quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Better Watch Out, 2016


ALERTA SPOILER: Assistir por conta e risco!

É Natal. Os subúrbios estão decorados com renas, elfos e néons, enquanto se aguarda a chegada do Pai Natal. A paisagem está enfeitada de neve e o ar ecoa canções corais de Natal e do Grande Bing Crosby. Na televisão, com a pontualidade de um relógio, passam os filmes de todas as épocas natalícias anteriores e que ninguém consegue enjoar.


Ashley (Olivia DeJonge) está presa à promessa de tomar conta de Luke (Levi Miller) o filho de doze anos do simpático casal Lerner, uma Virginia Madsen e um Patrick Warburton, nuns papéis secundaríssimos. Ela está quase a partir para a universidade e dão-lhe jeito uns trocos para a nova fase de vida, mesmo que tenha de sacrificar o descanso na época de Natal. Luke tem uma pequena paixonite pela sua babysitter e conta com o apoio de Garrett (Ed Oxenbould) para conquistar Ashley antes de esta partir. Para ela, é apenas mais uma noite de babysitting… Isto é, até se aperceberem que alguém com intenções malévolas está a tentar introduzir-se dentro de casa. Segue-se uma luta contra um inimigo ao início invisível, numa casa da qual não conseguem escapar.
Esta comédia negra revisita grandes clássicos do cinema natalício como “Home Alone” (1990) – este até é mencionado por um dos actores –, não vá alguém não compreender a referência e, acreditem que AQUELA cena não deixará ninguém indiferente, e cruza-o com o tom a tempos perturbador de um “Gremlins” e de um certo outro filme protagonizado por Macauley Culkin que na altura chocou as audiências. Chris Peckover aproveitou ainda a química da dupla de actores DeJonge e Oxenbould que interpretou dois irmãos no também interessante “The Visit” (2015) de um Shyamalan que estava ainda a recuperar a boa forma antes de se sair com o espantoso “Split” (2016).
Numa época em que os cineastas procuram cada vez mais subverter os géneros e conferir originalidade às narrativas, “Better Watch Out” resulta num home invasion atípico. A dada altura os eventos dão uma viragem de 180 graus e o que até ali era uma comédia com toques negros que espicaçavam os limites para a gargalhada, um “espera aí, mas isto tem piada ou já é apenas cruel?”, transita para momentos perturbadores que o enquadram sem sombra de dúvida no género de terror. A mudança foi tão radical que senti o ambiente da sala ficar gélido. Onde antes existiam palmas ou risos nervosos podiam-se ouvir grilos. Para tal, muito contribuiu a interpretação de Levi Miller, com um desempenho natural e by the numbers no primeiro terço de filme, após o que evoluiu para uma capacidade além do que seria de esperar de um jovem daquela idade e com uma carreira ainda relativamente curta, muito bem apoiado por DeJonge e Oxenbould. Seria talvez mais fácil de assistir se os personagens não fossem menores ou se fossem detestáveis mas nem Peckover nem o argumentista Zack Kahn acreditaram que essa fosse a melhor opção e “Better Watch Out” apenas ganha com isso. A película também nunca degenera para a violência gráfica ou gratuita, a que se deve porventura o constrangimento de orçamento, mas o crescendo de tensão e o poder da sugestão fazem um papel mais do que competente a substituir actos de agressão gráficos.
“Better Watch Out” é um dos filmes mais ingratos sobre os quais escrever pois é uma daquelas obras em que queremos gritar aos quatros ventos que vale mesmo a pena assistir sem ceder à tentação de divulgar os detalhes que o tornam tão surpreendente e especial em simultâneo. A minha sugestão? É melhor assistir a “Better Watch Out” com um espírito aberto e, preferencialmente, sem ter visto qualquer trailer. Três estrelas e meia.



Realização: Chris Peckover
Argumento: Zack Kahn e Chris Peckover
Olivia DeJonge como Ashley
Levi Miller como Luke
Ed Oxenbould como Garrett
Aleks Mikic como Ricky
Dacre Montgomery como Jeremy
Patrick Warburton como Robert Lerner

NOTA: Texto publicado originalmente aqui.

domingo, 12 de novembro de 2017

"Deep Trap" (Ham-jeong, 2015)


So-yeon (Kim Min-Kyung) e Joon-sik (Jo Han-seon) são um casal que sofre ainda bastante devido com um aborto espontâneo sofrido anos antes. Joon-sik fechou-se sobre si próprio e passa os dias num martírio diário entre o trabalho e o álcool, deixando So-yeon sozinha. Além do sentimento de abandono, So-yeon ressente-se com a falta de intimidade. Desde o acontecimento traumático que Joon-sik desenvolveu impotência e não dá mostras de a conseguir curar sem apoio. Determinada a salvar a relação ferida e gerar o tão desejado rebento So-yeon decide marcar um dia de férias numa ilha remota de descanso e romance. Lá, encontram um restaurante que é gerido por Seong-cheol, um Ma Dong-seok num papel sinistro e a sua bonita irmã muda Min-hee (Ah jin). Após uma noite de bebidas estranhas e comida gostosa, Seong-cheol faz a proposta indecente a Joon-sik: dormir com Min-hee e recuperar a pujança para ter um filho com So-yeon. Entre os quatro é gerada uma dinâmica desconfortável que é aparente a todos quanto a ela assistem mas, sobretudo para So-yeon e, pela sua parte, quase omissa para um Joon-sik semi-alcoólico.

“Deep Trap” é bastante explícito quanto ao que pretende. O cenário isolado, o par de personagens estranhas que não inspiram total confiança, a série de coincidências que leva a que o casal fique preso no local e propostas inconcebíveis são a mera antecipação do que tantas vezes se viu antes no cinema do género. O filme apresenta algumas cenas de sexo que deixam pouco à imaginação e uma cena de violação brutal a que poderá ser difícil assistir. De igual modo, à boa maneira coreana, há duas ou três sequências de extrema violência e que parecem contrastar com o dramazinho romântico sobre um casal que tenta ultrapassar e reacender a chama da paixão que os minutos iniciais aparentavam prometer. O quarteto de protagonistas, liderado pelo experiente Ma Dong-seok que mais uma vez rouba o protagonismo (vide “Train to Busan”, 2016) e é um dos parcos motivo para que “Deep Trap” não caia na penúria total. Ma Dong-seok encontra nuance suficiente no personagem amoral para ainda assim, encarnar o bronco ignorante que pode ser desculpado pela educação que teve e pouca exposição às boas regras de civilidade. Quase podia ser uma boa pessoa se ao menos tivesse tido acesso às oportunidades que outros têm… isto se conseguirem ignorar os maus-tratos a Min-hee.
O que não será de digestão fácil serão algumas das acções dos personagens. Para sociedades mais liberais comportamentos onde o bem-estar e segurança própria são relegados para segundo lugar em favor de agradar ao “Homem” ou a flor delicada que sofre estoica em silêncio, não são fáceis de entender. No entanto, são elementos indeléveis de culturas patriarcais, como a sul-coreana. Onde os países tendencialmente ocidentais verão fraqueza, os orientais poderão encontrar heroísmo. Mas temo informar que se mantém o padrão tantas vezes visto e iguais vezes criticados em filmes coreanos e japoneses. A síndrome de petrificação e de colagem ao chão continua viva. Onde em situações limite a reacção rápida é essencial, os personagens continuam imóveis, chocados com os acontecimentos. Um exemplo paradigmático sucede quando dois homens combatem corpo a corpo e a mulher de um deles permanece imóvel, sabendo bem que o companheiro poderá perder a luta. É um pressuposto que em filmes de assassinos psicopatas e, como a boa tradição de filmes como um “Friday the 13th” (1980) e suas iterações demonstraram, os personagens devem ter uma boa dose de tontice para que sejam apanhados pelo papão. Gostava contudo, de ver a parte do contrato em que diz que os personagens não devem correr e tropeçar bastante ou mais simplesmente ficar colados ao chão enquanto uma figura malévola se dirige a eles para lhes fazer coisas muito más. Por estes motivos “Deep Trap” torna-se um exercício de concentração para não carregar no botão de stop e para o filme quando os personagens agem de forma tão, mas tão, frustrante, que ficamos a pensar que se o assassino os apanhar não se perde nada ou pior, torcer que o assassino os apanhe para limpar o mundo (do cinema) de tamanha estupidez. “Deep Trap” tem zero de factor surpresa. Um casal de betinhos da cidade fica preso no covil do inimigo e sofre horrores a tentar escapar. Been there done that… and better. Próximo. Duas estrelas.

Realização: Hyeong-jin Kwon   
Ji An como Min-hee 
Sun-Jo Han como Joon-sik
Dong-seok Ma como Seong-cheol
Min-Kyeong Kim como So-yeon

Próximo Filme: "Better Watch Out", 2016
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