domingo, 19 de abril de 2015

"Audition" (Ôdishon 1999)


Considerado ainda por muitos a obra superior do aclamado realizador Takashi Miike, “Audition” foi catapultado para a ribalta tendo por pares “Ring” (1998) e “Ju-on – The Grudge” (2002). Representantes de uma nova era de ouro do cinema de terror japonês iriam conduzir a uma revolução do género, atrair audiências a novas paragens e conduzir a uma mudança de paradigma. Volvida mais de uma década, os filmes de terror deixaram de ser máquinas de fazer dinheiro no Japão e quase desapareceram dos cinemas, substituídos por live-action de animes e de mangas que privilegiam o género dramático. Onde é que as coisas correram mal?

Shigeharu Aoyama (Ryo Ishibashi), um viúvo de meia-idade é instado pelo filho adolescente Shigehiko (Tetsu Sawaki) a casar-se. Já se passaram sete anos desde a morte da mãe e, tendo pela primeira vez uma namorada, Shigeko consegue compreender a solidão que enche os dias do pai, que vive desde então para ele e para o trabalho. Chegou a altura de alguém cuidar dele. A principio relutante Shigeharu Aoyama, acaba por deixar-se convencer por amor do filho e de Yoshikawa (Jun Kunimura) que engendra um plano audacioso para o amigo encontrar a mulher com quem passar o resto dos seus dias. Aoyama já cumpriu os seus deveres enquanto homem de negócios e pai solteiro. Tem um emprego de sucesso estável e o filho é um adulto a quem pouco falta para se tornar independente e constituir família. Ele é um homem antiquado, que nada sabe do romance, tantos anos depois de perder a amada pelo que é natural a sua relutância quando o amigo lhe propõe organizar um casting para encontrar uma nova esposa. Aoyama encontra a eleita em Asami (Eihi Shiina) uma jovem que aparenta ser a flor delicada que ele procura e começa a cortejá-la de imediato apesar das dúvidas de Yoshikawa acerca da personalidade da rapariga. Este último considera que Aoyama deve explorar outras opções e conhecê-las bem, antes de se atirar para uma relação de cabeça. Como se vem a verificar Yoshikawa tem motivos para estar preocupado.

O marketing de “Audition” ostenta profusamente Asami com objectos de tortura e num vestuário reminiscente de BDSM que contrasta com a face angelical. À época ela foi de imediato considerada um anjo negro, representando na perfeição a encarnação do perigo da beleza e a confirmação de que nem tudo o que reluz é ouro. Em particular, uma cena de tortura com a duração de dez minutos e um saco enorme com um conteúdo muito desagradável apontam para uma conclusão linear acerca da natureza dela.
Esperando um telefonema
Estão a ver aquelas pessoas que atravessam a dada altura a nossa vida e das quais criamos a sensação de que existe algo de errado com elas, embora, não saibamos apontar a razão por trás de tal sensação? Asami é a sua personificação mas não há como dizê-lo a Aoyama. Pois não há como chamar a atenção de um homem enfeitiçado. E mentiras, elas são contadas por ambos? Em defesa de Asami, não foi ela que montou um esquema baseado em falsidade para se casar. Além de que após alguns encontros com Aoyama ela vai ganhando força para lhe contar a verdade. A sua delicadeza esconde uma mente ferida, insegurança e medos que se passam despercebidos ao pretendente impulsivo, devem ser mais evidentes para um homem vivido como Yoshikawa. É ilegítimo pensar que uma pessoa com um passado negro seja reservada para sua própria protecção? Então e as motivações dos homens? A presença de uma mulher na vida de Aoyama é sugerida por homens a pensar na felicidade de um homem: “uma mulher para cuidar dele”. O viúvo casar com a mulher da sua preferência é um dado adquirido. Persiste a ideia de que tendo bens materiais, a ideia de ele não ser material para casamento não se coloca. Por isso, não é surpreendentemente que Asami seja apresentada através dos olhos de Aoyama. Ele quer uma mulher à moda antiga como ele e acaba por projectar este seu desejo na bonita Asami. Apenas se vê a personalidade dela por escassos momentos e até nesse momento, estamos perante uma recolecção de Aoyama com o viés que lhe está associado. Ademais, Aoyama é mais do que um pobre viúvo solitário que apenas quer uma companheira. Breves instantes demonstram que tem uma colega apaixonada por ele que aguarda, porventura há muito tempo por um momento de atenção, de afecto dele. Mas como ela não possui uma beleza extraordinária e tem uma idade mais próxima da dele…
O que distingue “Audition” dos pares é a forte narrativa e crítica social que supera a mítica cena de tortura. Se o marketing o apresenta como um filme de terror (o que é também é verdade), o género com o qual tem mais afinidade é o dramático. “Audition” fala das relações amorosas, do medo do romance, das expectativas e dos constructos sociais, deixando antever a crítica velada mas forte a uma sociedade patriarcal, na qual a mulher é percepcionada como uma personagem secundária em todos os papéis que desempenha: filha, aluna, companheira… A complexidade da estória é ocultada por uma direcção e montagem fantásticas, que alternam entre o dia-a-dia, o sonho e a memória à medida que se penetra mais profundamente nos desejos e motivações dos personagens. Claro que tudo isto pode passar por um mero filme de terror com uma psicopata que adora brincar com agulhas. O que vos agradar mais. Quatro estrelas.

O melhor:
- Desobrir o conteúdo do saco
- A cena de tortura
- Edição e som
- Eihi Shiina e Ryo Ishibashi

O pior:
- Desenlace demasiado rápido

Realização: Takashi Miike
Argumento: Daisuke Tengan e Ryû Murakami (livro)
Ryo Ishibashi como Shigeharu Aoyama
Eihi Shiina como Asami Yamazaki
Tetsu Sawaki como Shigehiko Aoyama
Jun Kunimura como Yasuhisa Yoshikawa
Renji Ishibashi como Professor de Ballet
Miyuki Matsuda como Ryoko Aoyama

Próximo Filme: "Missing" (Sam hoi tsam yan, 2008)

Sem comentários:

Enviar um comentário