domingo, 24 de maio de 2015

"Ex Machina" (2015)

A célebre frase de Einstein sobre o Homem e o Universo: “Apenas duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana, e eu não tenho a certeza acerca do primeiro”, podia ser proferida acerca do pecado da vaidade. Quão vaidoso pode o Homem ser para pensar que a materialização da ideia de inteligência artificial é controlável? O Homem nunca foi ser para se deixar confinar à biologia e ao espaço em que se encontra. Porquê esperar que as regras não se apliquem a todos os outros?

Ex machina é sobre a concretização do sonho e os seus efeitos sobre os primeiros a lidar com esta realidade. A premissa é simples, o significado, esse, ultrapassa a mera aparência. Caleb (Domhnall Gleeson) foi escolhido de entre sabe-se lá quantos milhões, para passar uma semana com Nathan (Oscar Isaac), o esquivo criador do motor de busca mais utilizado no mundo, o Blue Book. Nathan apresenta a Caleb a oportunidade única de conhecer Ava (Alicia Vikander) um robot humanoide e a concretização do conceito de inteligência artificial, isto é, se ela passar numa prova. Escondido num paraíso natural, o centro de pesquisa de Nathan é idílico e misterioso em doses iguais. Sem hipótese de contacto com o mundo exterior (uma das regras do jogo) Caleb, apenas tem a companhia de Nathan, que quando não desaparece para trabalhar ou exercitar o corpo está a beber até cair e da bela Kyoko (Sonoya Mizuno) que não fala inglês. Paredes nuas e quartos sem janelas encontram-se longe da noção de conforto e ele acaba pois por dedicar a maior parte do seu tempo em sessões com Ava ou a observá-la através das câmaras que se encontram em todas as divisões. Os dias passam e as máscaras começam a cair, a decepção instala-se e a fronteira entre o real e o imaginário começa a esbater-se. Cabin Fever?

Diz que não se conhecem bem as pessoas até se viver com elas. No caso de Caleb, os seus comportamentos podem ser estudados mas há um limite para aquilo que os algoritmos nos conseguem contar. Quanto a Nathan o caso será mais clínico. Vaidoso, narcísico e egocêntrico, ele apresenta-se como um daqueles génios que têm a certeza absoluta que são melhores que os outros. Anti-social, por ser incapaz de aceitar opiniões contrárias utiliza o elogio como arma que apenas lhe serve até descobrirem que ele não é tão escrupuloso como se poderia julgar. Entrega-se ao trabalho e aos vícios com a mesma intensidade sendo incapaz de considerar sequer o fracasso. Este não existe, porque falhar não é uma hipótese. E na sua mente, Caleb é o homem ideal para testar a existência de humanidade na sua criação e provar a sua genialidade. Em última análise, é a sua vaidade que dita o desfecho, que é previsível, admitamos. Caleb é o ratinho de laboratório sobre o qual são testadas hipóteses só que ainda não sabe disso. Ele é susceptível a quaisquer estímulos e não consegue encontrar mecanismos, à semelhança de Nathan, para sobreviver a um ambiente adverso. Inteligente e crédulo, deixa-se manipular por quem souber esgrimir melhores argumentos e envolve-se a nível pessoal com o sujeito. Ava torna-se interessante para Caleb, num misto de fascínio científico com empatia pessoal, por oposição a Nathan que é do género de se cansar rapidamente. Para o seu criador, existirá sempre um projecto “depois de Ava”, mas será que ela tem noção disto?

Para os fãs de espectáculo, deste há muito pouco, até ao último terço deste filme de ficção de científica. O argumento de Alex Garland foca-se mais nas implicações morais da existência de seres como Ava no ambiente que os rodeia, do que quaisquer gadgets divertidos que possam surgir no ecrã. Porque o que está na base do seu desenvolvimento é o modo como o exterior irá reagir a esta. Teria de se ser surdo, mudo ou seriamente incapacitado em termos emocionais como Nathan, para ignorar esta questão. Faz recordar estórias como a dos “X-Men” que demonstra a humanidade no seu pior mas ao mesmo tempo tão ela própria, temendo e odiando aquilo que não consegue compreender. Será isto que espera Ava?
É natural a comparação com filmes anteriores como “Artificial Inteligence: AI” (2001) ou “I, Robot” (2004) pela temática e estética e, de onde decerto, Vikander terá ido buscar apontamentos para a sua Ava. No entanto, estes filmes são mais primos afastados de "Ex Machina" do que qualquer jogo de manipulação Hitchcokiano. Do cenário, à cor, ao som, tudo é cuidadosamente ordenado para provocar a mescla de sentimentos confusos que atravessam Caleb: surpresa, fascínio, confusão, piedade, temor… E depois existe uma “simples” máquina que surge sob a aparência de vulnerabilidade de Ava, sugerindo que não é preciso nada tão complexo como a inteligência para fazer o Homem prevaricar. Afinal, Ele é apenas humano. Quatro estrelas e meia.


O melhor:
- O resultado que se conseguiu alcançar com tão pouco
- O elenco fenomenal.
- Desafiante.

O pior:
- Previsibilidade

Realização: Alex Garland
Argumento: Alex Garland
Domhnall Gleeson como Caleb
Oscar Isaac como Nathan
Alicia Vikander como Ava
Sonoya Mizuno como Kyoko

Próximo Filme: "Sweet Rain" (Suwîto rein: Shinigami no seido, 2008)

domingo, 17 de maio de 2015

"The Inugami Family" (Inugami-ke no ichizoku, 1976)


Confesso que não consegui encontrar o trailer do filme de 1976. Fiquem com o trailer do remake de 2008.

Sentados em torno do patriarca às portas da morte, nada faria imaginar as intrigas que assolam o clã. Para os seus momentos finais, mandou juntar as filhas Matsuko (Mieko Tkaamine), Takeko (Miki Sanjo) e Umeko (Mitsuko Kasabue), os respectivos maridos, os seus herdeiros Sukekiyo (Teruhiko Aoi), Suketako (Takeo Chii) e a irmã Sayoko (Akira Kawaguchi) e Suketomo (Hisashi Kawaguchi). Ao grupo junta-se ainda Tamayo Nonomiya (Yoko Shimada) uma jovem por quem o velho criou afecto em final de vida. Terá sido a primeira vez em muitos anos que a família se reuniu. Transpira um desconforto e desconfiança mútuos ocultos sob a aparência do decoro. Apenas têm de aguardar uns momentos mais pela morte de Sahei e logo conhecerão os termos do testamento. O anúncio é chocante para todos. Sahei (Rentaro Mikuni) voltou a ter a última palavra. A fortuna reverte na totalidade para Tamayo se esta aceder a contrair matrimónio com qualquer um dos netos de Sahei.
A fúria e surpresa tomam conta dos presentes. Depois de tantos anos de submissão forçada as irmãs, em especial a calculadora Matsuko, sentem que o mínimo que mereciam era o dinheiro que as manteve prisioneiras na mansão de Sahei e afastou as suas mães biológicas. À intrusa Tamayo acorrem com a ameaça e a lisonja tão inata à família. Ela terá de tomar uma decisão na competição para descortinar quem ganha o prémio. Qual dos filhos pródigos irá assegurar a fortuna de um ramo da família? O previdente advogado que acompanhou os últimos desejos de Sahei teme o pior e manda chamar o detective Kosuke Kindaichi para com o tacto e discrição assegurar que nada de mal ocorre durante a transição. Quando o contractante de Kindaichi é envenenado e vários membros da família começam a surgir assassinados de forma macabra, Kindaichi junta-se às autoridades para descobrir a identidade do assassino e impedir o surgimento de novas vítimas.

O Clã Inugami ou uma família perigosa para pertencer
“The Inugami Family” foi realizado em 1976 e parece tão antiquado e tão moderno quanto um policial de ficção histórica consegue ser pois que a história é universal e tão antiga quanto o próprio tempo. Apenas se nota como é datada, por via dos métodos de investigação policial e a perda de fulgor da figura do detective a favor das forças policiais por oposição à actual obsessão com os avanços tecnológicos disponiveis no século XXI, que se constata por uma oferta excepcional de séries como “CSI”, “Criminal Minds”, “Fringe”, entre muitas outras. Agatha Christie seria a influência óbvia para os amantes do personagem do detective que serpenteia por entre a intriga deixando os suspeitos falar até deixarem escapar informação que eventualmente os condena à prisão. Desvelado e com uma higiene um pouco duvidosa, Kindaichi dá mais ares de Columbo do que Poirot. E também não tem a sua competência. Ele falha numa questão substancial que é prevenir a ocorrência de crimes mas não é como se ele não fizesse mais do que a polícia toda junta. No entanto, os assassinatos não ficam a dever nada ao às novas séries. As mortes engenhosas e cuidadosamente encenadas para representar os emblemas da família: o crisântemo, o koto (harpa japonesa) e o machado são intrigantes o suficiente para atrair e reter o interesse. E uma estória que agarra aquele que a visiona não sai, em definitivo, de moda.

Sem alguma vez surgir no ecrã a interagir com outros personagens, Sahei é uma presença constante. O fantasma da sua presença continua a afectar as filhas ilegítimas mesmo após a sua morte. Elas tiveram uma infância infeliz mas isso não as tornou melhores, apenas maquiavélicas e resilientes… como o pai. O único amor que lhes resta é direccionado para os filhos e até isso alguém lhes quer roubar. Veja-se a exemplo o dilema de Matsuko que quer defender o seu filho que usa uma máscara de latex para esconder a deformidade provocada pela guerra e cuja identidade é questionada a todo o momento pelo resto da família ou Takeko que após um acontecimento que altera toda a sua percepção do mundo deseja quebrar um pacto antigo terrível e revelar a verdade.
Kon Ichikawa conduz as hostilidades com o à-vontade de quem aprecia o conto que tenta emular no cinema e “The Inugami Family” resulta num affair assombroso, tanto pela própria estória como pelo cuidado na direcção. O elenco é sólido e a câmara retira o melhor partido das actrizes veteranas. Ichikawa não foge aos temas negros e retrata-os com igual gravidade. Desde o close-up ao jogo de sombras, o lado negro de cada um dos personagens emerge naturalmente. A estória é pois um híbrido quando podia ser somente um policial para agradar a fãs do género. Quatro estrelas.


O melhor:
- A estória é tão rica que sobra bastante para debater após o seu visionamento
- Elenco
- Passa com honras ao teste do tempo

O pior:

- Efeitos especiais

Realização: Kon Ichikawa
Argumento: Norio Nagata, Shin'ya Hidaka, Kon Ichikawa e Seishi Yokomizo (livro)
Kôji Ishizaka como Kôsuke Kindaichi
Yôko Shimada como Tamayo Nonomiya
Teruhiko Aoi como Sukekiyo Inugami 
Mieko Takamine como Matsuko Inugami
Mitsuko Kusabue como Umeko Inugami
Miki Sanjô como Takeko Inugami
Akira Kawaguchi como Sayoko Inugami
Ryôko Sakaguchi como Haru
Takeo Chii como Suketake Inugami
Hisashi Kawaguchi como Suketomo Inugami
Akiji Kobayashi como Kôkichi Inugami
Minoru Terada como Saruzô
Kazunaga Tsuji como Detective Inoue

Próximo Filme: Ex Machina, 2015

domingo, 3 de maio de 2015

"The Second Sight" (Chit sam phat 3D, 2013)


A criatividade morreu e tudo o que restou foram as sobras de “The Eye”, “Shutter” e “The Sixth Sense” misturados com uma novela de horário nobre no tão temido 3D.

Em miúdo Jate (Nawat Kulrattanarak) sabia quando coisas más iriam suceder. Isso envolvia o karma que significa na sua versão mais simplista “colher o que se semeia” e terminava com mortos e feridos ao seu redor. Por isso, o passo seguinte natural foi tornar-se advogado e defender criminosos empedernidos. Não é como se isto lhe provocasse um dilema moral por aí além já que o Karma se encarrega de punir os malfeitores quando Jate os defende com sucesso (o que sucede com frequência). Para completar a vida perfeita de Jate, ele tem Jum uma namorada gira que passa o dia sentada ao piano do seu apartamento ultra moderno a compor canções.  Após safar da prisão mais um óbvio culpado tem um acidente numa ponte a caminho de casa. Fazendo uso das suas capacidades para prever o futuro ele consegue evitar o despiste e acaba por tornar-se cliente de Kaew (Virapond Jirawetsuntorakul), a causadora do acidente que causa várias mortes. Ele apercebe-se desde muito cedo, que a adolescente problemática tem espíritos vingativos atrás dela que a irão tentar matar à primeira oportunidade e não larga o seu leito no hospital. Entretanto, Jum (Yayaying Rhatha Phongam) começa a suspeitar que o interesse de Jate por Kaew é mais romântico do que profissional.
Um conselho: abordem “The Second Sight” com leveza de espírito e expectativas muito, muito baixas. No livro de terror para iniciados “The Second Sight” pode parecer apelativo mas acreditem que é apenas fogo-de-vista. Os actores são retirados a papel químico de personagens de uma novela. O protagonista encarna o advogado bem-sucedido e rico, modelo de homem ideal por quem toda a mulher anda embeiçada. A namorada é muito bonita mas pouco consciente dos seus encantos e tem uma atitude geral humilde, temendo que o homem lhe seja “roubado” a qualquer momento por uma cabra sofisticada e superior a ela em todos os aspectos. Depois existe a miúda mimada e sem escrúpulos que está habituada a ter tudo aquilo que deseja e que tudo lhe seja entregue de bandeja. Temos triângulo amoroso. Posto isto, entre as cinco pessoas alocadas ao argumento de “The Second Sight” não parece existir uma única ideia original. Num brainstorming devem ter surgido referências a filmes como “Shutter”, “The Coffin” e sucedâneos e o seu tremendo sucesso ditou a inserção nada subtil e muito forçada num argumento que já ao início não demonstrava potencial. Ao projecto foram ainda adicionados efeitos digitais que podiam ter criados por estudantes em estágio para conclusão do curso e, porque o menor factor de atracção não são os actores, um conjunto de homens e mulheres bem-parecidos que não têm de saber representar, embora se conseguirem seja um dado positivo.

Na sua maior parte “The Second Sight” não é muito simpático no retrato da mulher. Elas são apresentadas como donzelas indefesas sendo que Jate lá vai aparecendo para as salvar dos espíritos inquietos e delas próprias. Note-se o absurdo de cenas como aquela em que Jate avisa uma colega mais segura da sua sexualidade para se cobrir e vir trabalhar no dia seguinte com uma camisola de gola alta. Claro que ela acede às indicações do colega sensato e galã. Isto, quando ele não está salvar Kaew de uma cama de hospital com vontade própria ou Jum dos fantasmas que habitam a sua banheira. Nem podia ser de outro modo, já que ele tem uma segunda visão que lhe permite ver além do plano dos vivos. Só que ao invés de esta visão se revelar uma maldição tem sido até à data uma dádiva. Ele faz pleno uso das suas capacidades para atingir o sucesso. Até admira que não esteja num cargo público. Pelo meio lá vai ajudando algumas pessoas fazendo recurso do dom e... às vezes ignora a sua aflicção (veja-se o polícia acossado por cobras). O que nos demonstra que o caminho de Jate até chegar àquele ponto foi sinuoso e, quiçá, não tão orientado para o altruísmo como podia. Empatia não faz afinal parte do vocabulário de Jate e adivinhem, o passado virá para apanhá-lo. Karma. Outro ponto estranho é o facto de aqueles que o rodeiam não se aperceberem que Jate tem tendência a olhar e conversar para o vazio o que devia ser um alerta quanto à sua sanidade mental. Coisa pouca. A reviravolta só não é tão previsível quanto podia porque a montagem é tão má que aos últimos dez minutos mal conseguimos perceber o que se está a passar, o que convenhamos, até dava jeito. Diz que é um filme de terror. Quem sou eu para discordar? Uma estrela e meia.

O melhor:
- Tem piada?

O pior:
- Efeitos especiais
- Argumento, representação…


Realização: Pornchai Hongrattanaporn
Argumento: Sukkosin Akkarapath, Pornchai Hongrattanaporn, Kiatkamon Iamphungporn,
Nattapot Potchumnean e Chanintorn Ulit
Nawat Kulrattanarak como Jet
Yayaying Rhatha Phongam como Joom
Virapond Jirawetsuntorakul como Kaew
Anon Saisangcharn como Inspector
Klaokaew Sinteppadon como Gift
Prakasit Bowsuwan como Niwat

Próximo Filme: "The Inugami Family" (Inugami-ke no ichizoku, 1976)
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