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segunda-feira, 15 de junho de 2020
Suores Frios - "Mil novecentos e setenta e três" - por Edgar Ascensão
Seria certamente uma escolha óbvia eu falar de qualquer filme que tenha visto sendo mais novo, em miúdo, de tenra idade e com as emoções ainda verdinhas. Podia falar do Poltergeist, que com seis anos eu regalaria os olhos de assombro, quando os meus primos mais velhos nos punham a ver maratonas de terror em casa deles. Era Halloween, Dracula do Christopher Lee, ou o The Omen. E a produção de Spielberg sempre foi um must aqui do meu coração palpitante. Mas não. Quero falar de uma obra (prima) que apenas conseguiria meter os olhos aos 19 anos de idade, altura em que já estaria com alguma estaleca cinéfila e conhecedor da maioria dos clichés desse género.
Era o Exorcista. Sim, o clássico de 1973. Uma sessão de madrugada na RTP1, tinha gravado em VHS para ver no dia seguinte com o meu irmão, mais velho que eu quatro anos, que também nunca tinha visto. E eu estava naquela do “epá, tão velho, dos anos setenta, ainda é pré Star Wars” (era uma altura da minha vida que ingenuinamente dividira a história do Cinema por ASW/DSW: Antes de Star Wars/Depois de Star Wars). Não ia com muita fé. Aliás, eu queria vê-lo para o riscar da minha bucket list dos “100 melhores filmes de sempre” segundo a AFI (artigo que tinha aparecido na antiga revista TV Filmes, em 1997. Nesses anos seguintes, andava alegremente a ver Citizen Kane, Casablanca, Singing in the Rain, num conflito emocional no qual muitos dos filmes que ia riscando, estariam subjugados como “velhos e datados” (ah, a miudagem nunca muda...). O filme de William Friedkin estava lá nos topos dessas listas, soando os sinos do género de terror, tão raro de se estabelecer tão fortemente em listas deste calibre.
E fui ver. Fomos ver, com o meu irmão também a assistir. O desenvolvimento inicial não me comichava. Aliás, percorria o típico andamento de qualquer filme de terror que se preze. É de facto a pouco mais de metade do filme ter decorrido que The Exorcist mostra as suas garras. Acontece depois de uma longa e calma cena de diálogos quando somos apanhados ao virar da esquina. Estou a falar da sequência do crucifixo com que a miúda se masturbava diabolicamente. Deixou-me paralisado. Os gritos, de voz cavernosa vociferando “let Jesus fuck me!” era medonhamente brutal. Não esperava tal audácia para um filme dessa época. Os pêlos dos meus braços eriçaram, juro. Quase nunca me aconteceu isso a ver um filme. Foram precisos apenas 45 segundos de filme para eu repensar a minha descrença em filmes mais antigos.
A paralisia só parou com o decorrer da cena, toda ela deveras agitada, após a agressão à mãe que foi parar ao chão como um saco de batatas e Linda Blair a rodar a cabeça 180 graus, como mostravam todos os clipes e trailers até então popularizados. Consigo eu também lá rodar a cabeça e olhar para o meu irmão de boca aberta. O meu irmão está também de olhos esbugalhados e olha de volta para mim. Soltamos um “Foda-seee” quase em uníssono. Caramba. Aquilo foi merda da boa.
O resto do filme foi porreiro sim senhor. Mas o efeito surpresa já tinha amansado a fera. Já sabia que tudo era possível. Apesar de mais para o final calcar um pouco mais o teor habitual dos filmes de terror, os gimmicks demoníacos davam um colorido criativo ao filme. Vómitos, levitações, vozes das profundezas... Estava tudo lá, no arranjo de um clássico perpétuo. Findo o filme, relembro como fui rasteado com tanta pinta. Filme de 73, heim? E os olhos esbranquiçados da miúda de pele cinzenta acompanhava-me nos sonhos dessa mesma noite. Não em forma de pesadelo mas como que uma companheira nocturna, afim de marcar-me a ferro quente nas minhas memórias permanentes aquelas icónicas imagens.
Naquele Verão de 2000 Hollywood precisava reinventar-se novamente em termos de terror. Scream acabara de lhe dar uma cambalhota em 1996 mas as vulgares sanguessugas voltariam a provocar um cansaço no género. Um ano antes, estreavam Stigmata, End of Days, The Haunting (ugh) que chacinavam o tema do sobrenatural e demónios (ainda assim vi tudo isto nos anos que se seguiram). Tive de esperar uns anitos até que o cinema espanhol e asiático me trouxesse novamente frescura nos calafrios cinematográficos.
Mas entretanto voltaria a rever o Exorcista nesse mesmo ano. E logo em tela grande, aquando do relançamento em Versão estendida nos cinemas em 2000. Vi-o já como um slow burner, já antecipando os momentos-chave. Prestaria mais atenção aos detalhes. O make-up de Max Von Sydow é ainda hoje impressionável. Apesar de pintalgado com novas brincadeiras nas cenas inéditas (A ‘aranha’ descendo as escadas é o que me lembro melhor), a história mantém-se e os 11 minutos extra não trazem nada de relevante a um filme que já roçava a perfeição.
Outra vez regressando a Linda Blair e companhia, desta vez em DVD, divertia-me com a blasfémia e ousadia com que todos os participantes desta obra criavam esta fita dita impossível para a época. Fiquei até com vontade de fazer uma maratona das sequelas. Pensando melhor, até que seria má ideia (até hoje nunca vi nenhum outro filme do franchise). Vamos lá manter isto no pedestal, pessoal. Não quero estragar a bela memória com mais nada que o valha. Quero pensar nele como algo único.
Poderíamos estar a enumerar quantos filmes de terror se classificariam como clássicos intemporais. Halloween, Psycho, Friday the 13th desbravavam terreno como ‘slashers’ sim senhor. Também no vizinho sci-fi tem a sua boa dose de monstros com Alien, The Thing, The Fly... Mas contam-se pelos dedos os filmes do sobrenatural, não com fantasmas e tal mas com o nosso velho amigo Belzebu. Rosemary’s Baby? The Omen, diriam vocês? Pode ser. Ambos dos anos setenta, meus amigos, ahah. Até a ‘afilhada’ Carrie poderia ser confundida com uma inocente possuída por Belzebu, como a sua mãe imaginaria (não, era mesmo uma mente frágil atormentada por poderes paranormais) que ainda assim nos atira com o seu 1976 à cara. Os anos setenta podem ter revolucionado Hollywood de diversos modos, com Star Wars e Jaws (ei, outro filme de sobressaltos, wink wink) e obras ligadas ao pós Vietnam. Mas ninguém pode contrariar que nunca mais se fizeram filmes demoníacos como nessa década. Putos de hoje, geração Z, talvez seja hora de vocês começarem a tirar notas disto e olharem mais para trás. Mais tarde irão agradecer.
Edgar Ascensão,
do blog Brain-Mixer
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