segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Suores Frios - "Pesadelo no Videoclube" - por Carla Rodrigues


No início dos anos 90, eu era uma miúda assustadiça, com uma imaginação muito viva e, por isso, com facilidade em extrapolar da ficção para a realidade uma série de cenários aterrorizantes. Fugia de tudo o que fosse minimamente inquietante ou assustador. Nessa altura, havia um videoclube perto de casa dos meus avós no qual passava muito tempo. Fiz-me sócia e sempre que podia, alugava filmes. Quando não podia, vagueava pelas prateleiras, admirava as capas, jogava Mega Drive e apanhava bocados dos filmes que passavam na TV do videoclube. Era normal terem sempre um filme a rolar, para suscitar a curiosidade de quem lá entrava e, quem sabe, potenciar o aluguer. Neste belo dia em que lá fui, estava a dar um filme que me marcou para sempre.
O filme era nada mais, nada menos que Pesadelo em Elm Street. Uma escolha estranha para dar, de tarde, num videoclube que era frequentado por miúdos à caça dos filmes das Tartarugas Ninja ou apenas à procura de poderem jogar mais um nível do Sonic. O clássico de Wes Craven apresenta-nos um grupo de amigos adolescentes que, um por um, sucumbem aos ataques de um louco que os persegue em sonhos com uma luva tunning na qual cada dedo é encabeçado por uma faca. 
Fui roubando olhares ao ecrã. O filme estava mesmo no início. Comecei a desconfiar que não ia sair dali nada de bom porque, logo na sequência inicial, havia um excesso deplorável de facas. Aparece uma rapariga, perdida numa sala de caldeira, cheia de vapores estranhos, corredores labirínticos, com um tipo estranho atrás dela. Ela não devia estar ali. E eu não devia estar a ver aquilo. Afinal, parece que era só um pesadelo que a rapariga estava a ter. O filme entra numa parte de maior calma. Mas cai a noite outra vez. E lá aparece a rapariga perdida, a ser perseguida pelo louco das facas. Desta vez, vemo-lo melhor. Estão os dois num beco. Ele segue-a, devagar, a rir-se. Os braços dele alongam-se, expandem, tocam nas paredes do beco. As facas da mão direita fazem faísca na parede. 
 
Aqui, eu estava colada ao ecrã, a sentir aquele pânico surdo que nos invade a alma e que nos torna incapazes de sair do sítio. A cena só piora – a rapariga não consegue fugir e é prontamente vindimada pelo gajo das facas. Percebemos que a morte no sonho representa a morte na vida real com uma das mais marcantes cenas do cinema de terror. No quarto onde dormia, vemos a rapariga ser arrastada por uma força invisível, que a puxa parede acima, parece abaixo, pelo tecto, enquanto lhe vão surgindo golpes no corpo, infligidos por essa mesma força invisível. 
Não sei como é que me consegui descolar do chão. Mas mal me consegui mexer, saí porta fora do videoclube sem olhar para trás e não parei enquanto não cheguei a casa. Esta sequência marcou-me para sempre - e estranhamente, mais do que a violência de toda a cena, o que ficou comigo foram os braços a esticar, as facas a fazerem faísca na parede, e o riso sinistro de um louco de rosto queimado que aparecia nos sonhos das pessoas. Tive pesadelos durante semanas e tive tanto medo que não vi filmes de terror durante vários anos. 
Eventualmente, comprei e vi todos os filmes da saga Pesadelo em Elm Street, que é de longe o meu franchise favorito de entre os três grandes franchises do terror. É a saga mais criativa e arrojada – nem todos os filmes são bons, é certo, mas são sempre divertidos e com ideias que, apesar de nem sempre resultarem, são audazes. O original é o melhor - um filme de terror com uma originalidade e um atrevimento brilhantes. É sagaz, afiado como as lâminas da luva do Freddy Krueger. Aterrorizou-me quando era criança, mas deixou a semente de um grande amor pelo género de terror e, por isso, estarei para sempre grata. 


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