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segunda-feira, 6 de julho de 2020
Suores Frios - Um Lobisomem Americano em Londres (An American Werewolf in London, John Landis, 1981) - por José Carlos Maltez
Muito do que é o meu gosto pelo cinema foi alimentado pelo facto de haver a 50 metros da casa dos meus pais um daqueles antigos cineteatros que animavam os arredores de Lisboa, e onde todos os filmes mais bem-sucedidos chegavam, com o devido atraso que podia ser de semanas ou até meses, como era comum no início dos anos 80, antes da explosão do fenómeno videoclubístico.
O cinema era tão perto que eu (no início acompanhado, nas sessões de domingo de manhã ou sábado à tarde), atingida a avançada idade de 7 anos, já ia sozinho. Era só arranjar uma ou duas moedinhas para o bilhete, e às vezes nem era preciso escolher o filme, era o que lá estivesse: animação, aventura, acção, comédia. Até que, já quase adulto, com os meus 10 ou 11 anos, comecei também a ir à noite, para filmes que não eram só para a criançada.
Com essa idade, o terror não era um género que eu consumisse, mas a ideia de que pode haver emoções tão fortes que nos fazem saltar da cadeira era algo que tinha de ser testado. Foi isso que fiz, acompanhado de um primo ainda mais novo que eu, quando vi que "Um Lobisomem Americano em Londres" de John Landis tinha acabado de chegar. O filme era vendido como um produto bem-disposto, de efeitos especiais revolucionários, portanto, que hesitação havia?
Fomos à sessão das 21:30, e só ao comprar os bilhetes vimos nos cartazes a nota “maiores de 16 anos”. Entreolhámo-nos receosos, e dirigimo-nos ao porteiro como que tentando esconder-nos um atrás do outro, mas ele nem piscou. E entrámos triunfantes.
Adorámos o filme, é certo – para quem não sabe: é a história de dois jovens americanos a viajar de mochila às costas pelo interior de Inglaterra, que são atacados por algo numa noite de lua cheia, um morre e o outro fica ferido, passando a receber visitas do amigo morto que lhe diz que se irá transformar num lobisomem, coisa que realmente virá a acontecer. Tive de desviar o olhar nalgumas cenas, como as visitas ao hospital do amigo em decomposição; os pesadelos violentos e sangrentos; e… as penosas e minuciosas metamorfoses. Nunca tinha visto nada assim, e as mazelas não ficaram por aí. Como conversámos no dia seguinte, nenhum de nós pregou olho, e vimos bicharada peluda e muito dentada a aparecer-nos pelos quartos a noite toda.
Tal nunca me demoveu, antes pelo contrário. O terror, pela capacidade de gerar este tipo de emoções, e pelo seu carácter tão fantasista que é talvez o género cinematográfico que mais se aproxima dos antigos contos de fadas, tornou-se sempre uma refeição presente na minha dieta de cinéfilo.
Os sustos vão aparecendo aqui e ali, e lembro-me de ter ficado incomodado quando, por essa altura, vi, na TV, "The Haunting" de Robert Wise, com o qual percebi o poder do que não se mostra. Ver, poucos anos mais tarde, "O Exorcista" (com uma irmã pequenina a dormir no quarto ao lado), ou o "Silêncio dos Inocentes", com aquele papel impressionante de Anthony Hopkins, também deixou marca. Mas não há susto como o primeiro, e o filme de John Landis ficou para sempre no meu panteão.
Recentemente, a propósito de um ciclo para o meu blogue "A Janela Encantada", revi o filme. Obviamente, desta vez não me tirou o sono, e não tive de fechar os olhos em nenhuma das cenas. Mas, esforçando-me para voltar a vê-lo com os meus 12 anos, pude perceber que o filme ainda se aguenta muito bem. Já com outro olhar pude reparar ainda no modo como ele presta homenagem ao ambiente que se tornou icónico nos filmes clássicos da Hammer, os quais foram os responsáveis pelo nascimento do meu blogue, e se calhar razão pela qual estou aqui a escrever. Há círculos muito curiosos.
José Carlos Maltez
Autor do blogue A Janela Encantada
https://ajanelaencantada.wordpress.com/
Colaborador e editor-adjunto da revista Take Cinema Magazine
www.take.com.pt
Co-autor do podcast Universos Paralelos
www.segundotake.com/universos-paralelos
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