domingo, 2 de novembro de 2014

"The Theatre Bizarre", 2011


Em finais do século XIX abriu em Paris o “Grand Guignol”, um teatro dedicado à encenação de experiências de terror naturalistas. À época, os efeitos “especiais” eram tão realistas que provocavam reacções na audiência como o desmaio ou o vómito. Com o advento da Segunda Grande Guerra as audiências começaram a escassear, até que por fim o teatro bizarro fechou as portas de vez. A vida real era afinal mais horrenda que a ousada encenação parisiense. “The Theatre Bizarre” é pois uma homenagem à História do “Grand Guignol”, onde sete realizadores tentam recriar uma noite deste teatro do horror sob o conveniente formato de antologia.

“Enquadramento” - A jovem Enola Penny (Virginia Newcomb) sente-se fascinada com um antigo teatro abandonado. Um dia, ela atreve-se a entrar no edifício devoluto e descobre que os actores estão bem vivos e dispostos a interpretar um último show. O espectáculo conduzido pelo fantoche humano Peg Poett (Udo Kier) apresenta-a a um mundo de bizarrias… Seis estórias para ser exacto.

“Mother of Toads” – Obcecado com o “Necronomicon”, um livro raro sobre o oculto, um casal percorre o cenário bucólico francês em busca de uma pista deste. Lá, deparam-se com uma idosa demasiado disponível para lhes dar as boas novas que anseiam. Sucedem-se um abandono, um engano e uma traição. Talvez tenham sido as forças mágicas que escondem os segredos do livro que os encontraram.

“I Love You” – Um casal demonstra que do amor ao ódio a distância é pouca. Axel (André Hennicke) começa a enlouquecer à medida que as suas neuroses e paranoias de traição se revelam reais e a esposa cruel o conduzem a um comportamento destrutivo.

“Wet Dreams” – Um Homem inquieto (James Gill) conta ao psiquiatra os pesadelos recorrentes que o atormentam. No mundo dos sonhos, a sua esposa (Debbie Rochon) é uma sádica que retira prazer da sucessiva mutilação e humilhação do marido. Como se vem, mais tarde a perceber, as causas do sonho podem ter que ver com esqueletos no seu armário.

“The Accident” – Mãe (Lena Kleine) e filha (Mélodie Simard) têm uma conversa sobre um dos temas que mais aterrorizam um pai: a morte. Em viagem, cruzam-se com o acidente que provocou uma vítima. As questões inevitáveis da menina levam a mãe a contar-lhe de modo franco mas delicado o significado da morte.

“Vision Stains” – Uma toxicodependente (Kaniehtiio Horn) com uma escolha de droga peculiar. Ela está obcecada com as memórias e imagens das outras pessoas e pretende absorvê-las. Descobriu o modo prefeito de as preservar, injectando o fluído ocular das suas vítimas nos seus próprios olhos.

“Sweets” – Se alguma vez houve uma relação disfuncional ela é a de Estelle (Lindsay Goranson) e Greg (Guilford Adams) que vivem para o maior dos pecados: a gula. A sua relação está um caos e Greg continua a humilhar-se, empanturrando-se para a delícia de Estelle. Mas isso não chega para saciar a namorada. A relação só poderá resultar se o já obeso Greg se sacrificar.

Entende-se “Bizarria” por “característica do que é estranho, grotesco ou incomum”. Ora como fãs de terror que somos (se não são, façam-me a vontade), sabemos como é complicado encontrar uma longa-metragem de terror original. Mesmo que se decomponha o género de terror em subgéneros como “gore”, “psicológico” (admito que a definição deste é dúbia), “assassínio”, “monstros” e “paranormal” afirmar a diferença é tarefa difícil se não mesmo impossível. Se tudo já se fez, então o que poderá ser considerado de facto “bizarro”? Pelas propostas de definição apresentadas, “incomum” não será, pelo que resta a possibilidade de “The Theatre Bizarre” se poder identificar com estranho ou grotesco.



A abrir temos uma curta-metragem que serve somente de elo de ligação entre as várias propostas do bizarro. A “estória” desenrola-se num teatro devoluto, que a civilização ainda não se lembrou de proceder à aniquilação de uma réstia de um passado que já ninguém sabe muito bem o que foi. Nem o equipamento seria tão importante que pudesse ter sido convertido num cinema para as novas gerações pipoca. E o bizarro já não é moda. Ele é o quotidiano e portanto anula a necessidade de um “Grand Guignol”. Considerações filosóficas à parte, a protagonista destemida e um pouco louca decide sentar-se na assistência e não pestaneja perante o “boneco-humano” protagonizado pelo sempre alarmante Udo Kier. Nem sequer quando ele inicia a contar-lhe “estórias”. A encenação dentro da encenação é um daqueles recursos velhos, daqueles que não estão dispostos a dar-se muito trabalho. “Estamos a homenagear uma sala de espectáculos? Que tal colocarmos a acção no palco?” E todos à volta batem palmas e gritam “Bravo!” Juro que estou mesmo a ver Zach Chassler a fazer o pitch da ideia. E para o papel de anfitrião, recrutaram o previsível Udo Kier. Porque uma pessoa habituada a interpretar papéis insólitos e/ou que exigem alguma musculatura dramática é perfeita para o prelúdio de qualquer outra coisa mais importante que venha a seguir.
Seguindo-se-lhe “Mother of Toads” o augúrio não é mau, é péssimo. O trio de argumentistas até tenta dar um ar de graça indicando o “Necronomicon” ou o livro dos mortos, que para quem não conhece vai beber directamente à obra literária de H.P. Lovecraft, como o motor da acção. Sucede que as referências ao senhor não sendo novidade, existem até em qualidade superior. “Evil Dead” (1981)?! Se retirarmos os elementos de inspiração da estória no folclore europeu, o que sobra é um casal detestável. E uma velha, que é uma bruxa ou uma deusa, ou um demónio… Ou qualquer coisa que não se percebe bem e... uma chuva de sapos. Portanto, se ainda não tiverem desistido do filme por este ser horrível ou forem de etnia cigana segue-se “I Love You”, uma ode ao amor obsessivo e paranóico. De ressalvar que por entre desconhecidos, se encontra André Hennicke mais conhecido como o Gabriel Engel de “Antibodies” (2005), com claras dificuldades na pronúncia do seu inglês. “I Love You” é aborrecido e previsível. Homem ama obsessivamente Mulher. Mulher está farta Dele. Ele passa-se. Ciúme e crime andam de mãos dadas como já tantas vezes assistimos na não-ficção. Esta curta-metragem, assim como “Wet Dreams” apresentam uma colagem aos temas de algumas peças que passaram pelo Grand Guignol como “Laboratoire des Hallucinations” e “Un Crime dans une Maison de Fous” de André de Lorde.
Ambas, focam-se na narração directa ou indirecta do Homem da relação. Mas enquanto uma é a mera representação das estórias de amor, traição e vingança, a segunda dá lugar às perversões que se não contam a ninguém. Nem mesmo ao terapeuta. E se a intenção é a melhor, a execução é pobre. Os sotaques pouco conseguidos distraem das palavras que estão a ser proferidas ainda que seja apreciado o esforço em ensaiar uma conversa, quanto mais compreender uma língua que não é a materna.
E quando metade de “The Theatre Bizarre” já desfilou pelo ecrã com muita pompa mas pouco conteúdo, por fim a bofetada. “The Accident” quase poderia ser apelidado de bizarro por ser tão comedido no que mostra na tela e pela delicadeza no tratamento do tema. Uma premissa simples, sem overacting que passa a mensagem na perfeição. O único senão desta curta-metragem é parecer tão desenquadrada dos filmes que a precederam. A actriz menor é a observar no futuro.
Pelo fim dos 114 minutos ainda mais acentuada será a sensação de incoerência ainda que a visão seja comum. “Vision stains” evoca também uma das peças já apresentadas e é a mais provocadora em termos de imagem. Se tiveram oportunidade de ver A cena de “Un Chien Andalou” (1929) de Buñuel ou um “Zombi 2” (1979) de Fulci e decidiram nunca mais assistir as películas onde há lugar a traumas oculares, o melhor é tapar-se os olhos neste momento da antologia. A protagonista é uma mulher com uma alma fracturada. Como não consegue resolver dentro de si as suas próprias vivências vira-se para o outro e tenta tomar as suas experiências. Ela desculpa-se com a necessidade de gravar para sempre as suas estórias mas ela só tem duas verdades: é uma toxicodependente e uma invejosa. O alvo de inveja e o modo de captar a essência do que deseja é a única ideia brilhante em “The Theatre Bizarre”. Lamentavelmente, o argumento não consegue explicá-la sem recorrer à narração porque, como todos sabem, se não nos explicarem não possuímos a inteligência para compreender o que está a suceder. A última curta-metragem não é doce que chegue para compensar e resgatar a antologia da lista de filmes que se vêm uma vez e nunca mais voltaremos a eles. Mais uma relação doentia e a sugestão explícita do pecado mortal da gula. Recordam-se do cadáver que representava este pecado em “Se7en” (1995)?
O mais assustador desta imagem nem era a figura mórbida numa posição estática, desconcertante, mas a imagem mental daquilo que teria passado até falecer. “Sweets” é tão exibicionista quanto “Vision stains”. E conclui que não é o final que choca mas o processo. E se mais uma vez a ideia até é interessante, a execução continua a penalizar. O diálogo teatral confere alguma leveza às cenas de enfartação e retira-lhes a seriedade, o medo. Sobra o nojo, por contraste com a utilização descontrolada de cores, como um saco de gomas. Se o realizador pretendia atingir um estado de terror pelo obsceno consegue. Sem mostrar tanto, “Se7en” afirmou-se nos idos anos 90, assustador e um absoluto triunfo. “The Theatre Bizarre” cumpre o objectivo de homenagear as excentricidades teatrais da Paris de fim do século XIX mas falha miseravelmente em demonstrar por que é importante preservar essa História. Duas estrelas.

O melhor:
- A homenagem
- Ideia central forte
- "The Accident" e "Vision Stains"

O pior:
- Elenco desigual
- Fraco aproveitamento de boas ideias
- Antologia indistinguível de tantas outras
- "Sonhos Molhados" aka "Wet Dreams não faz nada por ninguém...


Realização:
Douglas Buck segmento "The Accident"
Buddy Giovinazzo segmento “I Love You"
David Gregory segmento "Sweets"
Karim Hussain segmento Vision Stains"
Jeremy Kasten segmento de Enquadramento
Tom Savini segmento "Wet Dreams"
Richard Stanley segmento "The Mother Of Toads"

Argumento:
Zach Chassler segmento de Enquadramento
Richard Stanley, Scarlett Amaris e Emiliano Ranzani segmento “The Mother of Toads”
Buddy Giovinazzo segmento “I Love You”
John Esposito segmento “Wet Dreams”
Douglas Buck segmento “The Accident”
Karim Hussain segmento “Vision Stains”
David Gregory segment “Sweets”

Actores:
Udo Kier como Peg Poett
Virginia Newcomb como Enola Penny
Catriona MacColl como Mére Antoinette
Shane Woodward como Martin
Victoria Maurette como Karina
André Hennicke como Axel
Suzan Anbeh como Moe
Debie Rochon como Carla
Tom Savini como Dr. Maurey
James Gill como Donnie
Jodii Christianson como Maxine
Lena Kleine como Mãe
Mélodie Simard como Filha
Kaniehtiio Horn como a “Escritora”
Lindsay Goranson como Estelle
Guilford Adams como Greg

Próximo Filme: "Happy Birthday to me", 1981

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