domingo, 4 de março de 2012

"Phoonk", 2008





"No, no, no, no, don't Phoonk with my heart". Entra uma bela Indiana a cantar, de olhos negro de khol e um sari colorido. Junta-se a ela um belo espécimen do sexo masculino com os seus melhores passos de dança. E em breve, sabe-se lá de onde, entra uma centena de bailarinos a cantar e a rodopiar nas suas vestes ricas, igualmente coloridas. O par canta e esgrime argumentos até à inevitável reconciliação. O momento musical termina com o casal a aproximar-se com uma sugestão de um beijo…

Admitam lá que foi este o cenário que idealizaram após a sugestão de um filme made in India? “Phoonk” não podia estar mais longe do filme típico de Bollywood e menos perto das películas ocidentais. Rajeev (Sudeep) é um homem de posses que vive uma existência pacata com a sua mulher, mãe e os dois filhos do casal. Ele é o chefe inflexível de uma empresa de construção. Quando os seus trabalhadores descobrem uma estátua do deus Ganesh no seu mais recente local de escavação, ele recusa-se a deixar os trabalhadores construir um santuário. Para ele, tempo é dinheiro e a religião, um absurdo. Nem a sensatez dos seus sócios mais chegados consegue chegar a ele. Esta atitude choca a sua mãe, mulher e criada, todas elas profundamente devotas e tementes aos deuses. Rajeev gosta de pensar em si próprio como um homem mais liberal que a maioria. Ela condena as superstições comummente aceites mas, a despeito das suas próprias convicções, deixa o seu lar ser palco das deferências aos deuses. Também desvaloriza os avisos dos seus empreiteiros relativamente a um casal em quem Rajeev depõe toda a sua confiança. Sobretudo Madhu (Aswini Kalsekar),  a mulher do casal é alvo de desconforto, com os seus maneirismos e olhares estranhos. Quando Rajeev é confrontado com provas irrefutáveis de desfalque por parte do casal, ele perde a calma e humilha-os em público. A bruxa não perdoa a perda de face e jura vingança. A partir desse momento, a paz familiar de Rajeev passa a ser abalada. O principal alvo é a sua filha Raksha (Ahsaas Channa), que começa a manifestar um comportamento muito distante da sua disposição doce. Segue-se uma luta de convicções: o mal que os afecta tem a sua fonte em superstições absurdas, como diz Rajeev, ou tudo tem uma explicação racional? Entram em campo médicos e psiquiatras, espíritas e xamans na batalha pela saúde de Raksha e o bem-estar de toda a família.
“Phoonk” peca por se afastar demasiado do que á a India e aspirar à comparação com o ser ocidental. A identidade indiana seria a maior força de “Phoonk” se ao menos este estivesse imbuído de todo o misticismo da religião Hindu. Eles tinham toda uma história e a facilidade do quotidiano mas preferiram quedar-se por manifestações fracas de devoção. Esta vale por si mesma e nunca são explicadas as suas graças para que tantos milhões a sigam de olhos fechados. No outro lado da barricada encontra-se Rajeev, ateísta que contrasta em absoluto com uma mãe crente. Tal como não se explicam os contornos da religiosidade das personagens, ainda que a India e o hinduísmo estejam intimamente interligados, também não se entende a aversão de Rajeev à religião. Perdeu a fé? Nunca a teve de todo? Este background era essencial para a trama ganhar contornos de urgência. Se o objectivo dos cineastas era levar-nos a questionar as nossas próprias crenças, elas não podem pois, ser tratadas com superficialidade. Num filme sobre possessão, valha-nos ao menos, uma causa para esta acontecer. Em “Phoonk” a raiz do mal é uma vingança consumada mediante magia negra. Ao contrário dos outros filmes de possessão que estreiam aos magotes, “The Exorcism of Emily Rose” (2005), etc. A vítima não é uma jovem inocente escolhida mais ou menos aleatoriamente entre os biliões que habitam este planeta. Não. Rasha é um alvo, selecionado precisamente pela ofensa do seu pai. A pequena actriz encarna uma vítima de possessão que alterna entre o “possuído para totós” e um cansaço demasiado genuíno para uma pessoa tão jovem. Mas não há duvida que se inicialmente o seu desempenho era conducente a algumas gargalhadas, à medida que a película avança para a recta final, Raksha é uma menina esgotada por quem não conseguimos não ter dó. O problema que mais aflige “Phoonk” é a duração descabida, mais do que planos escusados de brinquedos e o exagero de alguns actores.  Muito depois dos requintes de malvadez, há um enfoque desnecessário no melodrama familiar. “Phoonk” nunca chega a provocar o terror dos seus congéneres ocidentais no género da possessão. “Phoonk” não funciona como produto de exportação mas a nível interno revelou-se um grande êxito, tendo já uma terceira sequela a caminho. Lamento que com tão rica matéria-prima consubstanciada no hinduísmo que poderia suplantar em originalidade as habituais alusões à religião católica, os cineastas se tenham quedado por registo seguro. Assim, “Phoonk” passa despercebido. Pode ser concebido como um mal menor. Duas estrelas.

Realização: Ram Gopal Varma
Argumento: Milind Gadagkar, Sandeep Nath e Prashant Pandey
Sudeep como Rajeev
Amruta Khanvilkar como Arati
Ahsaas Channa como Raksha
Ganesh Yadav como Vinay Dev
Aswini Kalsekar como Madhu


Próximo filme: "Haunted Village" (Arang, 2006)

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