segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Suores Frios - " Pesadelo num copo de água" - por Pedro Miguel Fernandes

Nunca fui um grande fã do cinema de terror. Talvez o facto de ter sido um miúdo com medo de tudo e mais alguma coisa não me tenha ajudado no futuro a admirar e desbravar o género como fiz com outros mais tarde, à medida que ia descobrindo essa fantástica arte chamada cinema e os seus maravilhosos recantos. E se há altura ideal para termos medo destas coisas é precisamente quando somos garotos, mais tarde perde um bocado a piada com a perda da inocência. Mesmo quando acontece darmos um salto na cadeira do cinema à conta de um susto daqueles à séria quando aparece algum malandrão em cena sem avisar, acaba por se seguir um sorriso nervoso como quem diz ‘sacanas, enganaram-me, mas não me dão pesadelos que eu já não tenho idade para essas coisas’. Isto não significa que não me aventure uma vez por outra neste universo e por vezes até calha gostar de alguns títulos e há alguns realizadores que merecem muito do meu respeito. Mas se alguém me perguntar ‘então Pedro, vai uma fita de terror?’ há um grande grau de probabilidade de levar uma nega. A não ser que seja difícil resistir a sessões especiais em que o desafio seja algo como ver a trilogia Evil Dead pela noite fora com um grupo de amigos ou ir ao templo dos fãs de cinema de terror chamado Motelx para ver como param as modas no universo do terror. Moral da história: sustos e calafrios em miúdo com filmes de terror não houve muitos porque me afastava sempre deles como aquele sujeito com os dentes pontiagudos da cruz.

Contudo…como diria o outro, ‘no entanto, ela move-se’ e há um episódio marcante na minha infância que junta medo e uma sala de cinema: nem mais nem menos do que a minha primeira recordação que tenho de ver um filme num ecrã de cinema. Não me perguntem onde foi porque não sei onde terá sido, apenas me lembro do título do filme. Era o Indiana Jones e A Última Cruzada e nada melhor do que uma estreia no cinema do que o filme de uma personagem que permanece uma das minhas favoritas de sempre. Ou então não. Já antes, ao ver o anterior Indiana Jones e O Templo Perdido, tinha ficado aterrorizado com refeições com vida própria e a presença do mauzão de serviço, aquele que arrancava corações às criancinhas e cujo nome não me vem agora à memória. Mas nada me tinha preparado para ver um sujeito a ser transformado em esqueleto mesmo à frente dos meus olhos num ecrã gigante. A imagem ficou de tal forma retida na minha mente que a partir de então cada vez que ia buscar um copo para beber água demorava horas a decidir qual o copo correcto, não fosse acontecer alguma coisa estranha comigo.

Escusado será dizer que hoje em dia já nada disto me impressiona. Continua a ser um divertimento garantido ver qualquer um dos filmes da saga como aquando da primeira vez (descontando aquela coisa que fizeram com o puto dos Transformers a fazer de filho do Indy, que não apenas me suscita algumas palpitações de raiva), mas agora sem ter medo de esqueletos, cobras e alimentos esquisitos. Os medos agora são outros e os calafrios vêm de outros sítios, nenhum deles situado numa tela gigante ou pequeno ecrã caseiro. A idade tem destas coisas e das coisas que mais sinto falta desses primeiros anos é precisamente esse misto de fascínio e medo que tínhamos em miúdos perante aquelas imagens que hoje provavelmente nos fazem rir ou pelo menos passámos a vê-las com um sorriso nostálgico nos lábios. Mas ao menos já consigo ir buscar um copo de água sem passar uma eternidade a tentar escolher o copo certo.

Pedro Miguel Fernandes 

ex-blogger A Última Sessão (http://a-ultima-sessao.blogspot.com/) e Shut Up and Watch the Movies (http://shutupandwatchthemovies.blogspot.com/)


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