domingo, 17 de fevereiro de 2013

"Casshern" (Kasshan, 2004)


Se sobreviveram aos primeiros minutos de filme, os meus parabéns. Pertencem àquele grupo especial de pessoas com elevado grau de tolerância pelo que é “estranho”. “Casshern” é a adaptação de um anime dos anos 70, que cresce sobre o material original, em suma um super-herói e lhe acrescenta temas modernos como a destruição da biodiversidade pelo ser humano, a espiral de dor e morte como resultados inevitáveis da guerra, a desconfiança pelo que são as experiências laboratoriais em seres vivos e a inteligência artificial. E se isto já não parece pouco, polvilhe-se um pouco de romance para agradar a todos. Definitivamente, as palavras fácil e linear não se aplicam em “Casshern”. Agora, esplendor visual…
Com um orçamento de 6,6 milhões de dólares, Kiriya Kazuaki fez todo o tipo de experiências com o seu rato de laboratório, “Casshern”. Não há um momento aborrecido em termos estéticos nesta película: da cinematográfica, aos cenários e guarda-roupa, há sempre bastante para onde olhar. Ora, se esse truque é capaz de resultar em desviar o foco de atenção dos defeitos, não é menos verdade que tal nível de detalhe não é aconselhável com pessoas com deficit de atenção. Mas passemos à estória… Tetsuya (Yusuke Iseya) é um daqueles homens que não têm grande sorte na vida: o pai enlouqueceu, a mãe foi raptada e, mesmo antes de se casar com a bela Luna (Kumiko Aso) foi morto na guerra. Ah, esqueci-me de mencionar que ele morreu? Sim, o protagonista morre no início do filme. Não têm com que se preocupar, que o pai dele é um génio que criou as “neo células”, que lhe concedem o dom de uma nova vida e uma série de outros poderes. Antes de Tetsuya a experiência é testada em cadáveres cujo regresso à vida assusta os militares e conduz a um massacre da centena de mutantes. Boa. Como se não bastasse a vida no planeta Terra estar assolada por males como a Guerra, a poluição e as máquinas a revoltar-se contra os seus criadores, agora, existem também, mutantes assassinos. Tetsuya pertence a esta nova estirpe mas permanece ligado à Terra pelo mais provável dos sentimentos: o amor pela noiva que deixou. Ele torna-se Casshern, um Tetsuya melhorado que irá salvar a mãe das garras dos seus captores e no final ficar com a rapariga da sua vida. Pelo menos é esse o plano. Ou esboço de plano que o pobre Casshern, durante mais de metade do filme não sabe o que está a fazer. Assim como Luna, que surge sempre bela e um pouco alheada do que se passa à sua volta. Ela passeia-se pelo ecrã, conferindo mais um motivo de apreciação estética que uma personagem mais interessante que, digamos, um mosquito.
“Casshern” é sobretudo a estória do nascimento de um herói. Assistimos a relances de uma vida pré-guerra, à morte, segundo nascimento, a tomada de consciência de um valor sobre-humano completo com uma armadura especial e meia dúzia de vilões com agendas mais ou menos maléficas. E para que não subsistam dúvidas sobre quem são os vilões, a narrativa está pejada de simbologia nazi e da antiga URSS. Porque pronto, há alturas para ser subtil e outras para vago. Se há grande motivo de interesse, este não se encontra na narrativa. As possibilidades que o argumento apresenta são tão descabidas e exigem uma enorme tolerância e uma grande dose de imaginação que a recompensa está mesmo na imagem. Foram utilizadas diversas técnicas incluindo o recurso a técnicas de animação, sendo que os momentos de acção estão relegados, sobretudo para cores como o preto e o branco. Eis que saltamos de cena e temos cores em abundância, verdadeiro atentado aos epilépticos. São camadas e camadas de estilos, que se desdobram em cenas díspares das anteriores, com a coesão a residir sobre os ombros dos actores, cenários e uma banda-sonora que acredito, continuará a ser identificável por muitos anos. “Casshern” é um sonho artístico, uma obra de arte onde o estilo vence sobre o conteúdo. Mas mais do que lamentar uma estória que sofreu em detrimento dos efeitos especiais, urge reflectir sobre as fronteiras do cinema. Se elas praticamente já não existem, se quase tudo é possível por que é que tanto filme sofre uma desinspiração absoluta? Duas estrelas e meia.
Realização: Kiriya Kazuaki
Argumento: Kiriya Kazuaki, Dai Sato e Shotaro Suga
Yusuke Iseya como Tetsuya Azuma/Casshern
Kumiko Aso como Luna
Akira Terao como Kotaro Azuma
Kanako Higuchi como Midori Azuma
Toshiaki Karasawa como Burai

Próximo Filme: "Hello Ghost" (Hellowoo goseuteu, 2010)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

"The Wig" (Gabal, 2005)


Mais uma entrada para a molhada da brigada de cabelos negros certo? Errado. “The Wig” é mais uma versão do onryo (fantasma vingativo) que pulula o cinema asiático e muito mais. Quando o reinado de uma entidade de terror que vale por si própria termina, a película necessita de mais em que se apoiar e nesse aspecto “The Wig” tenta escapar à corrente dominante. Mais próximo de “A Tale of Two Sisters” (2003) do que um “Ringu” (1998), “The Wig” foca-se na relação de duas irmãs, enquanto aguardam pela morte de uma delas com cancro em estado terminal. Ji-yeon (Seon yu)é a irmã mais velha que vê a irmã mais nova, a decair a cada novo dia enquanto tenta preparar-se para o inevitável. Como boa irmã, tenta minorar a miséria de Su-yeon (Min-seo Chae), comprando-lhe uma peruca para cobrir a careca provocada pela quimioterapia e cedendo a todo o tipo de indulgências. Ji-yeon sofre com a morte precoce iminente que a roubará de experiências como viver um primeiro amor. Não bastasse o facto de a irmã mais nova estar prestes a falecer e sem nada poder fazer, Su-yeon vive ainda atormentada com o acidente de viação que lhe retirou a voz e um namorado que foi incapaz de lidar com a nova situação. Não fosse o Not a Film Critic um blogue que privilegia o terror e diriam estar perante um dramalhão. Também é. Mas isso não é propriamente novidade. No que dia em que o cinema coreano decidir apostar num cinema mais convencional, sem o habitual enfoque dramático, perde a identidade.
Filmes com objectos inanimados que subitamente adquirem vida são de alto risco. Ou apostam na risada assente na premissa absurda e levam o conceito até às últimas consequências ou são tão sérios que a ideia morre à nascença. “The Wig” encontra-se entre os dois extremos. A peruca nunca se torna um elemento autónomo, apenas o catalisador para o melodrama de terror (ou terror melodramático, este é complicado de classificar)! Lume brando é a expressão que melhor define “The Wig”. Os sustos são espaçados e nem sempre previsíveis.  O drama é uma constante. O que também é uma constante é a interrogação sobre o que se está a passar. Enquanto o estado de Su-yeon é bastante óbvio, a mudez de Ji-yeon é uma enorme fonte de distração. Nos primeiros minutos de filme uma pessoa pensa que os argumentistas são minimalistas, depois vem a possibilidade de Ji-yeon estar em estado de choque com a doença da irmã, seguindo-se a ideia de que afinal ela é uma mulher fria ou, se calhar, sempre foi muda mas… Porque é que não avisaram?! Então, vindo do nada surge um flashback que demonstra um acidente horrendo que explica como é que a irmã mais velha perdeu a fala e, consequentemente o namorado. Claro que depois, qualquer simpatia que se pudesse ter pelo naco de carne asiático é eclipsada. Ah! “Ele é um estupor, como pôde deixá-la naquele estado?” Tudo razões do coração que, bem vistas as coisas, de nada valem. Como reagiriam se a mulher amada perdesse a voz para todo sempre? Se bem que esse nem é o menor dos problemas do homem… Já que Su-yeon surge mais insinuante que nunca e deseja tê-lo, o mais possível. Último desejo de uma mulher moribunda? Ou possessão demoníaca pela cabeleira? Embora, alguém pode censurar uma mulher que sabe que vai morrer muito brevemente de ter uma aventura final?


O trabalho das actrizes é soberbo. Enquanto Ji-yeon fala com recurso ao olhar e à gestualidade, Su-yeon alterna entre uma fragilidade e força renovada que demonstra uma tremenda evolução na personagem. A sua actuação, além caracterização, permite-nos entender com clareza quando ela é a doente terminal e quando é a mulher sedutora com ânsia de prazer. A representação da dupla é negada por um argumento cobarde já que “The Wig” tem pelo menos dois finais. O primeiro incide no fenómeno sobrenatural que ninguém adivinha, já só mais de metade da duração do filme é que surgem as primeiras indicações sobre a peruca “assombrada” e o outro numa explicação racional, ilustrada vezes sem conta. O público, ao contrário, do que devem pensar, não é ignorante e consegue juntar as pistas até à conclusão óbvia. Tudo o mais são artifícios para uma película que já tinha terminado durar, durar, durar. O toque melodramático final, quando chega nada mais é do que uma tremenda irritação. Tanto quiseram fazer que perderam a beleza da simplicidade que lhe estava subjacente: duas irmãs e o seu modo de lidar com uma tragédia. Três estrelas.
Realização: Shin-yeon Won
Argumento: Sung-won Cho, Hyun-jung Do e Shin-yeon Won
Min-seo Chae como Su-hyeon
Seon yu como Ji-yeon

Próximo Filme: Casshern, 2004 

domingo, 10 de fevereiro de 2013

"The Road", 2011



O cinema filipino percorreu um longo caminho desde o conforto de estórias baseadas no folclore regional ao slasher clássico de terror. O aswang – figura mítica que alberga qualquer coisa entre o vampiro e o zombie, tem sido a escolha segura por muitos anos e, não posso dizer que censure os cineastas. O último filme que por aqui passou do género: “Corazon Ang Unang Aswang” (2012) bateu à data de estreia, “John Carter” e “The Hunger Games”. Por que se haveria de mexer em fórmula que resulta? E depois há pessoas como Yam Laranas, do tipo nervoso, que não se contentam com o fácil e querem, por via do difícil, demonstrar que o cinema de terror filipino não tem de se quedar pelas velhas estórias que agradam a audiências tradicionais. Ele próprio já entrou nesse território com “Patient X” (2008), com resultados mistos. A transição de subgénero parece natural, como se tivesse passado anos a estudar a audiência para ver até onde podia ir e dar o salto final.
“The Road” tem início em 2008, quando três adolescentes se escapam de casa durante a noite para treinar para o teste de condução de um deles. O medo de serem apanhados pelos adultos levam-nos a enveredar por uma estrada escondida. Má opção. A estrada não tem fim e rapidamente começam a ser assombrados por uma série de figuras fantasmagóricas. O pânico instala-se e, eis que está cada um por si (não há nada como testar os laços de amizade como colocá-los perante um perigo mortal). Recuamos dez anos e as duas irmãs Lara (Rhian Ramos) e Joy (Louise de los Reyes) ficam paradas nessa mesma estrada quando o carro fica sem gasolina. Sem outra solução, acabam por pedir ajuda a um transeunte. Repitam comigo: má opção. Passamos a 1988 e um casal com um filho parece lutar pelo prémio de pior família do ano. Chamar-lhes disfuncionais é estar a ser simpático.
“The Road” não oferece nada de novo em termos de conteúdo mas é na forma que antevê o talento do artista. As hostilidades são abertas com o aparente habitual trio de adolescentes irritantes: a miúda certinha que acha que sair a meio da noite é uma imprudência mas vai na mesma, a garota que procura um pouco de aventura na sua vida e o jovem com as hormonas aos saltos que só quer passar uns momentos a sós com a namorada, mas tem que levar com a amiga chata. Trio irritante só de aparência pois que passados uns minutos damos por nós a temer o pior pelos jovens. Realmente cometeram um erro, não pensaram antes de agir mas são bons miúdos e não queremos que lhes aconteça nada. E a sensação de pânico também não é difícil de engolir. São novos, escapuliram-se a meio da noite sem os pais saberem e dão por eles numa estrada desconhecida a ser atacados por uma força obscura. Se bem se recordam, com aquela idade não era preciso muito para as vossas mentes entrarem em estado de sítio… A segunda estória é a mais fraca e existe um erro flagrante quando uma das personagens decida investigar o desaparecimento de duas irmãs ocorrido 12 anos antes. Ora, se a memória não me falha estamos em 2008 e o segmento das jovens sucede em 1998. Escapou-me alguma coisa? O segundo capítulo é também o mais fraco do filme. Se as actrizes até podem ser mais capazes que os miúdos que introduzem a estória, não sabemos por que os papéis delas estão reduzidos a gritos e choro histérico, qual carne para canhão. Onde o prólogo é mistério sobrenatural, este é slasher puro. A última parte é a redenção de “The Road”. O terror dá lugar a um drama familiar tão poderoso que explica de modo convincente os primórdios de um degenerado homicida. A estória tem lacunas quanto baste, nomeadamente em termos temporais. O mesmo personagem rapaz que em 88 tem 12 anos, em 1998 teria 22 certo? Errado, pois foram contratar um jovem com uma aparência tão jovial que parece ter uns 16 no máximo. Agora, imaginem um rapaz de 16 anos a pôr fora de combate uma rapariga da mesma idade e outra mais velha ao mesmo tempo e a arrastá-las para dentro de casa. Não é muito verosímil pois não? O melhor é mesmo a fotografia e Laranas faz questão de juntar mais essa função à de realizador e escritor. E se ele pinta cenários? Ele aproveita todas as oportunidades para mostrar a estrada de diversas perspectivas. Ao nascer do sol, durante o crepúsculo, nas trevas da noite que vai longa... Por entre a folhagem virginal, através do campo de visão dos ocupantes da estrada. Quase tudo é estrada, momentos que alterna com a evolução de uma casa à medida que vai tendo diferentes ocupantes durante duas décadas. Como dissera antes, “The Road” salva-se pela forma e, não só apresenta momentos de grande beleza como apela a diferentes correntes de terror. Tem tudo para agradar a todos, se a narrativa não for um requisito essencial. Duas estrelas e meia.

Realização: Yam Laranas
Argumento: Yam Laranas e Aloy Adlawan
TJ Trinidad como polícia
Carmina Villaroel como Carmela
Rhian Ramos como Lara
Barbie Forteza como Ella
Alden Richards como jovem Luís
Louise de los Reyes como Joy
Lexi Fernandez como Janine
Derick Monasterio como Brian

Próximo Filme: “The Wig” (Gabal, 2005)
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