quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

“Ayakashi – Samurai Horror Tales: Goblin Cat”, (Ayakashi – Bakeneko, 2006)


“Bakeneko” pode ser entendido de forma literal como Gato Monstro e pertence à classe dos “yokai” ou monstros sobrenaturais do folclore japonês. Ao contrário dos antigos egípcios, que veneravam o gato, personificado pela deusa Bastet, uma entidade feminina associada à protecção do lar e das mulheres expectantes, o "bakeneko" é o oposto, assombrando e ameaçando a paz do lar. Os seus poderes incluem a capacidade de falar, voar, se transfigurar e devorar humanos. Os seus actos devem ser sempre observados com desconfiança pois, o seu feitio é irascível e nem sempre se move por motivos altruístas e de bondade. Depois de traído torna-se vingativo e poderá consumir aquele que o feriu.
Em “Bakeneko”, durante o período Tokugawa (séc. XVII até meio do séc. XIX), uma família comemora o casamento da única filha que irá permitir saldar as dívidas que anos despesismo e irresponsabilidade incorreram sobre o lar. Com os preparativos do evento, eles deixam a casa desprotegida dando espaço a que um curandeiro que esconde mais segredos do que a aparência humilde deixa antever, se introduza na zona servil, junto da crédula Kayo. Introduz-se ele e, algo mais. Assim que a jovem noiva tenta passar o limiar da casa cai fulminada acometida por uma doença súbita. A família vira-se logo para o curandeiro e prende-o mas, após a morte de outro serve a realidade mostra-se bastante mais negra! O estranho desconhecido sugere que estão a ser assombrados por um bakeneko e que para os proteger eles terão de enfrentar os segredos que despertaram a raiva da besta.
“Bakeneko” é o conto pelo qual os fãs de animação e terror aguardavam. Façamos um exercício: visualizem o grande mestre do terror para vós. Não interessa o nome, apenas, aquele, cujas obras, conseguem, instilar em vós o terror. Aquele que, não interessa o tema ou a época, consegue provocar, invariavelmente, um arrepio na espinha e tornar o mundo dos sonhos um pouco mais aterrador. Agora imaginem que é ele quem está por trás de “Bakeneko”. Compreendem agora que estão perante um conto especial?
Inicialmente, a família permanece incrédula face à suspeição de ataque sobrenatural e paira um clima de suspeição sobre o curandeiro. Tudo indica que são um aglomerado normal apesar das complicadas relações entre os membros da família, servos e conselheiros. Eles vão sendo alvo de ataques sucessivos que vão provocando cada vez maior número de vítimas e dá-se uma revolução no seu mundo interior. Ficam nervosos, temerosos, loucos e começam a falar. Começam a questionar comportamentos passados, a desculpar-se de actos ignóbeis e a culpabilizar-se uns aos outros. É isto mesmo que o curandeiro pretende saber: a “katachi” (forma), “makoto” (verdade) e o “kotowari” (razão) para o demónio os atacar e a informação que poderá ajudá-lo a exorcizá-lo. Há um momento de tensão extraordinária quando o curandeiro coloca balanças com guizos para apurar onde se encontra o demónio. Os guizos começam, um a um, a tocar, em todo o redor da sala e as pessoas que lá estão, até ali descrentes da assombração são incapazes de se movimentar, geladas que estão de medo… A estrutura narrativa não é linear e classificação mais aproximada que consigo encontrar para identificar “Bakeneko” é a de um conto detectivesco/thriller sobrenatural de suspense.
A animação de Takashi Hashimoto também é a mais interessante de toda a série. A despeito da impressão de que estamos perante uma série de gatafunhos antiquados, “Bakeneko” apresenta influências tão notórias e tão distantes como gravuras japonesas dos últimos 100 anos arte moderna ocidental, influências religiosas, motivos asiáticos e africanos, em conjunção com as novas técnicas de animação moderna. Esta massa aglomerada, num só bolo, poderia ser apelidada de pesadelo de um unicórnio, visto que as cores, ao invés de remeterem para uma aura de felicidade açucarada gritam desconforto e inspiram o pesadelo sobrenatural.
“Ayakashi – Samurai Horror Tales” é uma obra desigual que vale apenas pelo último conto. A animação intrigante, a narrativa adulta que provocam um misto de tristeza e fascinação face às suas diferentes tonalidades, merecem ser exploradas. Aconselho os fãs a explorar igualmente a série “Mononoke” de 2007, que surgiu como "spin-off" de “Bakeneko”, dando seguimento às aventuras do curandeiro caçador de demónios. Quatro estrelas.

Realização: Kenji Nakamura
Argumento: Michiko Yokote
Designer de animação: Takashi Hashimoto
Takahiro Sakurai (Japonês), Andrew Francis (Inglês) voz do Curandeiro
Yukana (Japonês), Kelly Sheridan (Inglês) voz de Kayo
Tetsu Inada (Japonês), Trevor Devall (Inglês) voz de Odajima

PS: O sucesso deste episódio foi de tal modo grande que podem encontrar imensos exemplos de fan art por essa internet fora (sobretudo na deviantart) e até cosplay. Numa nota adicional e já depois de ter escrito esta apreciação chamaram-me a atenção para "Gankutsuou", uma outra série de 2004 que terá inspirado o estilo da animação de "Bakeneko".

Próximo Filme: “Zombie 108”, (Z-108 qi chen, 2012)

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