Do conto-de-fadas moderno fazem parte itens como a casa grande, as
aulas de ballet e um roupeiro cheio de sapatos. De preferência um armário só
para sapatos, onde estes possam ser ostentados e adorados, além de calçados. Ao
melhor preço que o gosto pode alcançar. Acima de tudo bens, visíveis e
passíveis de apreciados e invejados pelos outros. O prazer de saber que os
outros anseiam pelas nossas possessões é pouco superior ao de nos sabermos
donos e senhores daquilo que detemos. Do sonho apenas se excluem maridos
infiéis, filhas desobedientes e a sensação de que somos apenas um bocado de
carne andante, que apenas serve para cumprir um desígnio superior… de outra
pessoa.
Sun-Jae (Hye Soo Kim), tem um brutal acordar para a realidade quando
encontra o marido com outra mulher e, ofensa maior, que calça os seus belos saltos
altos durante o acto sexual. Sun-Jae abdica do sonho que era na verdade um
pesadelo mas, só ela não o queria ver e foi a última a compreendê-lo com toda a
dor que isso implica. Ela muda-se com Tae-su (Yeon-ah Park), a filha menor,
para um apartamento decrépito. Lá, tenta manter pequenas lembranças da vida de
luxo anterior, como o expositor dos seus belos sapatos, ao mesmo tempo que
recupera forças para iniciar um negócio por conta própria. A filha, essa,
rebela-se. O pai que era incapaz de lhe dizer a palavra “não” e gostava de a
ver dançar era muito melhor.
Por entre a recém-descoberta vida de mãe solteira e o interesse súbito
de In-cheol (Seong-su Kim), o designer de interiores que escolheu para decorar
o escritório, Sun-Jae encontra um par de sapatos cor-de-rosa intenso. E estão
ali, no meio de uma carruagem do metro, abandonados. Como é possível? Ela
arrisca. Assentam na perfeição. Como se tivessem desenhados para os seus pés. E
finos, requintados. Logo ela, que nunca admitiria ter encontrado os sapatos.
Ela é o tipo de mulher a quem se oferecem sapatos. Caros. Sun-jae sente-se
desde logo assombrada e encantada. Pois que eles têm memória e, rapidamente,
Sun-jae alterna os momentos de realidade com a ficção do novo par de sapatos
que encontrou. Mas os saltos de princesa cor-de-rosa também encantam a outrem.
Os seus sapatos atraem o olhar lascivo dos homens e a inveja das mulheres e,
não tarda, também a morte.
“The Red Shoes” baseia-se no conto de Hans Christian Andersen “Os
sapatinhos vermelhos”, no qual, o sueco relata a estória da queda de uma menina
pobre que se deslumbrou e descurou os seus deveres por causa de um par de
sapatos vermelhos recém-adquiridos. Perante a sua crescente vaidade e desleixo pelos
outros, os sapatos foram amaldiçoados e ela condenada a dançar para todo o
sempre até que, cheia de dores implorou a um carrasco que lhe amputasse os pés.
Ela viveu o remanescente dos seus dias aleijada mas feliz com a nova descoberta
de piedade e amor pelo próprio. Quanto a mim esta é uma moral um bocado
psicopata, não que a minha opinião venha ao caso, embora, tal conto mais
depressa inspire o temor nos jovens do que os incite a uma reflexão sobre os
efeitos do seu comportamento sobre os outros. Ainda que narrativa da película
seja uma adaptação tão livre do conto que poucos a associem a Anderson, a
fotografia é excepcional e evoca o conto de fadas. Valha-nos a imagem, bela e
assombrosa, como as estórias de Anderson. Bela e arrepiante, nomeadamente nos
momentos em que o sangue corrompe superfícies alvas e limpas, trazendo poluição
ao perfeito mundo minimalista que poucos segundos antes ali tivera lugar. Estas
cenas são tão mais evidenciadas pela ausência de figurantes. Todos os espaços
públicos estão desertos. Apenas quando a personagem principal está em cena, o
mundo parece um pouco mais povoado mas mesmo assim são poucas as ocasiões para
tal. Sun-jae vive numa bolha com a filha. Quando corpos estranhos se tentam
introduzir nela acabam por sofrer as consequências fatais. Mas até no número de
mortes “The Red Shoes” é minimalista. Curiosamente é a narrativa que se
encontra pejada de ideias, demasiadas, cuja existência, perante um desenlace
tão óbvio, é muito duvidosa. Optaram por esta opção ao invés de se manterem na
linha minimalista que antes tinha sido demonstrada. Face a opções tão idiotas
só posso concluir com o velho princípio KISS - Keep It Simple Stupid! Duas estrelas e meia.
Realização: Young-gyun Kim
Argumento: Young-gyun Kim, Sang-ryeol Man e Hans Christian Andersen
(conto)
Hye-soo Kim como Sun-jae
Seong-su Kim como
In-cheol
Yeon-ah Park como
Tae-su
Próximo Filme: "Art of the Devil 3" (Long khong 2, 2008)
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