algo está mal quando encontram os tais fantasmas que dão título ao filme. Mais básico e série z não podia ser. Serão as interpretações? Quando temos um vilão interpretado por Ice Cube, que tem tanto jeito como actor como Ed Wood tinha para realizar filmes, está tudo dito. Também não é por aqui que o filme possa valer a pena. Do resto do elenco poucos escapam, incluindo Pam Grier, que Quentin Tarantino tentou recuperar quando fez «Jackie Brown», ou Jason Statham, um dos principais actores de acção da actualidade, aqui num dos seus primeiros papéis de relevo em Hollywood.
O que mais gosto em "Fantasmas de Marte" é precisamente a forma como está filmado. Tudo o resto (e há tanto por onde pegar se formos por aí) é acessório. John Carpenter consegue fazer de um filme que tinha tudo para ser mau, mas que até se vê bem. E nos faz pensar (e, porque não, tremer de medo), pelo menos a mim, o que seria de "Fantasmas de Marte" se na cadeira do realizador estivesse outra pessoa? Ou então, se calhar, o facto de ter o nome do realizador no título ainda produz algum efeito psicológico em quem o vê e torna este filme num dos meus guilty pleasures.
O meu grande agradecimento ao Projeccionista por ter aceite o meu convite e nos revelar o primeiro "pecadilho".
Isto de ter um blogue é muito engraçado. Começa por um ou dois textos, algumas dúvidas iniciais, os primeiros comentários simpáticos, muita persistência e, enfim, o reconhecimento de que este não é apenas um hobby. Faz parte de nós e queremos fazer mais e melhor. Assim, vão nascendo ideias que não param de fervilhar nas nossas mentes inquietas. Uma delas tanto insistiu que acabou por tomar a forma de “Pecadilhos das Horas Vagas”.
Estes pecadilhos são confissões de alguns bloggers de cinema sobre alguns dos seus guilty pleasures preferidos. O objectivo desta rubrica é desconstruir o crítico de cinema até à sua forma mais natural, a pessoa que vê filmes e os aprecia, sem qualquer tipo de racionalidade.
Os “Pecadilhos das Horas Vagas” terão a sua primeira aparição este domingo, dia 24. Vou continuar a contactar alguns bloggers, por isso, não se admirem se, um dia, encontrarem este texto na vossa caixa de correio.
Sabes aquele filme que sempre que dá na TV não consegues desligar-te e o vês até ao fim? Aquele filme que todos acham um pouco parvo mas tu gostas secretamente? Lembras-te daquele velho filme que está gravado em VHS e não consegues deitar fora? Ou que já viste tanto que a fita até já está meio estragada? É isso... Queria que fizesses um texto, não uma crítica, mas uma confissão, sobre um filme da tua preferência: o teu guilty pleasure.
Se quiserem juntar a vossa confissão aos “Pecadilhos”, entrem em contacto nos comentários, redes sociais ou enviem um e-mail, com a vossa proposta, identificação e link do blog (se o tiverem).
Existe maior golpe publicitário do que juntar duas das actrizes que mais atraem os espectadores ao cinema? Foi exactamente isso que a Star Entertainment e a Viva Films, duas produtoras filipinas fizeram em 2006, quando juntaram as duas maiores sex symbols do país. Na altura, Anne Curtis e Kristine Hermosa competiam entre si para ver qual das duas era a rainha das bilheteiras até que em 2010, Hermosa se retirou (vamos ver até quando), para se dedicar à família. Como se não bastasse, recrutaram dois cineastas para realizar cada um dos capítulos do filme. O resultado é tão desigual que se não soubéssemos, diríamos que estávamos a ver dois filmes diferentes.
“Lullaby” (Uyuayi)
Melissa (Anne Curtis) é enfermeira no hospital do Anjo da Misericórdia que está envolto em controvérsia. Os pacientes do sexo masculino internados no hospital estão a ser afectados por uma aflição que culmina com a sua morte durante a madrugada. Os órgãos de comunicação social estão obcecados com o evento e James (Marvin Agustin), o namorado jornalista de Melissa, aproveita a oportunidade para conseguir um exclusivo. Contra os desejos de Melissa que suspeita do sempre indisposto Dr. Carl (Raymond Bagatsing) faz-se internar. Todas as noites, às 3 da manhã, o hospital parece entrar numa outra dimensão e Melissa, que está no turno da noite, testemunha fenómenos que a fazem temer por James.
“Mirror” (Salamin)
Rosing (Cherry Pie Picache) muda-se com as duas filhas Angel (Kristine Hermosa) e Nina (Celine Lim) para um velho casarão após o marido a ter trocado pela amante. A penúria obriga-as a mudar-se e a antiga mansão com poucas condições de habitabilidade é o melhor que as suas poupanças podem custear. Um dia, enquanto Angel e a sua irmã mais nova exploram a casa, deparam com um espelho e acidentalmente invocam espíritos. Os dias passam e a somar aos fenómenos paranormais que se apoderaram da casa, elas não se conseguem entender com os homens das suas vidas. Além dos inúmeros problemas existentes irão descobrir que a casa guarda o seu próprio segredo terrível.
Entra o hospital assombrado, tema recorrente e pouco rebuscado. É típica historieta, “escrita de argumentos para totós” ou pelo menos recém-licenciados. Um dos grandes argumentos a favor do terror é o medo da morte. Que lugar mais próximo da morte que um hospital? Filmes de terror ocorridos num hospital não são novidade para as audiências ocidentais, nem sequer para as orientais as quais podem escolher entre muitos outros títulos como “Infection” (2005) e “Haunted Changi” (2010). Felizmente, o primeiro capítulo, realizado por Quark Henares funciona bem por si próprio. Podia ser apresentado em qualquer festival como uma curta-metragem. Se ao menos tivessem ficado por ali… Anne Curtis, a morena de traços regulares mas suaves está perfeita no papel de anjo branco. E Marvin Agustin como jornalista demasiado curioso para ser próprio bem é a contra-parte adequada à suavidade que Curtis transporta para o ecrã. Melhor, só a química entre os dois, que proporciona momentos de descontração e fornece um retrato realista de um parzinho apaixonado. Quark Henares sabe tirar partido do cenário através de longas sequências dos corredores do hospital durante as horas de pouco movimento. Mas o argumento não está isento de problemas. Para começar, um internamento, meus amigos, não é a decisão mais fácil deste mundo. Uma pessoa não é internada por que tem uma dor de barriga e, mesmo assim, levava com uma carrada de medicamentos caros para o bucho e era mandada para casa. Em segundo lugar, nunca se admite a possibilidade de que os acontecimentos têm uma explicação racional. A bem do suspense, seria interessante identificar sugestões de paranóia colectiva, imaginação hiperactiva ou até, sei lá, uma fuga de um gás ou qualquer coisa que pudesse provocar alucinações nos pacientes. Ademais, a morte num hospital não é propriamente de estranhar. E se apenas sucede nos pacientes masculinos… Uma predisposição genética talvez?! Dispensável de todo era o vídeo à la “Ring” (1998) que é mostrado a dada altura e o qual nunca é repescado. Não passa de uma pista errada, de um erro de amador que não está para se chatear ainda que o efeito seja tão perturbador quanto o pretendido. Por fim, e perante a hipótese de um assassino, fica por explorar a sua psique como se de um Jack Torrence se tratasse. A transição é demasiado radical e como tal, pouco impactante.
Por fim, a Hermosa e que fermosa ela é. Beleza etérea, clássica mesmo, uma paixão à primeira vista para a câmara. Pois que a direcção de Sineneng retira partido da sua beleza com close-ups constantes. Um das poucas mais-valias da sua realização. Passamos então do lugar-comum hospital assombrado para a casa assombrada, com menor eficácia. A câmara muda repentina e temo dizê-lo, também a direcção de actores. O que Anne Curtis fez de bem em “Lullaby” como a enfermeira suave é perdido no exagero de “Mirror”, onde passa por todos os tiques irritantes de actriz estreante num filme de terror. O capítulo dirigido por Sineneng dá origem a um final inglório para “Don’t Turn Away”. Desde a câmara mais vulgar ao cenário insipido, introdução de personagens várias que nada fazem para a história avançar e algumas opções de montagem duvidosas. Tenho sérias dúvidas que os realizadores tenham visto o trabalho do outro e que o filme não seja mais do que uma obra remendada. Quando se dá a reviravolta e as pontas soltas são atadas, não é como se não existisse já uma suspeita da verdade. Face à insuficiência do argumento, é difícil não nos questionarmos por que é que o estúdio optou por ter dois realizadores e retirar coesão a um produto já de si deficitário. É um daqueles casos em que as manobras de marketing são mais importantes para a obtenção de receitas de bilheteira do que o incentivo à qualidade do produto. Duas estrelas.
Capítulo #1
Realização: Quark Henares
Argumento: Ricky Lee
Anne Curtis como Melissa
Marvin Agustin como James
Raymond Bagatsing como Dr. Carl
Capítulo #2
Realização: Jerry Lopez Sineneng
Argumento: Ricky Lee
Kristine Hermosa como Angel
Cherry Pie Picache como Rosing
Celine Lim como Nina
Soliman Cruz como Nestor
Anne Curtis como Nina
Marvin Agustin como James
Quero fazer um shout out à malta porreira do Espalha Factos e, em particular, à sua editora de cinema, a Inês Moreira Santos por terem aceite e até encorajado as minhas ideias malucas e me deixarem criar uma nova rubrica sobre um tema improvável: wuxia.
A partir de hoje e sempre às terceiras-feiras, escrevo uma rubrica para o Espalha Factos "Heróis de Outrora, Heróis de Agora". A primeira já lá está e é sobre um "herói", como convém. Para adoçar ainda mais o apetite aqui fica uma apresentação da rubrica:
Wuxia é um género literário e cinematográfico que mistura fantasia e artes marciais. Wu significa “marcial” ou “militar” e xia, significa “honrado” ou “herói”. Com uma origem que se perde no tempo, as histórias Wuxia contam as lendas de guerreiros de artes marciais, que com um grande sentido de honra, muito estudo e supressão dos seus próprios sentimentos em nome de um bem superior, conseguem ultrapassar todas as adversidades. Heróis de Outrora, Heróis de Agora é uma retrospectiva cinematográfica de como o século XXI (2000-2010), foi repescar estas estórias milenares e as actualizou aos dias de hoje, sem desprezar os seus antigos valores.
PS: Não se esqueçam de visitar e comentar pois é o vosso feedback, que nos permite melhorar a cada dia que passa.
Estudar medicina pode ser um simples exercício de memorização até que chega a hora da verdade. Existe aquele momento importante em que se passa da teoria à acção e é solicitado ao estudante que opere sobre a máquina extremamente complexa que é o corpo humano. Mas os melhores só se distinguem dos teóricos quando chega a altura de explorar o corpo humano em carne e osso. Seis alunos formam um grupo improvável: Sun-hwa (Ji-min Han) a rapariga boazinha, o líder natural Ki-beom (Tae-gyeong Oh), a ratinho de biblioteca Eun-joo (Soy), o gordo Kyung-min (Won-joo Moon), a promiscua Ji-yeong (Yoon-seo Cha) e Jung-seok (Joo-wan On) o menino do papá , bem-parecido e com dinheiro como convém. Agora que chegou a altura de separar os incompetentes dos futuros médicos vale tudo. Os mais ambiciosos apontam com a precisão cirúrgica de um profissional os mais fracos e provocam a excisão do tumor. A selecção natural inicia-se na primeira aula de anatomia. O grupo é confrontado com o cadáver de uma bela mulher com a tatuagem de uma rosa no seio. Sun-hwa tem uma sensação estranha quando disseca o cadáver. Compreensível, certo? Eun-joo é a primeira a ceder à pressão e é humilhada pelo Dr. Han (Min-gi Jo), um homem extremamente reputado no seio da comunidade científica. Porque será que todos os grandes professores na universidade são uns estupores inveterados? Requisito de profissão?
Com o aproximar da época de exames aumenta o nervosismo e os alunos recolhem aos dormitórios para se embrenharem nos livros. A faculdade é abalada pela morte brutal de uma aluna na morgue. A polícia inclina-se para a tese de suicídio derivada a intensa pressão à qual os estudantes estão sujeitos. Estes não se sentem seguros visto que as mortes vão-se sucedendo a um ritmo vertiginoso. O grupo de amigos, liderado por Sun-hwa (Ji-min Han) junta-se para investigar o caso e cedo se debruçam sobre o cadáver da aula de anatomia. Estranha causa-efeito mas enfim.
“The Cut” sofre do mal que se abateu sobre o cinema sul-coreano na última década: a repetição a que se junta uma tremenda falta de imaginação. Como se uma primeira ideia tivesse sido preservada em formol, ressequida com a passagem do tempo mas reutilizável. Verifica-se a inexistência de um desejo colectivo no sentido de efectuar um corte profundo no ideário institucionalizado no cinema de terror coreano. Há apontamentos aqui e ali, que fogem ao status quo mas não se preocupem que os estúdios estão atentos e decerto encaminharão os cineastas vindouros para o que fizeram os antecessores e, pasme-se, copiá-los. Há quem lhe chame homenagem, mas dez anos de homenagens parece-me exagero.
No entanto, existe uma cena singular no departamento dos sustos, no primeiro capítulo da película. Tentem imaginar o seguinte cenário: ficarem fechados na morgue sozinhos durante toda a noite. Não é para fracos de coração (acreditem que o trocadilho terá muito mais piada quando se dispuserem a ver o filme). Além disso, o argumento incorre em dois erros graves. A narrativa começa por matar uma das personagens mais empáticas em todo o filme e o nosso grupo de estudantes é demasiado grande. Dois ou três bastavam. Para quê cinco ou seis personagens decorativas com pouca ou nenhuma participação na desmistificação do mistério que vão ser mortas de qualquer modo? Antes uma parelha inteligente e depois centena e meia de mortes. Who cares?
O resto é um filme de terror standard: segredos antigos mal escondidos, diga-se de passagem, uns culpados que não conseguiam ostentar um ar mais menos suspeito mesmo que tentassem e claro, personagens descartáveis ao menor sinal de aborrecimento do enredo. Como não podia deixar de ser e por que os argumentistas coreanos gostam de complicar (que isso é uma coisa boa, atenção), entra-se no thriller sobrenatural com direito a incursão breve e pouco substancial no território da experimentação científica. Não há nada ao nível de um Frankenstein ou de uma ilha do Dr. Moreau. Mas é demasiado pouco, demasiado tarde. Para os fãs de K-horror é mediano. Para os restantes é sofrível. Estão a ver a diferença? Duas estrelas.
Realização: Derek Son
Argumento: Soon-wok Jeon
Ji-min Han como Sun-hwa
Tae-gyeong Oh como Ki-beom
Joo-wan On como Jung-seok
Min-gi Jo como Dr. Han
Soy como Eun-joo
Won-joo Moon como Kyung-min
Yoon-seo Cha como Ji-yeong
Próximo Filme: "Don't turn Away" (Wag Kang Lilingon, 2006)
De mansinho ela chegou mas em Grande Arrancou! A SciFiworld Portugal abriu oficialmente “portas” ontem mas já tem uma mão cheia de artigos, críticas e notícias fresquinhas.
Na SciFiworld, podem finalmente explorar a vossa paixão pelo fantástico através do cinema, conduzida por uma ainda pequena mas não menos dedicada equipa, à qual admito, não sem uma pontinha de vaidade, pertencer.
Quando o Nuno Reis desafiou a comunidade da blogosfera e amantes do fantástico a colaborar neste projecto não consegui resistir. A oportunidade de divulgar o cinema asiático de terror a um público mais abrangente é demasiado boa para desperdiçar. Mas não temeis! O Not a Film Critic, não vai a lado nenhum! Entretanto, e por que o portal é o que vocês quiserem fazer dele, sugiro que passem por lá, que façam sugestões e comentários e que nos sigam nas redes sociais.
A querida, precoce Alice de 16 anos era a princesinha dos olhos dos seus pais. Ela foi abençoada com todas as qualidades que os pais extremosos vêem nos filhos. Linda, estudiosa, sociável e até já tinha namorado. Ela não seguia ninguém, ela é que era a rapariga popular, uma líder natural. Um dia, durante um piquenique familiar, foi nadar e não voltou mais. Assim, começa o pesadelo de qualquer pai. Mas a morte é apenas o início. Meses depois da sua morte, Alice parece tão presente como quando estava viva. Os Palmer estão numa profunda depressão e os indícios de Alice nos vislumbres, nos cheiros e nas impressões em tudo quanto tocou em vida, são demasiado fortes para ignorar. Os pais estão por demais fragilizados e mandam exumar o corpo. “É Alice. Ela morreu. Ela ainda está connosco.” Matthew (Martin Sharpe), o único filho sobrevivente dos Palmer, decide montar câmaras na casa e captar o que acreditam ser as manifestações de Alice, além-vida. O que descobrem deixa-os chocados. Eles irão descobrir que Alice, a sua querida Alice, escondia segredos e podia não ser a menina que todos julgavam.
Está dado o mote para o falso documentário de Joel Anderson. Insisto que suspendam por um momento as evidentes associações mentais a “Blair Witch Project” (1999) e “Paranormal Activity”(2007) e entrem neste esquema de mente aberta. A obra de Anderson está mais perto de Lynch em “Twin Peaks” (90-91) do que dos filmes de found footage anteriormente mencionados. Não é por acaso que a família se chama Palmer e muito menos coincidência será que acompanhemos o rumo dos que a rodeavam, como forma de obter o retrato psicológico de Alice. Ela não é nenhuma Laura mas estava tão perdida quanto ela. Do mesmo modo se pode encontrar semelhanças em “Shutter” (2004), com o mesmo fervor da esperança de “um fantasma dentro da máquina”. Em última análise, são estas duas fontes de inspiração, simultaneamente, as suas maiores forças e fraquezas. “Lake Mungo” deseja ser um filme de fantasmas ou um drama familiar sobre a perda?
“Lake Mungo” não é um filme feito a partir de um vídeo que foi encontrado relatando fenómenos do paranormal que afectaram todos os envolvidos para nunca mais serem encontrados… Esse tema já era, por favor. A narrativa de “Lake Mungo” foca-se nos que sobrevivem a Alice e ao modo de lidar com a sua morte. Filmado estilo documentário para televisão, assistimos ao desmoronar e tentativa de reconstrução de uma família que sofreu uma perda inimaginável. São efectuadas entrevistas aos pais, irmão, amigos e conhecidos de Alice que vão descrevendo os seus últimos passos e estado de espírito antes do acidente. Estes momentos sérios, emocionais até, sobretudo após as declarações da mãe June (Rosie Traynor), são intercalados com os vídeos caseiros onde se vê uma Alice alegre. Existe mais do que uma reviravolta no argumento, incluindo a entrada em cena de um médium com um papel mais relevante do que à partida se supunha. Steve (Ray Kemeny) é capaz de ser o médium mais realista alguma vez retratado em tela. E ele ajuda a desvendar o mistério que envolve Alice do modo mais terreno possível. Mas tudo isto é tolerável. Noutro filme, o cineasta podia cair na tentação de exagerar mas, Joel Anderson, não se afasta um milímetro do estilo documentário, por oposição a um qualquer pretensiosismo cinematográfico. O elenco, composto sobretudo por desconhecidos é globalmente bom. Todos eles desempenham os papéis mais difíceis para um actor: representar que não estão a actuar. A naturalidade dos desempenhos surge tão fácil que qualquer pessoa que não saiba que “Lake Mungo” é um filme, julgará estar a ver um documentário real. Rosie Traynor é a maior força do filme, por todas as reviravoltas e subenredos cada vez menos credíveis, a sua June Palmer, que alterna entre aturdida e dormente é um grande retrato de uma mãe em sofrimento. Evita todos os tiques e os lugares-comuns associados a tão grande emoção. Traynor transmite uma calma e, por vezes, uma ausência, aquela de quem se perde no horizonte e não consegue, ainda hoje, retirar sentido do que sucedeu. E por fim, a tragédia, por realizar que não conhecia a filha como julgava, que a sua menina se sentia perdida e por ter falhado na sua protecção. Todas aquelas falhas e todos os “e se” com que nos deparamos quando já é tarde demais.
A acompanhar o elenco sólido está um trabalho magnífico de sonoplastia e do compositor Dai Peterson, cuja subtileza contribui grandemente para a construção da tragédia.Esta é apenas acentuada pela sugestão de assombração, embora a película reúna, durante os 87 minutos de duração, uma aura misto de assustador e desconcerto. “Lake Mungo” não é um filme fácil. A morte de uma adolescente assombrada pelos seus próprios demónios, não é nenhuma matiné da tarde. O epílogo pode mesmo provocar o ressentimento ou até revolta da audiência perante as opções do cineasta. Um conselho: façam uma introspecção sobre o que valorizam em cinema. Desejam finais felizes ou finais que vos façam reflectir? Quatro estrelas.
Realização: Joel Anderson
Argumento: Joel Anderson
Rosie Traynor como June Palmer
David Pledger como Russel Palmer
Martin Sharpe como Matthew Palmer
Thalia Zucker como Alice Palmer
Steve Jodrell como Ray Kemeny
Parece um título mal traduzido não é? Pois é mesmo esse o nome. “Where got Ghost” é um tríptico de comédia/terror que ocorre durante o “Mês dos Fantasmas Esfomeados”. Traduzido assim à letra não parece grande coisa, mas é uma celebração levada muito a sério pelas populações do sudeste asiático, nomeadamente, Singapura, Malásia, Taiwan e China. O mês dos fantasmas ocorre durante o sétimo mês do calendário lunar chinês (Agosto) durante o qual a população faz oferendas aos mortos para o seu apaziguamento e obtenção das suas bênçãos (isto numa versão ultra resumida).
O mês dos fantasmas fornece uma ampla fonte de inspiração para o cinema devido às suas imensas ramificações e ritos, consoante as diferentes regiões. “The Maid” (2005) é o filme mais aclamado sobre o tema e até já foi realizado um documentário sobre a época.
As curtas:
“Roadside got Ghost” - Três trafulhas arranjam um novo esquema para sacar dinheiro aos mais incautos. Eles telefonam para vários números da lista telefónica a “dar os números da sorte” para o próximo sorteio da lotaria. Os vencedores são depois convidados a ceder-lhes voluntariamente uma comissão generosa ou a vê-la ser extraída à força! O esquema corre bem até que o chefe dos vigaristas recebe uma chamada em género de imitação do esquema que ele próprio criou. A princípio desvaloriza-a mas aposta os números de qualquer modo. Quando ganha um prémio, começa a ser pressionado para cumprir a sua parte do acordo…
“Forest got Ghost”- Há um exercício militar na floresta. Dois “reservistas” preguiçosos decidem ignorar os repetidos avisos dos seus instrutores e quebram todas as regras. Eles usam dos mais diversos artifícios para chegar ao destino sem grandes convulsões e saem do caminho traçado. Mas nada os podia preparar para a série de eventos que desencadearam sobre si quando desrespeitaram as regras dos superiores…
“House got Ghost” - Passou um ano desde a morte da sua querida mãe. Três irmãos continuam diligentemente a fazer-lhe pedidos de fortuna mas parece que esta nunca mais chega. Entretanto, um conhecido que exerceu os mesmos rituais de benesse é bafejado pela fortuna. Os três irmãos decidem que chegou a hora de desistir dos ritos e deixar a sua mãe seguir em paz para o outro mundo. O que eles não sabem é que ela não desistiu deles…
Sobre os filmes:
Assim à primeira vista, sobressai uma película no seu todo, muito masculina. Os papéis principais estão todos entregues a Eles. As mulheres, com uma única excepção, são a contraparte, unidimensional diga-se, Deles e quando se espera algo mais delas, são as vilãs. Demonização típica do género feminino. Mas no caso de “Where got Ghost” são maiores os argumentos a favor de um conjunto de curtas-metragens bem-intencionadas, do que resíduos de misoginia pouco disfarçados. “Where got Ghost” é uma realização conjunta de Jack Neo e Boris Boo, que também tiveram uma palavra forte no argumento. Também o vasto elenco é constituído na maioria, por actores que já trabalharam em conjunto ou com o realizador. O próprio Jack Neo protagoniza um dos papéis principais da terceira curta-metragem. Estes cuidados rendem um à-vontade no elenco que é visível no ecrã. Um inside job se preferirem. A moral dos segmentos nunca está muito longe da imaginação ou de um pouco de perspicácia: respeito pelos mortos, o crime não compensa, não atalharmos caminhos, o dinheiro não traz a felicidade e outros jargões do género. Como tal, o mês dos fantasmas acaba nunca se tornar uma realidade distante ou uma tradição demasiado rebuscada aos olhos de um ocidental. Existe sempre uma série de princípios comuns às culturas orientais e ocidentais que permitem seguir as narrativas a despeito dos ritos, rezas e superstições regionais.
A primeira curta é “Roadside got Ghost” onde os três personagens principais, em toda a sua aldrabice e portanto, os vilões, dificilmente não serão os preferidos do público. No meio da tragédia (a primeira e a segunda curta têm finais bastante abruptos), salvam-se os momentos de comédia resultante da dinâmica entre os três "reis". Já “Forest got Ghost” é mais previsível. Que melhor local para plantarmos fantasmas do que uma floresta. Mulher vestida de vermelho. A sério? Existirá referência mais batida no mundo dos fantasmas? O epílogo podia ser mais surpreendente não fosse a curta anterior demonstrar que não há regras. Vale tudo e tudo deverá ser esperado. Mais uma vez a química entre a dupla de actores principais é excelente e os momentos cómicos resultam melhor do que o último terço mais focado no terror. A curta final é a mais distinta. Isto não será difícil de explicar se pensarmos na manobra de marketing genial de Jack Neo. Ele realizou “House got Ghost” como sequela do filme “Money not Enough 2” também por ele realizado um ano antes, com a mesma fórmula de comédia/terror. Com certeza fica a questão se ele decidiu realizar uma antologia de filmes sobre o mês dos fantasmas ou se o utilizou como pretexto para lá enfiar um prelúdio para uma trilogia de “Money not Enough”. Ao contrário das histórias anteriores, onde os prevaricadores acabam por ser punidos pelos seus actos, “House got Ghost” concentra-se na redenção e mais parece um raspanete para levar à mudança de comportamentos que um mero exercício de “crime e castigo”. Se esquecermos algumas deficiências de narrativa e efeitos gerados por computador paupérrimos, “Where got Ghost” é uma obra mais divertida do que assustadora e uma óptima introdução ao mês dos fantasmas esfomeados. Três estrelas.
Realização: Jack Neo e Boris Boo
Argumento: Jack Neo, Sek Yieng Bon, Boris Boo e Hee Ann Ho
Curta #1: “Roadside got Ghost”
Richard Low como Cai
Curta #2: “Forest got Ghost”
John Cheng como Nan
Wang Lei como Lei
Tay Yin Yin como Yin Yin
Curta #3: “House got Ghost”
Henry Thia como Yang Bao Hui (irmão mais velho)
Jack Neo como Bao Qiang (irmão do meio)
Mark Lee como Bao Huang (irmão mais novo)
Mai Ling como Mãe
O termo técnico que melhor descreve “Loft” é seca descomunal. Não, não é uma expressão comumente utilizada pelos críticos de cinema mas, e daí, não me considero uma crítica. Perco-me de paixão pelas narrativas cerebrais tão singulares que só podem ser made in asia. Mas por vezes exageram. Tal como um Shion Sono, de que não sou a maior fã, Kiyoshi Kurosawa brinca com as emoções da audiência, testando-a até ao limite, ainda que seja, estranhamente, mais comedido que Sono. Enquanto o primeiro quebra as regras todas e leva a audiência, desde os primeiros segundos de película na sua trip tão própria, Kurosawa é um grande mentiroso. Ele embala a audiência na aventura da sua mente, fazendo-a pensar que o que vai ver é mais uma obra simples e inofensiva, quando na verdade se está a preparar para embarcar em mais uma peça estranha, confusa, extenuante e aborrecida. O seguidor mais fervoroso do K.K. verá “Loft” como a evolução natural do autor, um brilharete, na sua suposição tão parcial. Quem não o conhece, ficará no mínimo, a coçar a cabeça. Foi a isto que o cinema japonês se reduziu? A resposta é dúbia: sim e não. A indústria cinematográfica japonesa permite-se obras de autor, singularidades no meio do que se produz para as massas. Isto, não significa que o K.K. seja consensual. Pelo menos, os seus filmes conferem-lhe o título de “realizador de culto” que eu adoro, visto que nunca percebi muito bem o que é isso de culto…
Reiko Hatuna (Miki Nakatani) é uma escritora sofrendo de bloqueio de escritor, que é pressionada pelo editor Koichi Kijima (Hidetoshi Nishijima) a isolar-se numa vivenda isolada até finalizar o mais recente romance. Lá, Reiko perde-se mais em passeios pelo bosque e a percorrer os longos corredores da vivenda do que na escrita. Um dia, Reiko espreita pela janela o seu vizinho Yoshioka (Toyokawa Etsushi) a segurar o que parece ser um cadáver e decide investigar… Kurosawa podia ter adoptado a rota de “Rearview Window” (1954) mas decidiu não seguir esse caminho. Ao que parece também existe a maldição de uma múmia com uma milena de anos, (solução demasiado fácil talvez) e a vivenda ocupada por Reiko estará assombrada pelo fantasma da sua habitante anterior. Algures, Reiko e Yoshioka descobrem que sentem uma inclinação romântica um pelo outro. Para quê optar por uma via quando se podem seguir todas elas? Entretanto, a actriz principal se não é uma grande incógnita deixa, pelo menos, uma pequena incerteza. Dificilmente teriam escolhido uma actriz mais apática, formada com distinção na escola de actores de Keanu Reeves. A face dela diz tudo: absolutamente nada. Ajuda a que o romance improvável com Yoshioka soe a uma farsa. Devo dizer que quando começou a troca de palavras delicodoces entre os dois, alternei entre um súbito desconforto na cadeira e o risinho involuntário. Num filme de registo semi-dramático, pseudo-terrífico, os momentos involuntariamente hilariantes não assentam bem. A película encaixa perfeitamente no género J-horror, ou não fosse K.K um percursor do género. No entanto, e ao contrário dos seus conterrâneos menos cerebrais, K.K. escolhe um ritmo deliberadamente lento, demasiado até, que se por vezes vinga na produção de sustos, por outro, adormece os sentidos de tal modo que os eventos se sucedem sem grande efeito no espectador. Quando se chega a um terço do filme, o efeito soporífero já há muito se instalou e a vontade de ver o final é mais uma questão de teimosia e persistência do que a curiosidade de saber que surpresa nos aguarda.
Os planos são ostensivamente focados em Reiko. Ela, a escritora, apática, fumadora inveterada, que sofre de uma maleita qualquer e que por fim, até é capaz de nutrir sentimentos de afeição por outro ser humano. Só me choca como uma mulher com todos os argumentos a seu favor para se revelar uma mulher determinada, cosmopolita e sofisticada se demonstra tão… simplória. Se algo se pode dizer do argumento é que tem muitas ideias. Kurosawa mostra-se inventivo é verdade mas incapaz de editar. Suponho que todas as ideias que alguma vez teve foram parar ao produto final. Claro que poucas dessas ideias foram concretizadas e ainda menos tiveram direito a um bom tratamento. Quando se fala em cinema de autor, a mais pequena crítica certamente, soará a uma tentativa mais ou menos velada da indústria de o censurar, de o tentar comprar até. Significa pois que a crítica se perde no vácuo. Se nada há de bom a dizer não se diga nada. Assim, Kurosawa continuará a fazer o que bem lhe apetecer, pelo menos, enquanto mantiver a legião de fãs acérrimos. Uma estrela.
Realização: Kiyoshi Kurosawa
Argumento: Kiyoshi Kurosawa
Miki Nakatani como Reiko Hatuna
Toyokawa Etsushi como Yoshioka
Hidetoshi Nishijima como Koichi Kijima
Próximo Filme: "Where got Ghost" (Xia dao xiao, 2009)
Diversas questões me fascinam no universo do terror. Mas nenhuma outra como a motivação para o homicídio. O que leva alguém a matar? Necessidade? Prazer? Loucura? Ambição? Chegou-se a promover uma votação no Not a Film Critic, na qual se perguntava quais os vilões mais assustadores. O vencedor foi, sem grande surpresa, a rapariguinha de cabelos despenteados que sai de televisões e outras peças de mobiliário. É uma visão a que a sociedade ocidental não estava de todo habituada quando surgiram os primeiros filmes. Suponho que o que mais assuste nesta personagem seja uma aparência frágil, que em nada se coaduna com a de um assassino, pese embora o longo cabelo negro com vida própria. A segunda resposta mais indicada foi o serial killer. Este pode não apresentar uma aparência tão arrepiante quanto as meninas do J-horror e K-horror, mas a sua ameaça é bem mais real. Especialmente, quando se escondem por detrás de uma máscara. Seguem-se alguns dos assassinos mais icónicos a alguma vez usar uma máscara, assim como outros menos conhecidos que merecem ser vistos/revisitados.