quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Roman Polanski: A Film Memoir (2011), Um percurso comentado

Poucas pessoas tiveram uma vida tão fascinante como Roman Polanski. Também poucas podem dizer que atravessaram e sobreviveram a uma Guerra Mundial. E ainda menos podem afirmar que sofreram na pele o efeito das LSD e do fanatismo em torno de Charles Manson por altura do início do fim dos libertinos anos 60.
Roman Polanski no set com Emmanuelle Seigner e Harrison Ford
“A Film Memoir” é um percurso comentado pelo próprio durante o período de clausura imposto pelas autoridades suíças, quando o passado regressa para o atormentar: o caso de abuso sexual que nunca mais morre. Foi pois em prisão domiciliária com uma vida, imaginamos, muito mais aborrecida e o velho amigo Andrew Bransberg como interlocutor, que Polanski se lançou numa longa reflexão sobre a sua ainda mais longa vida. A conversa de amigos ou viagem ego-maníaca se preferirem, na qual até existem palmadinhas nas costas e elogios mútuos como “nós trabalhámos juntos naquele filme que teve tanto sucesso” ou “tenho a honra de te chamar amigo há muitos anos”, não é um reinventar da roda. É mais uma viagem nostálgica povoada por momentos mais ou menos conhecidos. Na verdade, se quiséssemos partir a vida de Polanski em pedaços, três destacavam-se facilmente: o crescimento no gueto de Varsósia, o casamento de conto-de-fadas com o final trágico correspondente e a acusação de abuso sexual. Estes momentos foram alternando entre a semi-obscuridade e uma carreira de realizador menos polémica que as suas escapadas sexuais. Não fossem estes eventos e Polanski seria tão aborrecido como qualquer outra pessoa. Ele é apenas um indivíduo com uma vida extraordinária que por acaso, é um realizador ultra-galardoado. 
Sharon Tate
Por isso é no mínimo curioso que a paixão de Polanski pelo cinema tenha nascido com a propaganda nazi. Desfiles de homens e mulheres fardados, de tanques e canhões, sob a égide de um símbolo que para sempre se associará ao fim das coisas vivas. Filmes dos que um dia juraram obliterá-lo, a ele e a todos os da sua raça, mesmo que estes não encontrassem a culpabilidade, o acto vil aleatório de que eram acusados. Pessoas como a mãe de Roman. De cabelo negro, nariz pontiagudo e formas redondas, confortáveis. A perda da mãe numa idade tão precoce deixa-o embargado. Mas ainda mais o pai. O querido pai que viveu e sobreviveu para retornar um homem diferente. O pai que ele reconhecia em cada estranho à distância, para logo perceber que era apenas mais um desconhecido. E depois ele regressa e não já não há final feliz. O homem que mais queria regressar vivo à Polónia para recuperar o filho, arranja uma nova mulher e, de súbito, Roman deixa de pertencer ao retrato familiar tão ferozmente idealizado pelos dois. Ou assim que cremos, já que apenas nos podemos guiar pelas palavras do realizador. Palavras que rapidamente afastam a crise da separação como se nada fosse, para se aproximar de Paris e de uma irmã mais velha que até ali pouco interessara ao enredo. Teria sido mais difícil mas mais sincero ouvir de Roman as palavras que lhe adivinhamos facilmente: o rancor por o pai ter ultrapassado tão depressa a morte da mãe, o ódio pela usurpadora… Uma mão cheia de nada. Duas ou três declarações que demonstram que pouco foi resolvido na mente do rapazinho e a negação. Há quem lhe chame limitações de tempo, constrangimentos de edição, para a película não se estender infindavelmente. Eu chamo-lhe respeito e ainda temor pelo velho pai. A segunda fase surge rápida e furiosa: o trabalho na sétima arte, as amizades, os primeiros sucessos, um casamento, o divórcio e o início do conto-de-fadas. De todas as mulheres de Polanski, de resto, sobejamente mediatizadas, é Barbara Lass a menos conhecida. Nem os comos nem os porquês da estória de amor. Como se de um capítulo menos importante se tratasse. Mau Roman. Não sabes que há pouco que não seja do domínio público? Por que guardas estes pequenos tesouros para ti?
Aliás, de olharmos com atenção para as mulheres da vida romântica de Roman (as importantes pelo menos), todas elas são altas, louras, deusas. O ideal de mulher ariano. Perdoai a referência ofensiva mas Polanski afasta-se do modelo feminino judeu, como se alguma da propaganda tivesse aberto uma fenda no crânio genial. Depois? Tudo o que já sabemos. Extensa literatura, documentários, arte… O casamento com Sharon Tate, a mulher que permanecerá perfeita para todo o sempre no imaginário das massas, que culminou com a morte horrenda às mãos da seita da Charles Manson. Polanski teria tudo para ser feliz: a mulher, o filho, a carreira. Num instante tudo se foi. Até a carreira, por esta altura no mais alto patamar, se esvai pelo momento insano de abuso de uma jovem de 13 anos de idade. A merecida simpatia do público pelo infeliz viúvo transforma-se em repúdio fácil. E, em tudo isto, o que é que o Polanski do séc. XXI tem para nos dizer? Que lamenta. Que foi um erro. E é tudo.
O escândalo
Não é confrontado. Questionado sequer. Andrew é o ombro amigo. Alguém com quem pode contar para continuar a entoar a canção de uma vida, sem desconforto ou provocação. O comentário mais interessante que ouvi sobre esta aventura biográfica foi que podia ter sido exibida no canal História. Pois que se me parece obra digna de um canal tão respeitável, também me parece que provavelmente passaria despercebida de todos. Nem como prova documental de cinema é o expoente máximo. As imagens dos filmes do Polanski são projectadas de modo célere e, a tempos, aleatório. Apenas é dada maior atenção a um dos seus últimos grandes esforços e também mais galardoados, “O Pianista”. Como se o mérito como realizador e a piedade que advém do filme descrever a sua infância durante a IIª Guerra Mundial, o absolvesse de todos os erros cometidos. Não, o momento é de um regozijo contido, num chalé suíço. E de fé no futuro. Pelas suas próprias palavras, Polanski não terá de que sentir temor pois que não lhe é pedido mais do que a sua versão, verdadeira ou ficção. E isso não é justo, pois não? Polanski. O adorado. O infame.


Próximo Filme: "Red Eagle", 2010 

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