domingo, 20 de dezembro de 2015

"Krampus", 2015


Anos depois de versões infindáveis de deslavadas com longos cabelos que ainda não descobriram o poder de um pente, chegou a vez das bestas cornudas que não gostam muito de criancinhas que se portam mal. 

Quando o folclore europeu aparenta ter sido profusamente explorado e, Anderson e os irmãos Grimm são referências óbvias, a despeito de nestes residir ainda muito material passível de ser trabalhado pela máquina destruidora de sonhos que é Hollywood, eis que chegou a altura dos contadores de estórias se virarem para outras lendas mais obscuras. E se o “Krampus” é uma figura bem conhecida nos territórios austríacos e germânicos, no remanescente território europeu ele é pouco se não mesmo desconhecido. Ele é a antítese do São Nicolau, mais conhecido pelos miúdos com o Pai Natal, aquele gordo de vermelho que lhes dá prendas todos os anos se eles se tiverem portado bem. Já o Krampus, ele procura os meninos e meninas que se portaram mal e arrasta-os para o inferno consigo… Michael Dougherty, reconhecido por “Trick r’ Treat” que se viria a tornar, com justiça diga-se, um fenómeno de culto em torno do Halloween, ele revela uma apetência para os contos de época focando toda a atenção para o Natal. Se já estão a esfregar as mãos de contentes, porque este é um bom filme para reunir a família em torno de uma mesa recheada de doces de natal e uma lareira quentinha é melhor pensar duas vezes. Dougherty traz uma visão muito negra não recomendável à pequenada e também não é recomendável que os pais usem o filme como munição para obrigar os filhos a portar-se bem durante o resto do ano pelo medo. Isso só faz de vocês cretinos. A boa notícia é que “Krampus” é o melhor filme de terror da época natalícia em muitos anos. Diria mais, "Krampus" inicia-se com aquela que é muito provavelmente a melhor sequência inicial dos últimos anos. E se, por esta altura se estão a questionar por que haveriam de querer juntar-se à volta de um filme de terror durante a época natalícia, é oficial: vocês são uns botas-de-elástico. Vão mas é ver as repetições de “Home Alone” (1990) ou o “The Sound of Music” (1965) pela enésima vez.
No centro de “Krampus” está Max (Emjay Anthony) que se encontra na idade perigosa da pré-adolescência e começa a ganhar uma visão de vida já sem alguma inocência. Por entre uns pais que aparentam já não se amar (Toni Colette e Adam Scott em grande forma), uma irmã que mal dá pela sua existência vivendo para o namorado e o smartphone, tios e primos que parecem existir com o único propósito de o humilhar, Max rasga a carta que escreveu ao Pai Natal e último obstáculo à visita do Krampus. Quando este surge, fá-lo em grande e para estupefacção de todos. Isto é dado muito positivo, pois que Dougherty deixa as regras suficientemente vagas para que a besta possa atacar indiscriminadamente. A apoiá-la estão uns ajudantes, tal como o Pai Natal é apoiado por duendes. No entanto, estes estão mais próximos dos bonecos possuídos por almas demoníacas de um “Poltergeist” (1982) do que uma qualquer encarnação fofinha” da Disney.
Toni Colette e Adam Scott brilham como Sarah e Tom Engel, um casal de classe média que atravessa uma crise no casamento mas tudo faz para manter as aparências perante os filhos e a sociedade (ainda que falhem). Toni prova mais uma vez que é perfeitamente capaz no papel de uma mãe terra-a-terra capaz de superas provas mais complicadas pelos filhos (“About a Boy” 2002, “The Sixth Sense” 1999, etc). Também é visível o esforço de ambos para suportar a irmã de Sarah, Linda (Allison Tohlman) e o marido Howard (David Koechner), assim como à prole insuportável, cujas ideias de educação e diversão, em tudo diferem da forma de ser dos Engel. Eles representam aquela parte da família da qual não se gosta particularmente mas que se tolera a bem do período natalício. Só alguns dias e voltarão a vê-los no próximo ano. Como as coisas não piorassem, eles trazem a tia abelhuda e inconveniente Dorothy (Conchata Ferrell), que através de um expediente manhoso, consegue fazer-se convidar para a seia de natal. O único dado positivo é que ao menos todos a odeiam de igual modo. Dougherty, no papel duplo de argumentista e realizador, dá ainda um piscar de olhos à lenda é através da personagem de Omi, a avó germânica extremosa (Krista Stadler) que servirá como elemento fulcral na exposição dos acontecimentos que escapam à compreensão de todos. Com todas as suas diferenças e divergências, os Engel assemelham-se a uma família real, que se torna mais forte à medida que o Krampus faz das suas. “Krampus” é uma comédia de terror, com contornos negros reminiscentes de um “Gremlins” (1984), desde os pequenos monstros ao cinismo dos anos 80, e representam boas perspectivas para a ainda curta carreira de Michael Dougherty. O que virá a seguir? O peru devorador de homens do Dia de Acção de Graças? Um coelhinho da Páscoa sugador de Almas? Mal posso esperar. Três estrelas.

Realização: Michael Dougherty
Argumento: Todd Casey, Michael Dougherty e Zach Shields
Adam Scott como Tom Engel
Toni Collette como Sarah Engel
David Koechner como Howard
Allison Tolman como Linda
Conchata Ferrell como Tia Dorothy
Emjay Anthony como Max Engel
Stefania LaVie Owen como Beth Engel
Krista Stadler como Omi Engel
Maverick Flack como Howie Júnior
Lolo Owen como Stevie
Queenie Samuel como Jordan
Leith Towers como Derek

Próximo Filme: "Blind Detective" (Man Tam, 2013)

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

"The House at the End of Time" (La casa del fin de los tiempos, 2013)


Dulce (Ruddy Rodriguez) retorna a casa após trinta anos, depois de ser libertada por motivos humanitários, para cumprir o resto da sentença por homicídio. A opinião pública não tem quaisquer dúvidas sobre a culpabilidade de Dulce. É apenas a velhice que dita que ela possa cumprir o remanescente da pena, no local onde aconteceram acontecimentos trágicos. Na verdade, a realidade é bem mais assustadora do que a percepção do público. Dulce odeia a casa na qual a “libertaram”. A memória dilacera-a. As paredes respiram o ar da família que então perdeu e o chão ecoa os passinhos dos filhos Leopoldo (Rosmel Bustamante) e Rodrigo (Héctor Mercado), mas também permanecem as marcas de assombração que então a aterrorizaram. Vivendo um dia de cada vez, contando cada tostão, a família de Dulce mudou-se para cidade, aproveitando uma oportunidade do Governo para ocupar casas a baixo custo na cidade. Ali, Juan José deverá encontrar mais hipóteses de trabalho. Dulce aceitou esta mudança de vida a contragosto. No campo sempre estariam perto da família. A casa, grande mas delapidada não lhe inspira confiança e até Juan José rápido se perde nos caminhos do alcoolismo. Os indícios de que a casa tem mais ocupantes do que a família de Dulce são enormes mas ela nada pode fazer quanto a isso. Presa numa casa de onde não pode sair a versão mais velha de Dulce não tem alternativa a não ser enfrentar os fantasmas de passado, figurativos e literais. Ela recebe a vista de um padre (Guillermo García) que a tenta trazer de novo para o caminho da religião mas Dulce não está disposta a isso. Não, depois do que passou.


Se “The House at the End of Time” soa à enésima variação da estória da casa assombrada é porque assim Alejandro Hidalgo, argumentista e realizador, o pretende fazer crer. No entanto, a direção que a estória toma, apesar de gradual, é inesperada. Uma opção de respeito, seja para um filme passado nos E.U.A ou numa Venezuela, que esta pessoa que já viu de tudo, mais vezes do que menos, está habituada à repetição de estórias e a um quociente de originalidade bastante limitado.
 Ele brinca com os géneros resultando num híbrido que não sendo de puro terror, tem ainda assim cenas assustadoras em quantidade suficiente para cativar os amantes de emoções fortes. A ação movimenta-se fluída entre o passado e o presente, sempre na perspectiva de Dulce, até à grande revelação final, que tenta retirar sentido das memórias e dos acontecimentos que agora se repetem para compreender o que se passou, onde é que errou ou o que podia ter efeito para impedir a desintegração da sua família. A interpretação de Rodriguez é impecável. Dulce é uma personagem difícil por apresentar tantas facetas e ela encarna-as na perfeição. Ela interpreta uma mãe devotada, crente em Deus, determinada a fazer o melhor para criar os filhos com os parcos recursos de que dispõe e, a despeito dos seus muitos medos, seja por prever um futuro negro para a prole, a cada vez maior instabilidade do marido ou a casa que ganha vida própria, é temerária do que diz respeito à sua protecção, qual mãe leoa. A caracterização de Ruddy Rodriguez para aparentar ter envelhecido 30 anos é bastante discutível e, na generalidade, é o período temporal menos forte. Dulce capta alguma simpatia na qualidade de senhora de meia-idade indefesa, face a um possível ataque sobrenatural mas é muito mais difícil levá-la a sério debaixo das camadas de maquilhagem. Ainda assim, a aposta em Rodriguez continua a ser bastante corajosa, se tivermos em conta que a maior parte das protagonistas de filmes de terror variam entre ser engraçada ou giríssima. A entrada em cena de uma médium é um factor passível de provocar um esgar de desdém. No cinema é sempre fácil encontrar alguém com capacidades divinatórias ou que consegue contactar com entidades do âmbito do sobrenatural. Há sempre alguém que tem uma qualquer prima em 2.º grau que é vizinha de alguém que é neto de uma pessoa com capacidades de contactar o paranormal. Fantástico. Mas se passarem clichés do género e a óbvia limitação de orçamento à frente, o resultado continua a ser surpreendente. Duas estrelas e meia.


Realização: Alejandro Hidalgo
Argumento: Alejandro Hidalgo
Ruddy Rodriguez como Dulce
Rosmel Bustamante como Leopoldo
Adriana Calzadilla como Vidente Adriana
Simona Chirinos como Madame Victoria
Gonzalo Cubero como Juan José
Miguel Flores como Inspector
Guillermo García como Padre
Héctor Mercado como Rodrigo
Yucemar Morales como Saraí

Próximo Filme: "Krampus", 2015
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