Tenho a sorte de ter um pai que nunca me privou de cinema, fosse ele bom ou mau. Da mesma forma que ele me levava a festivais e a visionamentos de imprensa quando eu era pequeno, agora sou eu que o levo a festivais e o chamo para ver os DVDs que me chegam como membro da crítica. É um prazer ouvi-lo falar de filmes que nunca encontrei e outros que certamente não terei tempo para ver. Ainda hoje a conversa foi parar à crítica social nas obras de Billy Wilder a propósito de em zapping antes do almoço termos apanhado o final de “Jaws”. Ainda que conheça estes filmes bem como espectador, ouvir a perspectiva de quem os viu noutra época ajuda a compreender o seu impacto. Ficou decidido há muito tempo que para filmes anteriores aos anos 80 era ele o entendido, mas daí em diante era eu que ia devorar tudo. Assim nunca estamos em desacordo.
Como referi por algumas ocasiões, eu cresci no meio do cinema fantástico. Até hoje é por esse prisma que vejo o Cinema. Enquanto uns se maravilhavam por ver pessoas a sair da fábrica postas em tela pelos Lumiére, eu só me maravilhava quando as pessoas saíam da Terra pela mente de Méliès. Portanto, quando se trata de ter primeiras memórias do cinema, claro que se enquadram no género. Mas os suores frios começaram muito antes do terror...
O primeiro filme que me lembro de ver em sala foi “The Goonies” na altura era eu tão pequeno que nem sabia ler. Fui levado pelo meu pai atencioso e para a minha mãe eu ia ver a história de uns meninos que saíam de casa para explorar um farol abandonado. Claro que o detalhe de os mafiosos matarem inspectores, cortarem línguas a crianças, o chão se desfazer enquanto tocam piano e haver um esqueleto em cada esquina até serem atirados da prancha causou um impacto em mim. Todavia, não sei se hoje em dia lhe chamaria terror. Dizem-me que até chorei, mas todos admitem também que foi aí que me apaixonei pelo Cinema.
A esse seguiu-se “Who Framed Roger Rabbit?” que causou um impacto bem diferente. Aqui avisei o meu pai que já sabia ler e para ficar calado durante o filme! Alheio ao que fosse o tal de noir, simpatizei logo com aquele coelho brincalhão. A interação com tantos heróis dos desenhos animados que eu conhecia desde sempre ajudou a dar uma aura de realidade. E subitamente vão derretê-los? Fui enganado novamente! Mais uma noite sem dormir!
Quanto a terror propriamente dito, começou de forma ligeira. Terá sido um “Beetlejuice”, “Ghostbusters 2”, “Gremlins 2” ou “Edward Scissorhands”. Cresci a ver esses filmes e não sei precisar qual veio primeiro (ainda que saiba que vi as sequelas aqui referidas anos antes dos originais, tal como conheci o Lobisomem Americano em Paris antes de conhecer o de Londres). Vi filmes maus, filmes bons, filmes que não consegui ver inteiros de tão maus que eram, outros que não vi até ao fim de uma só vez por ser medricas, e cenas que não esquecerei ainda que não faça ideia do título. Como explicar que eu soubesse quem era Freddy Kruger anos antes de conhecer Elm Street?
O meu amor pelo Cinema começou muito próximo ao terror. No entanto, não sou fã do susto fácil ou das atmosferas claustrofóbicas que se prolongam por toda a duração o filme. Hoje em dia já poucos truques funcionam comigo e portanto serei mais fã de algo que misture ou brinque com o género do que de algo que siga a receita gasta. Se algo me causar suores frios, é porque foi bem escrito e não por estar cheio de momentos que arrepiam. Nenhum filme me vai deixar acordado com medo de fechar os olhos. Mas um grande filme pode-me deixar a pensar nele pela noite dentro. São coisas bem diferentes.
O Nuno Reis vai escrevendo ocasionalmente no https://antestreia.pt e no https://thescifiworld.com. Também pode ser encontrado aqui: https://www.imdb.com/name/nm4591473/
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