Dia I
"The Green Knight"
O Rei quer ouvir um conto de bravura.A sessão de abertura abriu com o onírico “The Green Knight”, uma longa de David Lowery baseada nas lendas arturianas.
Numa primeira impressão “The Green Knight” não deixa margem para dúvidas: é um filme da A24. No entanto, tem uma identidade muito própria.
Dev Patel interpreta o jovem Garwain, sobrinho ocioso e inconstante do Rei. Quer muito impressionar o tio, mas o nível de esforço não acompanha o desejo. Numa noite de Natal surge um cavaleiro verde, uma besta mística que desafia a Távola Redonda para um jogo. Quem aceitar o seu desafio poderá desferir-lhe um golpe mas atenção, daí por um ano, deverá cavalgar ao seu encontro e deixar o Cavaleiro Verde devolver o ferimento. Garwain aceita o desafio sem refletir sobre as consequências e corta-lhe a cabeça. O Cavaleiro Verde sobrevive e larga uma gargalhada triunfal. Daí por um ano a cabeça de Garwain irá voar.É um equívoco pensar que se irão seguir contos heroicos de capa e espada, duelos sangrentos, a morte de dragões ou o resgate de donzelas escondidas em castelos remotos.
“The Green Knight” é muito mais sobre a natureza que nos rodeia e humana que os caprichos de cavaleiros em demandas fúteis.
Inclui uma Alicia Vikander hipnotizante, numa linha ténue entre anjo e bruxa, entre o real e ilusão, por vezes uma espécie de consciência por outras, como um desafio àquilo que Garwain toma como certo. Dev Patel é o cavaleiro atormentado por uma escolha irrefletida, querendo encontrar o seu lugar no mundo, ainda que a sua expectativa de vida possa ser bastante inferior ao que desejava. Com pouco diálogo, a sua face é um espelho permanente de tudo o que não se encontra no galante cavaleiro dos contos: indecisão, temor ou confusão. Se ainda têm dúvidas de que Patel é um excelente actor, permitam-se ver este filme.
“The Green Knight” é contemplativo, é belo, é simbólico. A natureza é luxuriante. Por vezes é rica, é a vida, como o nascer de uma nação. Por outros é imperdoável, brutal, como o apodrecer de corpos enviados para uma guerra. A verdade encontra-se algures entre a lenda e a versão não linear que nos é contada por Lowery. Mas, oh que linda, é!
"The Samejima Incident"
Tudo o que está errado com o atual cinema japonês.
Recordam-se dos tempos áureos do cinema japonês em que em meio mundo, incluindo Hollywood, se faziam remakes de tudo o que este lançasse? Eu também não.
Nana reúne-se com o seu grupo de amigos numa reunião em formato virtual dado o contexto de pandemia. A dada altura surgem imagens perturbadoras do cadáver de uma das suas amigas e vêem o seu namorado a ser arrastado por uma força estranha. De súbito, todos se tornam prisioneiros nas suas próprias casas e começam a ser acossados por uma força sobrenatural. Entretanto, um deles acaba por confessar que num desafio, dirigiram-se a uma casa onde teria ocorrido um assassinato bárbaro e que terá recaído sobre eles uma maldição… Será que conseguem quebrar a maldição antes que seja tarde de mais?Como já perceberam “The Samejima Incident” envolve uma maldição (estão chocados eu sei) que está associada a uma lenda urbana (ainda mais chocante). O mais curioso de “The Samejima Incident” é que os argumentista/realizador deve ser fã do David Fincher. Se não, vejamos, “The first rule of fight club is you do not talk about fight club”, ora, segundo a maldição se os personagens mencionarem o incidente, a morte irá recair sobre eles. Oops. Depois, a dada altura e sem contexto, surgem os 7 pecados mortais conectados ao incidente chocante. O que é isto? O cinema japonês a copiar o ocidental?
Se viram o britânico “Host” (2020), filme-sensação da pandemia filmado quase totalmente através do ZOOM, “The Samejima Incident” é mais do mesmo, com uma concretização inferior.
O cinema japonês precisa de uma séria reinvenção. Não existe instrospecção sobre o conteúdo que é apresentado. São sequências inteiras de repetição de cenas antes icónicas, que mancham o legado dos filmes que homenageiam e banalizam e ridicularizam os novos filmes. Em 2020, já não faz sentido espreitar em armários para ver de onde provém o barulho. E muito menos que miúdos nascidos no novo milénio e conheçam os Ringu e “The Grudge” desta vida, continuem a congelar de terror. Seria interessante os novos talentos do cinema japonês, espreitar além-mar, para a Coreia do Sul e aprender com uma indústria muito mais criativa e consolidada. Orçamentos limitados não podem ser desculpa para a falta de ideias.
Costuma-me horrores dizer isto mas, se é para o MOTELX continuar a assegurar que o terror japonês contemporâneo tem presença no seu programa, mais vale não ter nenhum filme deste país.
Próximo: Notas de um Festival de Terror, Edição de 2021 – parte dois
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