domingo, 2 de março de 2014

"Double Vision" (Shuang Tong, 2002)


Huang Huo-tu (Tony Leung Ka Fai) cometeu um pecado capital. Ninguém denuncia corrupção dentro do próprio serviço. É embaraçoso para a entidade, é desconfortável para todos e o mais provável é levar com uma despromoção. A Huo-to os princípios não lhe serviram de muito. Deixou de ser um detective e foi transferido para a unidade que lida com os estrangeiros e fronteiras. Uma das actividades mais pequenas e humilhantes para quem tem a formação de Huo-to e, onde, esperam, que não levante mais a voz. Fica quietinho que estás bem assim. Ah e, junte-se a isto uma esposa insatisfeita que quer o divórcio e uma filha traumatizada para completar o caos que é a vida pós “boa acção vira-se contra o próprio”. O que Huo-to não precisa é de mais complicações. É precisamente isso que sucede quando um serial killer começa a atuar no território e é chamado Kevin Richter (David Morse), um agente do FBI americano no papel de consultor para a resolução do caso. Huo-to é designado como interlocutor entre as duas agências, um papel que na realidade ninguém queria desempenhar. Os colegas não parecem mais interessados em desvendar o caso do que em abafá-lo e Kevin não é visto como mais do que um americano arrogante que foi convocado para fazer figura para os media.

Desconfio fortemente que “Double Vision” tinha como público-alvo o mercado estrangeiro como atestam, quer o trailer com enfoque no actor americano quer por uma narrativa com laivos de filme noir americano. Digo laivos porque a dada altura a narrativa muda numa direcção completamente diferente, com elementos religiosos do Taoísmo e da superstição a tomarem o leme. Um policial para os agarrar, um mistério sobrenatural para os prender. Normalmente, seria tentada a dizer que a mudança radical constituiria o problema do filme mas, neste caso, é o que o torna tão diferente dos demais e até, interessante. “Double Vision” não se demarca de Taiwan, da religião praticada e das suas pessoas, abraçando, antes, a sua cultura. A parelha de polícias não segue a fórmula, já que qualquer dos personagens é inteligente e simpática o suficiente para nos preocuparmos com o que lhes acontece ainda que, estranhamente, Morse sobressaia sobre o actor local Leung Ka Fai. É recomendável que considerem a parelha Chan/Tucker de “Rush Hour” (1998) o oposto do que irão visionar. Aliás, “Double Vision” encontra-se mais próximo de um “Seven”(1995), com o seu ritmo lento e mortes cuidadosamente orquestradas.
As discussões entre o supersticioso Huo-To e o polícia prático que apenas acredita em provas empíricas demonstram que “Double Vision” é tudo menos acéfalo. Em duas linhas de diálogo percebemos quem são os personagens: Huo-to tem demasiada bagagem para não acreditar que tudo acontece por um motivo e Kevin já viu tanto que se recusa a acreditar que o pior na Terra não é o ser humano. Richter é orientado para o resultado e não percebe as nuances culturais que condicionam uma rápida resolução, enquanto Huo-to o tenta fazer compreender este facto sem entrar por território que já não é o seu. Ele é apenas um interlocutor, um interveniente secundário numa sucessão de crimes atrozes e com uma ligação obscura a uni-los. Infelizmente a personagem de Morse não tem história a acompanhar o cinismo manifesto. Apenas podemos supor. E por falar em suposições, de modo algum conseguimos adivinhar o caminho que “Double Vision” irá trilhar desde que surge no ecrã um recém-nascido com duas pupilas no mesmo globo ocular. “Double Vision” alterna entre o visceral e a subtileza a todo o momento que apenas peca pelo ritmo lento e um desfecho inferior ao crescendo que o antecede. Três estrelas.

O melhor:
- David Morse
- Imprevisibilidade da estória
- Cinematografia
- Criatividade das mortes

O pior:
- Complexidade da estória. Demasiados sub-enredos.
- Elemento sobrenatural
- Desfecho


Realização: Kuo-fu Chen
Argumento: Kuo-fu Chen e Chao-bin Su
Tony Leung Ka Fai como Huang Huo-tu
David Morse como Kevin Richter
Rene Liu como Ching-fang
Leon Dai como Li Feng-bo
Wei-hanHuang como Mei-Mei


Próximo filme: "Sawako Decides" (Kawa no soko kara konnichi wa, 2009)

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