segunda-feira, 2 de março de 2015

Top 15: Música de Filmes de Terror



O terror é muito provavelmente um dos géneros onde é mais importante assegurar que a música e o som são irrepreensíveis. Se existir um desfasamento entre a selecção musical e os acontecimentos que se desenrolam no écrã, o efeito de assustar não sortirá efeito. Injustiçado, nas nomeações para prémios de cinema multigénero, ridicularizado e até inferiorizado pelos pares, é nos aspectos técnicos que as “academias” e júris por esse mundo fora são mais generosos com o género, atribuindo-lhe normalmente os prémios de consolação que lhe escapam nas categorias principais. Podia transformar este top num espancamento público dos tipos que só nomeiam os filmes de terror para as categorias que "não interessam a ninguém", se é que são nomeados de todo, mas não tenho tempo nem energia. Conto convosco para isso. Entretanto, faço notar que não adquiri do dia para a noite e, por artes mágicas, a capacidade de compreender boa música. Segui apenas três critérios: gosto pessoal, originalidade e a sua implantação na memória colectiva. Por isso, se alguém me tentar explicar por que o número um é vastamente superior ao número três o mais provável é esboçar um sorriso, responder: “Sim senhor. Tens toda a razão” e ignorar.

1. “Psycho” (Bernard Herrmann, 1960) – Nada como apostar numa das composições mais consensuais e reconhecíveis de que há memória. Quantos de vocês, quando ouvem esta música não começam a gesticular feitos loucos, recriando o movimento de esfaquear alguém?! Não? Ok. Essa é a popular e tantas vezes parodiada cena da morte de Marion Crane (Janet Leigh), até àquele momento considerada a protagonista de “Psycho”. Se a morte por si só é considerada chocante (mataram a Marion?!), o efeito é exacerbado pela música inquietante mas subtil que a antecede e não fazia prever tal evento. A audiência tinha-se afeiçoado à personagem pelo que seria de esperar que esta a ser retirada de cena, o fosse com elegância e suavidade. Nada podia estar mais longe da verdade. Os violinos tornam-se golpes afiados, rápidos e furiosos e Marion tem uma morte bárbara, angustiante. Se Hitchcock nos fez afeiçoar à protagonista, Herrmann retirou-a de cena com ferocidade.

2. “Rosemary's Baby” (Krzysztof Komeda, 1968) – Em termos de construção, a música parece pouco complexa. O instrumental parece datado e apenas sobressai o canto de Rosemary. Mas haverá momento mais ternurento do que aquele em que uma mãe embala o seu bebé? É pouco importante que ela tenha um tom bonito ou sequer angelical. O factor de atracção é antes a inocência, ingenuidade até, quanto ao ser que carrega. Um momento que seria de extrema felicidade torna-se pois o exacto oposto e marca o tom dramático da estória pois a música brinca com o receio de todos os pais de que o seu filho possa não ser “perfeito”.

3. “The Exorcist” (Mike Oldfield, 1973) – “Tubular Bells” está para “The Exorcist” como “Lux Aeterna” está para “Requiem for a Dream”, sendo que curiosamente, a actriz Ellen Burstyn contracena em ambos. Qualquer das músicas é fenomenal por si própria e qualquer uma delas é reconhecível como “a música daquele filme que posso não me lembrar de imediato qual é, mas tenho a certeza que é do cinema”. No caso de “The Exorcist” apesar de parecer feito à medida, “Tubular Bells” do já editado álbum de Mike Oldfield foi apenas um dos temas que encontraram para colmatar a ausência de música. Ela é nota dissonante numa película onde a orquestra predomina. Tal como é nota dissonante, a menina-criança que irrompe num comportamento destructivo, nada característico do que seria expectável de uma pessoa com aquela idade e muito menos de um ser humano.

4. “Jaws” (John Williams, 1975) – Uma rapariga desnuda decide nadar à tardinha. Daí a pouco ela é sacudida como se de uma boneca de trapos se tratasse. Não vemos mais do que indícios do que a possa ter atacado abaixo da linha de água. Também não precisamos. Como é que se faz uma pessoa ter medo de estar dentro de água? Trauteia-se “Duuun dun duuun dun dun”. Se o som é erradamente considerado minimalista, o efeito é supremo. Contam os (mais) adultos que no verão após estrear “Jaws” as praias estavam vazias. O medo da água e do que está lá debaixo era tão grande que houve até quem tivesse medo de se sentar na sanita. Ora, como é que alguém acha que um tubarão seria capaz de chegar a uma sanita, quanto mais morder-lhe o traseiro naquele momento tão delicado, escapa-me. Mas e daí, o medo não é racional. É este o legado de “Jaws”.

5. “Suspiria” (Goblin, 1977) – Não sei o que dará um mix de sonhos, drogas, nostalgia, terror, idade média, rock e indiferença com o que outros poderão pensar, mas imagino que seja algo parecido com a banda-sonora de “Suspiria”. A produção da banda italiana Goblin é reconhecível, sem ser uma produção barata e representa ainda aquilo que muitos compositores de filmes de terror gostariam de ser: livres. Se existe a sensação que um filme de terror está limitado na selecção de música e, a maioria das películas divide-se entre a orquestra ou o rock/pop com algumas escolhas dúbias, “Suspiria” demonstra que é possível juntar um sintetizador e murmúrios muito rock sem perder impacto ou se ser rotulado de zombaria.





6. “Halloween” (John Carpenter, 1978) – Este é um dos temas mais marcantes do género de terror. É também dos menos sofisticados. John Carpenter sabia o que queria, pôs mãos à obra e demonstrou que por vezes menos é mais. "Apenas" um piano e a repetição infindável das mesmas notas numa sequência perturbadora. A música, facilmente memorizável, é uma colagem perfeita a um filme cuja narrativa é também muito simples. Onde outros tentam complicar ou adiar a recompensa, Carpenter assalta os sentidos desde os créditos iniciais para criar ansiedade ainda antes do Michael Myers entrar em acção. Se o filme fosse extirpado de todos os momentos musicais iriam reparar que o ritmo é muito lento. Este é um dos motivos por que a banda-sonora é tão eficaz.

7. “Alien” (Jerry Goldsmith, 1979) – Já dizia a promoção ao filme que “No espaço, ninguém o consegue ouvir gritar”. Sete pessoas e um gato, a bordo de uma gigantesca nave espacial que perfura o espaço sideral, descobrem da pior forma que transportam um passageiro indesejado. Por mais que o procurem ele encontra-se sempre um passo à sua frente e, aos poucos, o número de passageiros vai-se reduzindo. Para onde fugir quando à sua volta se encontra o vasto universo? Não é como se tivessem para quem gritar.. O medo reside pois na impossibilidade de fuga, no isolamento, que é tão bem compreendido por Goldsmith. A sua composição completa de sons desconcertantes e inumanos é minimalista. Pontua somente os espaços imprescindíveis e não invade, complementa. Entende que nem sempre a música deve encher o vazio. É no pleno silêncio, que a tripulação aterrorizada poderá almejar ouvir aquele que está a mais. E nunca, uma audiência sentiu tanto o silêncio como em "Alien".

8. “Poltergeist” (Jerry Goldsmith, 1982) – Desta feita, Goldsmith opta pela mentira. Até parece que estou a visualizar um conjunto de crianças angelicais vestidas a rigor e alinhadas na perfeição, entoando a canção que treinaram durante várias semanas acompanhadas por uma harpa, para gáudio e aplausos ensaiados dos encarregados de educação. Ninguém poderia antecipar a visão de televisões que engolem criancinhas, armários sem fundo e bonecos-palhaço com vida. A banda-sonora de “Poltergeist” funciona por oposição ao que se espera habitualmente de um filme de terror. Ao invés de marcar uma posição assertiva nos instantes iniciais, ela é branda, reconfortante, vai evoluindo até que, com a audiência já descontraída nas cadeiras, conclui em risadas inusitadas. É a calmaria antes da tempestade e o enfoque é muito claro: eles estão atrás dos miúdos!

9. “Stir of Echoes” (James Newton Howard, 1999) – “Stir of Echoes” é um daqueles filmes de que uma pessoa raramente se lembra. Estreou no auge da loucura com “The Sixth Sense” e, filme e composição, caíram no esquecimento. Curiosamente, Howard apenas perdeu para si próprio pois ele colaborou com M. Night Shyamalan em “The Sixth Sense” e viria a manter a ligação nos filmes que se lhe seguiram. No global “Stir of Echoes” é considerado um primo menor e não será o melhor trabalho do autor mas possui uma melancolia menos frequente no género e por isso mais inesperada, desconcertante. Na base de “Stir of Echoes” encontra-se uma estória triste e Howard envereda por uma abordagem mais delicada dada o tema sensível, ao invés de optar pelos truques básicos do género como um instrumento gritante que aparece subitamente para criar saltos nos assentos das cadeiras.

10. “Shutter” (Chartchai Pongprapapan, 2004) – Aos primeiros segundos já estava rendida. O mix do piano com um som industrial, qual fábrica em pleno exercício, conferem a aura de mistério perfeita para um thriller sobrenatural. Mas se a composição de Pongprapapan já deixa uma forte impressão é a conjunção com uns créditos iniciais fortes que a tornam tão especial. “Shutter” explora o mundo da fotografia fantasma por isso a imagem de fotografias a ser reveladas numa câmara escura com a música de Chartchai em pano de fundo é arrepiante. A música intensifica-se e torna-se cada vez mais desconfortável à medida que mais e mais fotografias são apresentadas. Elas começam por mostrar simples cenários, evoluem retratos de pessoas e por fim, estados de alma. Serão aleatórias? Por que é que a estória que a música conta não tranquiliza a esse respeito?

11. “Saw” (Charlie Clouser, 2004) – Podia ter abordado “Dead Silence” uma película que também lhe mereceu elogios mas é ainda “Saw” o seu trabalho mais complexo e com a identidade mais vincada. “Saw” é um jogo de maquinações de uma mente que cria engenhos mortais intricados, cronometrados apenas o tempo suficiente para as suas vítimas terem uma (!) chance de escapar, de modo a provar a si próprio e aos outros a verdade da sua filosofia distorcida. A música de Charlie Clouser, ex-membro dos Nine Inch Nails é um misto de música industrial com a sempre omnipresente orquestra. Pouco tradicional, a sua construção faz imaginar o mestre do crime a conceber a sua mais recente criação letal, cuja intenção será desvelada com vagar e nunca na totalidade. E ecoa, em simultâneo, o desespero das vítimas e o sentido de urgência para resolver o puzzle antes que seja tarde demais.

12. “Insidious” (Joseph Bishara, 2010) – Bishara é um bicho estranho. O género de terror assenta-lhe na perfeição. Só para terem noção, ele também esteve por trás das bandas-sonoras de “Masters of Horror”, “The Conjuring”, “11-11-11” ou “Dark Skies”. O seu trabalho em "Insidious" tem um som antiquado, considerando que ele interpreta deliberadamente algo muito antigo e malévolo. Se o demoníaco tem nome, é de certeza o de um tema composto por ele. “Insidious” como filme e como banda-sonora não é uma experiência agradável e aí se encontra a sua beleza. Não é suposto o terror ser bonito. Ele deve provocar desconforto. A composição de Bishara é a ideal para ouvir quando se pretende ficar um pouco assombrado e a pior selecção antes de dormir. Ela cria um bichinho insidioso, que fica ali no cérebro a fomentar ideias que impedem o sono de chegar e permanecer.

13. “The Innkeepers” (Jeff Grace, 2011) – Se não é o momento mais original para as bandas-sonoras de filmes de terror pelo menos tem uma identidade distinta, como o hotel que descreve. Há uma qualidade qualquer num violoncelo que grita antiquado e atmosférico. Ora, existe algo mais adequado para dar vida a um hotel centenário assombrado? A música é pois requintada e fantasmagórica utilizando o truque mais antigo do mundo, a variação de intensidade, nomeadamente o crescendo. A ideia é acentuada quando a música é associada às fotografias do hotel prestes a ser desmantelado. Mesmo antes de se iniciar a narrativa, já está instalada inquietude.

14. “Maniac” (ROB, 2013) – Contextualizando, “Maniac” é sobre um assassino que transforma as suas vítimas em "manequins" e, a audiência assiste a todos os actos atrozes cometidos por ele, dentro da sua pele. “Maniac” soa àquilo que seriam os sintetizadores dos anos 80, se eles tivessem nascido no século XXI. Um estilo próprio com laivos de Daft Punk e Kavinsky, se eles tivessem criado a música para um filme de terror. É de todo em todo, um som familiar mas refrescante. É dançavel mas cool. Hipster mas sem ser inacessível. Dá a sensação que ROB assistiu a filmes de terror de finais de anos 70 e de 80 e revisitou todos os grandes mestres antes de compor, além do filme original de “Maniac” de 1980.

15. “Under the Skin” (Mica Levi, 2013) – “Under the Skin” é tão mas tão diferente de “Alien” que até parece propositado. O terror vem de dentro, belo e ostensivo. Já em “Alien” a besta é feia e terrível e está sempre escondida, fora de alcance. "Under the skin" é mais invasivo, seja por ter uma Scarlet Johansson hipnotizante de quem é impossível escapar ou por um acompanhamento musical constante, que não deixa respirar. Ao contrário do que se pudesse à partida pensar, não representa a emoção perante o alienígena mas as experiências da própria fera. Representa aquilo que não é natural. A banda-sonora soa a estranho por constituir uma combinação de instrumentos invulgar. Eles organizam-se e fundem-se, deixando, êxpirar zumbidos e lamentos inumanos. Não é alegre ou comovente e não nos deixa assumir, é. E em toda a sua glória é perturbador.

PS: Por hoje é tudo, se um dia tiver coragem farei a segunda parte deste top. 

1 comentário:

  1. Suspiria para mim está sempre no top, mas Halloween/Psycho são sempre músicas que não podem faltar em qualquer top de terror. Já agora a banda sonora toda do filme "The Woman" ahah pela sua abordagem diferente, deixando de fora o lado convencional do terror .

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