domingo, 27 de setembro de 2015

"The Shrew's Nest" (Musarañas, 2014)


Por entre os devaneios retro de um “Turbo Kid”, a loucura sem limites de “Yakuza Apocalipse” ou os nervos contidos de “The Invitation” seria fácil “The Shrew’s Nest” (que teve uma presença discreta no Cinefiesta de 2014), passar despercebido na 9.ª Edição do MOTELx. Seria… mas não foi.


“The Shrew’s Nest” foca a estória de Montse (Macarena Gómez) e a irmã acabada de completar 18 anos (Nadia de Santiago). Com a morte prematura da mãe e o abandono do pai (Luís Tosar), Montse chama a si o papel de progenitora que assume com todo o zelo e autoridade. Acossada pelo temor do desconhecido Montse é uma reclusa na sua própria casa, fazendo trabalhos de modista e tendo por ligação mais imediata ao exterior a irmã que trabalha na loja de ambas. Na casa que governa com mão de ferro, Montse recebe ainda a Dona Puri (Gracia Olayo) cliente e boa vizinha de confiança há muitos anos conquistada, pois que qualquer pessoa que introduza no seu lar é uma pessoa a mais. Viciada em morfina, nos seus receios e fervor religioso que constituem a maior fonte de emoções numa vida sem acontecimentos, Montse não tem qualquer desejo de alterar a sua situação. Enquanto o exterior não lhe entrar pela casa adentro e conseguir manter a irmã com rédea curta estará no pleno da sua existência limitada.

No entanto, a irmã que até ali manifestara meros laivos de rebeldia inicia a demonstrar um preocupante desejo de independência e a questionar a autoridade de Montse. Entretanto, o vizinho do andar de cima Carlos (Hugo Silva) cai das escadas do prédio quedando-se perto da sua porta. Pela primeira vez em muitos anos Montse é confrontada com uma situação em que se sente forçada a sair da sua zona de conforto e toma a decisão de esconder Carlos que partiu uma perna no acidente, qual Annie Wilkes (“Misery” 1990). Receber um estranho na sua casa, ademais o sedutor Carlos revela-se avassalador para Montse. Um mundo de oportunidades se abre para ela. De súbito, tentar sair de casa parece menos assustador e a ideia da irmã a trocar por outra realidade não se assume como o pior que poderia suceder. A destruição destas ilusões românticas prematuras irá lançar Montse numa espiral de insanidade com contornos trágicos. Montse é uma metáfora da sociedade do ditador Franco. Desde o temor profundo que lhe é incutido através da figura do pai déspota e da religião obsessiva como guia orientador e resposta para quaisquer eventos que fujam aos padrões do que se entende por uma boa conduta, até à “claridade” de que um homem constitui a solução para todos os problemas.
Macarena Gómez é uma estrela como Montse. É esta personagem que confere uma força vital ao argumento. Ela é a Espanha franquista dominada pelo medo. Ela tem medo, incute medo e sobrevive através do medo. Ela teme o desconhecido e exerce o temor no castigo da irmã, no fundo, a única pessoa na qual pode descarregar toda a sua frustração e, em simultâneo, aquela que lhe permite manter alguma sanidade na sua cela voluntária. Quando surge um desafio ao seu poder, ela faz o que qualquer animal perseguido faz: ela luta com todas as suas forças para sobreviver. Só que o que ela entende como provocação, não é mais do que as vivências que qualquer indivíduo tem de ultrapassar para se melhorar enquanto ser humano.
A acção de “The Shrew’s Nest” ocorre quase na íntegra no apartamento das irmãs mas não está confinado ao espaço. Antes ajuda a criar um sentimento de empatia para com Montse e a sua agorafobia e, por outro, criar uma afinidade com a irmã de Montse que anseia ir além das paredes que a sufocam. O argumento foi escrito com uma sensibilidade que permite observar as personagens nas suas áreas cinzentas. Ninguém é por completo um monstro ou uma vítima. O sentimento de desconforto, a loucura que grassa nas paredes aguardando por um rastilho para explodir é palpável. A escalada e a recompensa demoram mas são rápidas e furiosas. Não é mesmo este o tipo de emoções que se esperam de um festival de cinema de terror?

PS 1: Texto publicado originalmente aqui.

domingo, 20 de setembro de 2015

"The Swimmers" (Fak wai nai gai thoe, 2014)


De há uns anos a esta parte a recepção aos filmes de terror tailandeses tem esmorecido. Outrora criativo e arrojado, realizadores e argumentistas parecem agora contentar-se com estórias batidas até à exaustão. No entanto, ainda podem ser encontradas algumas excepções em Banjong Pisanthanakun (“Alone” 2007; “Pee Mak” 2013) e Sophon Sakdapisit que estreou o filme anterior “Laddaland” na Edição do MOTELx de 2012 e agora retorna com este “The Swimmers”.

Algures num liceu tailandês, Perth (Chutavuth Pattarakampol) e Tan (Thanapob Leeratanakajorn), melhores amigos e eternos rivais na equipa de natação enfrentam o maior desafio da sua amizade. Ambos nutrem sentimentos pela mesma rapariga. Habituado a ficar em segundo lugar para Tan, Perth parte em desvantagem pois Ice (Supassara Thanachart) começa por namorar o amigo. A oportunidade de a conquistar surge quando ela lhe pede para a ensinar a nadar. Perante o suicídio inesperado de Ice na piscina onde praticavam Tan afunda-se numa depressão e Perth aproveita a oportunidade para tentar captar a última vaga para a universidade destinada ao vencedor da próxima prova de natação, ainda que isso signifique treinar no local onde a rapariga morreu. Mas os eventos não correm como planeado. Tan diz-lhe que o suicídio de Ice se deveu a encontrar-se grávida e que não vai desistir enquanto não encontrar o desgraçado que quis fugir à responsabilidade. Perth sente-se agora pressionado em todas as frentes e tem a desconfortável sensação de que algo ou alguém o estão a assombrar…

“The Swimmers” é um pouco mais que o arquétipo do filme sobrenatural made in Tailândia. Focado num público mais jovem é um filme sobre escolhas. Quando elas são tomadas com a leveza de espírito da juventude e persiste a ideia fixa tão própria da idade de que há tempo para voltar atrás e se tem a ilusão de que tudo pode ser desfeito. Até que não se pode mais fazê-lo… Ice morreu, Tan está cego pela ira e até o futuro de Perth na universidade se encontra em perigo.
O elenco é decente o suficiente para um projecto de terror protagonizado e dirigido a jovens adultos que constituem o target em voga nestes tempos dominados por filmes como “The Hunger Games” (2012), “Maze Runner” (2014) e sucedâneos. O facto de os actores masculinos passarem bastante tempo na piscina fornece amplas oportunidades para se ver abdominais bem definidos sem que paire a acusação de nudez gratuita. Os diálogos são tão infantis quanto o elenco é novo o que confere alguma plausibilidade à estória (a que não inclui a sugestão de espíritos inquietos) e a cinematografia encontra-se ao melhor nível. A estória mergulha por momentos no absurdo mas é resgatada a tempo de um final que poderá saber a insatisfatório. A ideia de assombração é passa a mera sugestão deixando antever a possibilidade de esta não ir além da insinuação de sentimentos de culpa (mal explorados). Em última análise, se temas como o sexo desprotegido ou o aborto poderão ser controversos, não existe ambiguidade alguma na capacidade de “The Swimmers” atemorizar nos momentos certos.

PS 1: A FilmPuff Maria não desapareceu mas andou pelo Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa - MOTELx, pelo que a programação normal seguirá dentro de momentos.

PS 2: Crítica publicada originalmente aqui.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...