segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Notas de um Festival de Terror, Edição de 2021 – parte cinco

Aqui ficam o quinto e o último dia de festival pois são apenas três filmes. Aproveito para confirmar as minha expectativas iniciais: a Edição de 2021 revelou-se uma das melhores dos últimos anos. Venha daí 2022!

Nota: Estava bastante curiosa acerca de "The Night House" dado advir da lente de David Bruckner ("Southbound", "The Ritual"). Não me foi possível participar na sessão. Por isso, quedo-me por um "Mad God" que, UAU! Mas comecemos do princípio.

Dia V

Gaia

Salvem a mãe terra!

Como já tinha dito aqui, é estranho assistir a "Gaia" com um dia de diferença de "In the Earth". Os
filmes têm demasiadas similitudes. Os eventos decorrem em exclusivo na floresta. Esta parece ganhar vida à própria à medida que o elenco desbrava caminho pela natureza. Os protagonistas sofrem incidentes semelhantes na sua incursão natural pela natureza. Existe uma mensagem ecológica muito forte em alguns personagens. A ideia da natureza como um organismo com uma mente consciente. Ambos os cineastas revelam um fascínio por visões caleidoscópicos e processos químicos e biológicos. Quem ganha a aposta? Uma dica: não é o realizador mais conhecido.

Gabi e Winston são dois guardas florestais que se separam na floresta quando o seu drone cai na floresta. Ferida por meio de uma armadilha, quando ia recuperar o aparelho, Gabi acaba por ser acolhida por Barend e Stefan, uma dupla de homens que vivem em estado quase natural, desligados da vida moderna e dos seus companheiros de espécie. Winston, encontra a pior parte da floresta.

A experiência de "Gaia" acaba por ser muito mais terrena que "In the Earth", abordando temas como o luto, a desconexão entre pessoas, o consumismo desenfreado, o mito do bom selvagem o egoísmo humano ou o livre arbítrio. A vida em sociedade é complicada? Dá vontade de fugir? É possível. "Gaia" é uma trip no bom sentido. As sequências de beleza fúngica (acreditem que nunca pensei referir beleza e cogumelos na mesma frase) a surgir pelos orifícios mais estranhos e a multiplicar-se são estarrecedoras. Queria mais disto mas sem as inúmeras cenas em que a protagonista acorda de um sonho. Uma vez, duas vezes, ok. À terceira já começamos a revirar os olhos. "Gaia" exibe uma criatura mas é tão paralela ao que de mais há para apreciar que chamar-lhe um filme de monstros será só redutor. O body horror está mais próximo de um "Anihilation" na imagética e na interpretação do seu significado que um "Saw". Semelhante a outros filmes ou não "Gaia" apresenta uma visão suficientemente singular. Se vos oferecerem destes cogumelos aceitem.

The Deep House

O prazer reside no conceito.

Eu nem quero imaginar como foi o pitch deste filme. "Tipo: é uma casa assombrada... debaixo de
água". Só consigo imaginar os produtores de pé a bater palmas e a perguntar quando começam as filmagens. É que nem precisaram de uma sinopse para me convencer a assistir ao filme. As casas assombradas são, regra geral um conceito cansado. Portas que rangem, barulhos que vêm do escuro... É uma fórmula e como todas as fórmulas, passado algum tempo, cansa. Do que este subgénero necessita é de inovação. Que ninguém me venha dizer que uma casa assombrada debaixo de água não é inovador porque mostra ignorância quanto ao género de terror e quanto ao conceito de inovação. Juntar a tensão própria do sobrenatural ao terror claustrofóbico da submersão é um golpe de génio e mais, pode ser o mote para um novo subgénero de sucesso.

Um casal passeia pelo sul de França filmando-se a entrar em casas assombradas para ganhar  dinheiro com as visualizações no seu canal de youtube. Ele é um viciado na adrenalina. Ela, mais medrosa acompanha o namorado nas aventuras por amor. É por demais claro em diversas oportunidades para voltar para trás que ela preferia ter umas férias como gente normal. Quando o casal mergulha na casa dos Montagnac revelam-se segredos para os quais nunca podiam estar preparados.

"The Deep House" tem certamente alguns problemas. Custa-me entender como é que o casal, mesmo aceitando a indicação de um estranho com ar muito suspeito, não sendo perito em mergulho, aceita avançar por águas desconhecidas sem qualquer mapa submarino ou ter um plano B de socorro caso a experiência corra mal. E é certo que corre MUITO MAL. Desde os instantes iniciais a protagonista demonstra uma fragilidade que a irá acompanhar e à audiência como um lembrete de tudo quanto pode correr mal debaixo de água e não são necessariamente fantasmas. Estes são aterradores mais que não seja pelo visão pouco natural através da água turva. Mas o maior susto e que faria a audiência da sala Manoel de Oliveira saltar das cadeiras foi provocado por um peixe. Ainda assim, as minhas palmas para a cena reminiscente do "Jaws" e que resultou. Já o acompanhamento do casal enquanto atravessam as divisões da casa são o arder em lume brando com a excitação acrescida do perigo real de falta de ar. Altamente recomendado para fãs de terror em busca de emoções novas.

"Mad God"

Do repugnante se fez um mundo.

Afirmo sem pudor ou hesitação que "Mad God"  é a obra mais interessante, mais criativa e visualmente impressionante da edição do MOTELx de 2021. Nada me podia preparar para esta obra de Phil Tippett.
Nada. Pensar que "Mad God" é um trabalho de avanços e recuos. Que demorou 30 anos a ser completado e precisou de apoio através de crowdfunding. Tantos anos depois demonstrou ter amplos truques na manga. É surpreendente. Mas também aviso, se os filmes de extrema brutalidade não são a vossa preferência não é "Mad God" que vos vai fazer mudar de ideias. Quando muito só vai repelir e aumentar o vosso asco ao estilo. Eu estive naquela sala cheia (dentro das normas possíveis em tempos de pandemia) e assisti a algumas desistências.

"Mad God" não choca pelo prazer de chocar, como tenta fazer um Tom Six ou "A Serbian Film". É sobre o inferno na terra após a entidade superior considerar a humanidade além salvamento. O Homem causou o inferno na terra que provocou a sua extinção. O que sobra é não natural, primário, feio, nojento, brutal e Phil Tippett não se coíbe de nos mostrar tudo isso em toda a sua fealdade, em stop motion. Ao invés de fugir o foco é tudo o que é horrendo como se estivessemos a ver o quadro "Jardim das delícias terrenas" do Hieronymus Bosch com uma lupa. Da destruição surge a criação, como Tippett não de cansa de mostrar sobre a forma de metáfora. Detesto a expressão "cinema de autor". Todas as obras têm uma autoria. No entanto, se quiserem saber o que é uma visão singular, vejam "Mad God". Sugestão? Vão de estômago vazio.

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