Até no cinema existe a chamada “injustiça crónica”. Seja por distribuição incompetente ou a incompreensão de um conceito de terror e de ficção científica que não o estabelecido, certas obras nunca obtêm o sucesso e respeito que merecem. O filme taiwanês “Silk” não está isento de falhas, mas não reconhecer a sua premissa singular é um erro tremendo.
O argumento parte de um pressuposto simples: “E se fosse possível capturar um fantasma?”. Localizada em Taiwan, uma equipa de cientistas, liderada pelo enigmático Hashimoto (Yôsuke Eguchi ) capturou uma criança fantasma num prédio com a sua criação, a Esponja Menger. Esta tecnologia funciona como uma espécie de buraco negro. É capaz de desafiar a gravidade e até capturar a energia espectral, conseguindo aprisionar espectros. O desenvolvimento da tecnologia também permite ao olho humano, visualizar fantasmas. Esta equipa opera sob um manto de secretismo, a mando do Governo Japonês, que financia o projecto mais pelas vantagens economicistas e bélicas. Apenas Hashimoto demonstra o desejo obsessivo de compreender a vida após a morte e até, se possível, entender como a replicar. Para tal, contrata Tung (Chen Chang), um sniper com a habilidade especial para ler lábios de modo a descobrir mais informações sobre o fantasma. A sua entrada causa um conflito no seio da equipa, que vigia 24 horas por dia, o fantasma enclausurado num quarto. Su (Barbie Hsu) teme pela descoberta e até roubo do trabalho que fizeram até ali e vê Tung como um elemento invasor.
“Silk” explora, no mínimo, a possibilidade de uma ponte entre o mundo dos vivos e o mundo espectral. Há muitas variáveis interessantes a esse propósito. Dá como certa a existência de uma sobrevivência residual após a morte e vai mais além, admitindo que podemos ver e até comunicar com os mortos. E que mundo de oportunidades se expande. E se pudéssemos comunicar com os nossos tentes queridos depois da morte? E se conseguíssemos explicar alguns mistérios irresolúveis pelos vivos? E se existisse a capacidade de prolongar a vida após a morte? Tung envolve-se emocionalmente com a estória da criança fantasma pois ele próprio está a passar por uma fase de sofrimento. A sua mãe, que sofre de esclerose múltipla encontra-se num estado de coma permanente. E se ele a puder, afinal, salvar? A doença da sua mãe, também está a afectar a sua relação com Wei (Karena Lam), pois ele não considera justo assumir uma relação com ela, quando tem a responsabilidade de cuidar de uma pessoa doente. O seu conflito é habilmente explorado por Hashimoto que põe a sua agenda pessoal acima das possibilidades científicas da descoberta. Tung é devido à sua situação pessoal movido por questões de piedade do que de interesse pessoal. Como é que aquela criança se tornou um fantasma? Por que está sozinho e não fez a transição para outro estado?
A ciência por trás da descoberta não é demasiadamente explorado mas não é esse o móbil do filme. No entanto, não deixa de ser uma hipótese interessante para possuirmos uma perspectiva única sobre o mundo dos espectros. Durante a maior parte do filme, há a invulgar perseguição das passadas do fantasma e não uma série de sustos provocados por uma qualquer ofensa que os vivos lhe tenham efectuado. Com a mudança de foco há uma pequena desilusão, pois cai-se em todos os lugares-comuns, de fantasmas que surgem nas situações mais estranhas e perseguem certos humanos nem se compreende bem porquê. “Silk” passa pelos estados de terror, ficção científica, thriller e drama, como se o ensejo de agradar a todas as audiências fosse superior ao de manter uma estória coesa. Contudo, a espaços, qualquer dos géneros funciona brevemente, seja com os instantes iniciais de um encontro inesperado com uma presença feroz, a explicação do funcionamento da Esponja Menger, a perseguição de um fantasma enfurecido e as estórias dramáticas que acompanham quer o menino fantasma quer Tung, induzindo a audiência a sentir compaixão por ambos. Subjacente a tudo isto está uma linha de seda, uma linha apenas visível devido à tecnologia desenvolvida pela equipa secreta que permite ver onde começa a ligação dos mortos aos vivos. Pena que a linha da coesão esteja demasiado emaranhada no desejo de agradar a todos. No entanto, não deixa de ser uma lufada de ar fresco no género de terror e ficção científica do cinema taiwanês e, porventura, mundial se, se atreverem a procurar tal gema no extremo oriente. Três estrelas e meia.
Realização: Chau Bin-su
Argumento: Chau Bin-su
Chen Chang como Tung
Yôsuke Eguchi como Hashimoto
Karena Lam como Wei
Barbie Hsu como Su
Bo-lin Chen como Ren
Chun-Ning Chan como Mei
Kuan-Po Chen como criança fantasma
Próximo Filme: "Poetry"
Sem comentários:
Enviar um comentário