sábado, 21 de novembro de 2020

"Shanghai Fortress" (Shang hai bao lei, 2019)



"Shanghai Fortress" é uma espécie de "Under the Dome" chinês, com um mix de muitos outros exemplares cinematográficos americanos (demasiados para contar mas não quer dizer que não tente!), em que a humanidade, após uma invasão alienígena, sobrevive sob uma espécie de cúpula, um escudo invisível que serve de campo de forças para repelir os aliens, usando como combustível "xiangteng", que foi descoberto e é detido pela população chinesa sobrevivente. A nave-mãe dos aliens, ataca ocasionalmente o escudo e a cada ataque este fica mais fraco e a humanidade mais vulnerável. Num universo em que "Shanghai Fortress" fosse um filme a sério, isto teria a sua piada dado que os alienígenas estão a atacar a humanidade para lhe retirar o recurso que é o que a está a proteger. Porquê insistir no tal combustível? Porque não cedê-lo simplesmente? Não é como se o Homem tivesse muito pudor na utilização de outros materiais fósseis...


De facto, "Shanghai Fortress" é tão inépto que podia ter saído de um daqueles livros da série "Para Totós", intitulado "Como fazer Ficção Científica chinês em poucos passos para totós". É que o filme nem sequer sofre da problemática de falta de material onde se basear. É a adaptação de uma obra de ficção com o mesmo nome, escrita pelo escritor chinês Jiang Nan, também conhecido pelo título altamente original e nunca antes ouvido "Once upon a Time in Shanghai". O orçamento, que se diz por essa internet fora ter custado 400 milhões de yuan, até serviu para contratar um elenco muito jovem (e talento duvidoso), com pelo menos um ou dois ídolos muito famosos para figurar como "eye candy". Destaque-se o ex-membro de uma boysband Luhan aqui como o protagonista Jiang Yang, um militar que além de padecer de dores de amor pela sua superior Lin Lan (Shu Qi), pilota drones, frequenta discotecas nos tempos livros e parece enfadado 100% do tempo e até um pouco inconsciente quanto À INVASÃO ALÍENEGINA E FINAL ANUNCIADO DA HUMANIDADE! 
O elenco tenta uma pose séria

As gentes do casting, tiveram pelo menos o bom-senso de contratar pelo menos um bom actor para conferir credibilidade - uma Shu Qi ("The Assassin", 2015) num papel em que a atriz parece contar os minutos para abandonar a rodagem e limpar a lágrimas com os muitos yuan que decerto ganhou para o fazer. Oh, como os grandes caem! 
"Homenagem" sempre é um nome mais fofinho que cópia descarada, portanto, digamos que esta produção foi buscar inspiração às seguintes obras: "War of the Worlds", recordam-se de referir que os alienígenas estão a atacar o planeta porque querem roubar os recursos da Terra? "Independence Day" (1996) dado que o design da nave-mãe é tirada a papel químico das naves gigantescas do filme americano, porque saem raios destruidores da nave, ou a inclusão do patriotismo que nos impõem pelos olhos adentro, o próprio final do filme... enfim, diria que reviram vezes sem conta esse filme fantástico e piroso, para ver onde o que podiam levar emprestado e como é que podiam "elevar" o material. Também achei curiosa a inserção de actores estrangeiros pelo simples facto de o serem para representar o resto do mundo. Também podemos falar do "Core", "The Day After Tomorrow", entre muitos outros filmes-catástrofe, por causa dos eventos atmosféricos anormais e pelo grau de destruição a que a cidade de Shanghai é votada. Os momentos dedicados a estes acontecimentos são, de forma infeliz, parcos, para um filme com a escala que prometia ter. Num festim de efeitos gerados por computador, esses são muito desiguais mas também os mais fugazes, havendo alturas em que os efeitos estão tão maus que temos, enquanto audiência, de nos questionar, o porquê da sua integração no filme se o resultado é tão misto. 
O mundo está em ruínas mas que importa? As discotecas ainda estão abertas!

Depois há o romance. Nada contra. Há quem considere que o romance confere um grau de urgência, de gravidade até, às películas. Por seu turno, as audiências chinesas adoram um bom romance delicodoce entre pessoas bonitas. Para mal de pessoas como eu, venderam-me um filme de ficção científica. A última coisa que quero ver num contexto de invasão alienígena e luta pela sobrevivência da humanidade é um romance que parece deslocado do próprio filme. Não há uma pitada de química entre os protagonistas. Ainda que tivesse algo contra a grande diferença de idades entre os protagonistas (Shu Qi e Luhan) ela uma quarentona e ele na casa dos vinte e poucos e, a diferença nem parece assim tão acentuada - ela está muito bem conservada -, já vimos muito mais creepy: Marlon Brando e Maria Schneider, cof cof. Só que até a porcaria do pseudo-romance está mal cozinhado. Lin Lan nunca dá mostras de corresponder à paixonite quase adolescente do Jiang Yang e, para mais, ela é superior dele. Confraternizar com subalternos?! 
Gostava muito de dizer que por muito desmiolado que "Shanghai Fortress" fosse, a experiência de visionamento tinha sido divertida mas não consigo. Com uma hora e quarenta e sete minutos consegue ser demasiado longo e um tédio de atravessar. É tempo das nossas vidas que não recuperamos. Tal como escrever este "texto". Suspiro.
Por fim, como piéce de resistance (se eles podem recorrer a tantos clichés eu também posso seguramente usar esta expressão), ia referir que os criadores deste filme deviam pedir desculpa pela trapalhada que fizeram mas parece que o realizador, o escritor/argumentista e o actor principal também já o fizeram. Depois do sucesso extraordinário de "The Wandering Earth" o género scifi parecia ganhar tracção na China. O estrondoso fracasso de "Shanghai Fortress", meros meses depois, pode ter sido o beijo da morte. Meia estrela.


Realização: Hua-Tao Teng
Argumento: Jinglong Han (argumento), Jiang Nan (autor do livro e argumentista)
Qi Shu como Lin Lan
Godfrey Gao como Yang Jiannan
Luhan como Jiang Yang
Sen Wang como Pan Hantian
Liang Shi como Shao Yiyun 
Vincent Matile como George Bradley
Jialing Sun como Lu Yiyi



segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Suores Frios - "Piratas, coelhos, fantasmas e outras criaturas." - por Nuno Reis

Tenho a sorte de ter um pai que nunca me privou de cinema, fosse ele bom ou mau. Da mesma forma que ele me levava a festivais e a visionamentos de imprensa quando eu era pequeno, agora sou eu que o levo a festivais e o chamo para ver os DVDs que me chegam como membro da crítica. É um prazer ouvi-lo falar de filmes que nunca encontrei e outros que certamente não terei tempo para ver. Ainda hoje a conversa foi parar à crítica social nas obras de Billy Wilder a propósito de em zapping antes do almoço termos apanhado o final de “Jaws”. Ainda que conheça estes filmes bem como espectador, ouvir a perspectiva de quem os viu noutra época ajuda a compreender o seu impacto. Ficou decidido há muito tempo que para filmes anteriores aos anos 80 era ele o entendido, mas daí em diante era eu que ia devorar tudo. Assim nunca estamos em desacordo.

Como referi por algumas ocasiões, eu cresci no meio do cinema fantástico. Até hoje é por esse prisma que vejo o Cinema. Enquanto uns se maravilhavam por ver pessoas a sair da fábrica postas em tela pelos Lumiére, eu só me maravilhava quando as pessoas saíam da Terra pela mente de Méliès. Portanto, quando se trata de ter primeiras memórias do cinema, claro que se enquadram no género. Mas os suores frios começaram muito antes do terror...

O primeiro filme que me lembro de ver em sala foi “The Goonies” na altura era eu tão pequeno que nem sabia ler. Fui levado pelo meu pai atencioso e para a minha mãe eu ia ver a história de uns meninos que saíam de casa para explorar um farol abandonado. Claro que o detalhe de os mafiosos matarem inspectores, cortarem línguas a crianças, o chão se desfazer enquanto tocam piano e haver um esqueleto em cada esquina até serem atirados da prancha causou um impacto em mim. Todavia, não sei se hoje em dia lhe chamaria terror. Dizem-me que até chorei, mas todos admitem também que foi aí que me apaixonei pelo Cinema.

A esse seguiu-se “Who Framed Roger Rabbit?” que causou um impacto bem diferente. Aqui avisei o meu pai que já sabia ler e para ficar calado durante o filme! Alheio ao que fosse o tal de noir, simpatizei logo com aquele coelho brincalhão. A interação com tantos heróis dos desenhos animados que eu conhecia desde sempre ajudou a dar uma aura de realidade. E subitamente vão derretê-los? Fui enganado novamente! Mais uma noite sem dormir!

Quanto a terror propriamente dito, começou de forma ligeira. Terá sido um “Beetlejuice”, “Ghostbusters 2”, “Gremlins 2” ou “Edward Scissorhands”. Cresci a ver esses filmes e não sei precisar qual veio primeiro (ainda que saiba que vi as sequelas aqui referidas anos antes dos originais, tal como conheci o Lobisomem Americano em Paris antes de conhecer o de Londres). Vi filmes maus, filmes bons, filmes que não consegui ver inteiros de tão maus que eram, outros que não vi até ao fim de uma só vez por ser medricas, e cenas que não esquecerei ainda que não faça ideia do título. Como explicar que eu soubesse quem era Freddy Kruger anos antes de conhecer Elm Street?

O meu amor pelo Cinema começou muito próximo ao terror. No entanto, não sou fã do susto fácil ou das atmosferas claustrofóbicas que se prolongam por toda a duração o filme. Hoje em dia já poucos truques funcionam comigo e portanto serei mais fã de algo que misture ou brinque com o género do que de algo que siga a receita gasta. Se algo me causar suores frios, é porque foi bem escrito e não por estar cheio de momentos que arrepiam. Nenhum filme me vai deixar acordado com medo de fechar os olhos. Mas um grande filme pode-me deixar a pensar nele pela noite dentro. São coisas bem diferentes.

O Nuno Reis vai escrevendo ocasionalmente no https://antestreia.pt e no https://thescifiworld.com. Também pode ser encontrado aqui: https://www.imdb.com/name/nm4591473/