domingo, 29 de janeiro de 2012

"Alone" (Fad, 2007)

Aviso: Contém spoilers!

Costumo ser bastante crítica em relação às traduções de títulos de filmes que não raras vezes, nada tem que ver com o original. O título tailandês de “Alone” é fad que significa literalmente gémeo. Mas neste caso, pode-se dizer que “Alone” foi um toque de génio. Ser-se gémeo é não ter de estar sozinho. É uma partilha física, mágica, telepática. É um não precisar de espelhos pois que o nosso caminha connosco de mão dada. É uma partilha de dores e amores que poucos seres humanos podem almejar. Até que um dos gémeos desaparece. Aí terminam as brincadeiras, desejos, pensamentos secretos. Conhece-se a solidão.
Pim (Marsha Wattanapanich) está só desde os 15 anos. Ela tinha uma irmã gémea Ploy que estava ligada a ela pelo estômago. A sua morte fez com que a gémea sobrevivente fugisse para a Coreia. Um dia é informada que a sua mãe está muito doente e é obrigada a regressar à Tailândia com o namorado Vee (Vittaya Wasukraipaisan). Mal regressa, Pim começa a ver imagens da falecida irmã por todo o lado. Por mais que tente não consegue provar que o que vê é real e Vee começa a questionar a sanidade da namorada. Quer dizer, é natural não é? O stress de ver a mãe, a única familiar viva internada e regressar à casa onde vivia com a irmã Ploy que faleceu quando era apenas uma adolescente devem arrasar qualquer um. Pim deve estar a experienciar sentimentos de culpa. Mas para ela, é muito mais do que isso. A irmã gémea procura-a para que possam ficar juntas para sempre. Pim não pode quebrar a promessa que fez em menina à irmã de que estariam juntas para sempre. Mas elas tinham entendimentos diferentes. Pim era, em primeiro lugar, uma rapariga, que queria viver um amor profundo e todas as experiências gratificantes que a vida tinha para lhe oferecer. Para ela, estando fisicamente apegada à irmã, é impossível cumprir esse desejo, o que criou um natural foco de tensão sempre crescente, à medida que cresceram. É também esta divergência que permite separar as irmãs em termos de personalidade e identificar o ponto de ruptura no anterior laço forte que partilhavam.
“Alone” é o segundo filme da dupla de realizadores tailandeses Parkpoom Wongpoom e Banjong Pisanthanakun, depois do sucesso estrondoso de "Shutter" (2004). Mais uma vez acertam no alvo. A dupla repesca o hair movie e acrescenta-lhe elementos de originalidade que dão vitalidade a um género sobre explorado. De lamentar talvez o timing pois que o coreano “A Tale of Two Sisters” (2003) estreou uns anos antes, analisando precisamente a relação de duas irmãs com grande aclamação e sucesso comercial. A dupla de cineastas tailandeses levou esta relação a um patamar superior, penetrando a conexão tão especial entre irmãs siamesas. Um dado curioso é que a Tailândia é o antigo Sião, de onde eram dois irmãos gémeos tão famosos que deram origem ao termo "Siamês". "Alone" tem a vantagem de um elenco sólido, encabeçado por Marsha Wattanapanich uma cantora de ascendência tailandesa e alemã, que teve aqui o seu regresso bem-sucedido à celebridade depois de alguns anos de semiobscuridade. A sua personagem é também uma piscadela de olho dos cineastas à audiência já que a alcunha de Marsha é precisamente Pim. Alguém se lembrou do cliché “arte a imitar a vida real”? Não? Eu fui lá, deixem estar.
A banda-sonora é utilizada para provocar sobressaltos na cadeira nas alturas certas. Não que isso fosse preciso. Pelo meio há uma alusão aos filmes "Giallo" com um “lalala” de crianças demasiado conhecido mas sempre eficaz. Além de que a sua utilização em Alone faz todo o sentido: é o retrato da história de duas irmãs e a perda da inocência. Junte-se a uma banda-sonora vulgar mas eficaz, a câmara inteligente da dupla de realizadores que provam ter capacidade para uma carreira repleta de sucessos. O final é uma reviravolta que não será inesperada se observarem com atenção as pistas que os cineastas foram semeando durante a película. Verdade seja dita que só me apercebi da grande revelação a um quarto de hora do final. Dizer que me teria apercebido do final se tenho estado mais atenta é pois um pouco arriscado. Fica a nota. No entanto, fiquei agradavelmente surpreendida com os truques de câmara e jogos de sombra que apontavam para o óbvio se ao menos tivesse visto… “Alone” é menos centrado nos sustos do que nas relações entre as personagens e Marsha reflecte com mestria o tormento da sua personagem, ao mesmo tempo que interpreta duas gémeas, cada uma com uma personalidade muito própria. De enaltecer também a opção por uma actriz madura que soube exactamente o que fazer com a personagem e não uma qualquer starlet acabada de saír da adolescência cujos talentos se cingem a fazer beicinho e usar soutien push-up. Já o Vee de Vittaya Wasukraipaisan é a âncora perfeita para uma Pim que não sabe se está a enlouquecer. Apesar de não considerar  “Alone” um esforço tão bem concretizado como a obra de estreia dos cineastas,verifica-se uma maior maturidade a nível da narrativa e do desenvolvimento das personagens. Vejam “Alone” como um sucedâneo de outro filme ou como uma obra independente ele cumpre a função primordial: assustar. Três estrelas.


Realização: Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom
Argumento: Sopon Sukdapisit, Banjong Pisanthanakun, Parkpoom Wongpoom e Aummaraporn Phandintong
Marsha Wattanapanich como Pim / Ploy
Vittaya Wasukraipaisan como Vee
Ratchanoo Bunchootwong como Mãe de Pim e Ploy
Hatairat Egereff como Pim com 15 anos
Rutairat Egereff como Ploy com 15 anos
Namo Tongkumnerd como Vee com 15 anos

Próximo Filme: "Loft" (Rofuto, 2005)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

"Echoes of the Rainbow" (Sui yuet san tau, 2010)

“Echoes of the Rainbow” não se enquadra na temática habitual do Not a Film critic. É que nem de acção é. Não tenham ilusões. Certamente, não se enquadra na minha filosofia sobre filmes do género (Oportunidade para inserir link aleatório para outro texto aproveitada). Mas prometi-me assistir a pelo menos um dos filmes da 3ª Mostra de Cinema de Hong Kong. Como um dos meus gurus online aconselhou “Echoes” e sou altamente influenciável atirei-me de cabeça ao dramalhão. O resultado é um retrato ficcional da infância de Alex Law. Um retrato melodramático entenda-se. Eis que desembainho os meus argumentos para verem o filme. Eu chorei. Vêm como apelei ao sentimento ali atrás? Ok. É um descaramento assumir que dão alguma importância aos meus apelos mas não vos aconselhei já tantos bons filmes? (Ou, pelo menos, imaginemos que sim). Se não gostam de drama podem considerar “Echoes” um filme de terror. Se apreciam o género dramático e desfazem-se por estórias simples, vindas do coração, a estória do senhor Law irá provocar reacções químicas satisfatórias nos vossos corpos.
A família Law sobrevive na Hong Kong de final dos anos 60. O senhor Law (Simon Yam) é um sapateiro que representa o único sustento da família que luta para pôr comida na sua mesa, fazer subornos a polícias corruptos e ainda pagar as propinas da escola do filho mais velho enquanto repete o mantra de que “nada é mais importante do que ter um tecto sobre a cabeça”. A senhora Law (Sandra Ng) é a mestre do regateio que mete vergonha a um qualquer comerciante de uma medina em Marrocos. Expedita, segura e com inteligência emocional elevada ela é também a âncora da família. Desmond (Aarif Rahman) é o filho mais velho do casal. Perfeito em todos os aspectos, ele é o que todos os outros crescem a odiar: aluno brilhante, atleta fora de série e o queridinho das moçoilas. Como se nada disto bastasse, ele é um rapaz sério e não tem olhos para mais nenhuma outra que a sua Flora (Evelyn Choi). Orelhas Grandes (Buzz Chung) completa o quadro familiar. É um pequeno traquina, protegido por todos. Ele nasceu fora de tempo e talvez por isso, seja um pequeno tirano, que sabe bem tirar partido da conjuntura familiar e arranjar perdão para as suas malandrices. Ele desleixa-se na escola, nos deveres e… tem mão leve. Podia ser uma vida idílica. Ora, como bem sabemos e os Law tanto fazem questão de frisar, “depois da tempestade vem a bonança”. E eles escaparam à maré brava por tempo demais. Quando a tragédia se abate, eles refugiam-se no pouco que têm, os laços que os unem. É através dos olhos inocentes de Orelhas Grandes que assistimos, quais voyeurs à felicidade e à queda dos Law. Somos convidados a sentar-nos à mesa com eles, a experimentar os seus sapatos, a testemunhar o amor que os une e a presenciar as suas perdas. Atente-se sobretudo aos desempenhos espantosos de Simon Yam e Sandra Ng. Sendo que Yam chegou mesmo a receber o prémio de melhor Actor dos Hong Kong Film Awards 2010. Outra estrelinha é Buzz Chung como Orelhas Grandes, um pequeno sonhador que vê o mundo através de um aquário. É que ele na Hong Kong dos anos 60 quer ser um astronauta. Tão giro não é? Já o irmão Desmond é tão bom rapaz que custa a crer que exista semelhante ser. Ao mesmo tempo é um desempenho aborrecido por ser tão mais fácil que o de Chung. Os irmãos são como o azeite e o vinagre em personalidade e na representação. No conjunto, o elenco é um portento. Se não soubéssemos diríamos que estávamos a assistir à dinâmica de uma família real tal a sua entrega. Rimos e choramos com eles mesmo que a alturas o ritmo estagne e pareça chafurdar indefinidamente na tragédia humana. “A audiência está triste?” “Não chega. Vamos pô-los miseráveis!” Facto é que os dramas humanos são duros e intermináveis (ou assim parecem).
“Echoes of the Rainbow” é um bom candidato a censura sobre a ausência de crítica social e política. A espaços parece que o argumento vai tomar essa rota e depois retrai-se. As alusões estão lá. Resta saber se são propositadas ou não passam de meros motivos espácio-temporais. Custa-me ser crítica neste ponto. Se o objectivo do filme é demonstrar a dinâmica de uma família na Hong Kong dos anos 60 não vejo por que há-de alguém vir dizer o contrário. Felizmente todos são críticos, poucos são argumentistas. Com tantas línguas faladas quanto o mandarim, cantonês, inglês e ainda outros dialectos regionais, por vezes aborrece a retina ver que o som não acompanha as falas dos actores, qual filme de Kung Fu do Bruce Lee. Mas é um mal menor. Alex Law conseguiu tornar a obra que escreveu e realizou tão pessoal e real quanto a sua própria existência. Conquanto a narrativa não seja original é pontuada por uma honestidade rara em cinema. Mais se tratando de uma auto-biografia onde a família é tudo menos um “Brady Bunch”, ainda que com pinceladas dos “The Monkees” pelo meio. Os filmes mais belos são os que vêm do coração e apelam ao coração. Ideal para uma noite fria com aqueles que mais amamos neste mundo. Quatro estrelas.

Realização: Alex Law
Argumento: Alex Law
Buzz Chung como Orelhas Grandes
Simon Yam como Senhor Law
Sandra Ng como Senhora Law
Aarif Rahman como Desmond Law
Evelyn Choi como Flora


Próximo filme: "Alone" (Fad, 2007) 

domingo, 22 de janeiro de 2012

"Ring" (Ringu, 1998)

Atmosfera é com toda a certeza, uma das palavras mais utilizadas pelos críticos de cinema. Serve para descrever uma indefinição, neste caso, algo que se sente. Lembro-me de o crítico de cinema Scott Weinberg (Twitch Film, Fear.net, etc.) discorrer numa rede social, sobre o facto da palavra atmosfera se ter entranhado de tal modo no léxico dos críticos que qualquer acontecimento serve para a utilizar. Certamente, já viram os famosos one-liners de publicações mais ou menos conhecidas nas capas dos posters e DVD’s que apregoam: “Uma Atmosfera Pesada” ou uma “Atmosfera Atemorizante!” Como se nunca tivéssemos lido aquilo antes ou constituísse um argumento para se visionar a obra em causa. Conheço bem a questão, contribuo para a banalização da palavra, para a propagação da ideia… Textos anteriores são a prova disso. No entanto, por vezes, surgem filmes nos quais as palavras mais banais são as mais correctas. Nem sei como começar por vos explicar como “Ring” (1998) (sobre)vive tanto da atmosfera…
Desde o início dos créditos iniciais, até ao momento em que surgem duas adolescentes na tela, que algo nos diz, o instinto se desejarem, que algo não está bem. O sentimento de opressão não é reduzido pelo facto de vermos duas jovens a rir e a partilhar mexericos. Uma delas principia a contar um rumor, daqueles que se ouvem na escola, contados por terceiros, que também não sabem quem contou a história inicial. Supostamente existe uma cassete VHS, cujo conteúdo mata quem a vê, dentro de 7 dias. Por entre sorrisos, a contadora de histórias admite que já a viu. Elas trocam um olhar perscrutador. O telefone toca.
Reiko Asakawa (Nanako) entra em acção. Ela é uma repórter. A curiosidade está-lhe no sangue e este ferve quando descobre que a sobrinha Tomoko (Yuko Takeuchi), que faleceu recentemente em circunstâncias suspeitas terá visto o vídeo. Ela entra no mundo dos jovens, onde os mitos urbanos e as superstições são um lugar-comum.  Em paralelo com a sexualidade, são explorados os mistérios da vida e da morte e predomina uma vontade de impressionar os amigos com histórias de arrojo. E nessa senda de ser o “puto mais fixe” do grupo adoptam atitudes perigosas, irresponsáveis e irreflectidas. Desafiam-se a fazer o jogo do copo (tábua ouija), incitam-se a olhar ao espelho e invocar espíritos, desafiam-se a visualizar cassetes amaldiçoadas… Reiko, não quer ficar de fora, o desejo de saber é mais forte que ela e a investigação leva-a a um hotel na província onde encontra a dita cassete. O que vê é desconcertante. Depois o telefone toca e a realização de que a maldição é verdadeira. O medo instala-se e recruta o ex-marido Ryuji (Hiroyuki Sanada) para a ajudar a quebrar a maldição. Quando Reiko surge pela primeira vez no ecrã transmite uma aura de despreocupação e desprendimento face ao filho Yoshi (Rikiya Otaka). Assim, que se apercebe da sua iminente mortalidade e, por que os pais não conseguem controlar o que os filhos fazem, Yoshi vê a cassete, a fachada cai. Agora, desvendar o mistério deixa de ser imprescindível, é vital. Seguimos Reiko e Ryuji numa investigação cujas conclusões não são necessariamente as mais lógicas, até esbarrarem na história de uma médium poderosa que habitava uma comunidade piscatória.
Em toda a honestidade, dificilmente se encontra uma sinopse mais estúpida: uma cassete que a mata quem a vê em 7 dias? Além de que por estes dias, está desactualizada, já ninguém possui cassetes VHS. O número de vítimas mortais é, na melhor das hipóteses, diminuto. Por isso, estime-se a capacidade de Hiroshi Takahashi em adaptar o livro de Koji Suzuki e a mestria do realizador Hideo Nakata para tornar um absurdo no filme de terror japonês mais rentável de sempre.
Ao voltar a ver “Ring” descobri que confundia alguns conceitos do original e o remake “The Ring” (2000), de Verbinski. O vídeo amaldiçoado da versão americana é claramente mais assustador e permite retirar mais pistas sobre a origem do fenómeno do que o vídeo original. Mas é na atmosfera (lá está a palavra), que a nova versão perde. No remake é possível destrinçar os momentos de alívio dos aterradores. Em “Ring” a atmosfera é singularmente opressiva. Mesmo numa cena banal, na qual Reiko perscruta o horizonte de uma janela, permanece a sensação de que se vai precipitar um acontecimento qualquer conducente a um grande susto. A acompanhar está a banda-sonora subtil, do veterano Kenji Kawai ["Ghost in the Shell" (1995), "Ip Man" (2008)], que se distingue dos habituais momentos “Tcharan” de uma nota grave de piano desconcertado.Outra força do filme original é a dinâmica entre Reiko e Ryuji. Ele é a força dominante, pragmático, sempre seguro, o porto de abrigo perfeito para a frágil Reiko. Esta dupla sempre é mais plausível do que a “The Ring”, onde me custa a acreditar que o pai de uma criança nascida de uma relação casual se oferecesse para se tornar um cavaleiro andante. O mais provável seria à vista da mãe da criança fugir para não lhe acenarem com as despesas do puto e coisas que tais. “Ring” também trouxe um interesse renovado sobre a tecnologia e os seus perigos para o ser humano. Claro que sempre num sentido figurado: muitas horas na TV deixa-nos tipo zombies, atrasa o desenvolvimento, impede a socialização, etc. Até então, pouco se tinha reflectido no ecrã como interveniente no mundo físico e transmissor da morte. Esta é encarnada na figura mais improvável: Sadako, uma rapariga frágil, um “onryo” japonês. Independentemente, da opinião que se tenha de “Ring”, ele tem um lugar na história e os seus méritos ainda se irão propagar no tempo. O filme teve um efeito propagador e reprodutor dos medos provenientes do folclore japonês, com inúmeras sequelas, remakes e filmes nele inspirados e séries lucrativas a surgir apenas devido à sua influência. Isto significa que ainda teremos de ver muitas rapariguinhas de cabelo desalinhado e aparelhos tecnológicos amaldiçoados, até o interesse desvanecer. O efeito “Ring” propaga-se no futuro mas no imediato reside uma questão bem mais importante. Assusta? Vi “Ring” à noite na escuridão. E conseguir arranjar coragem para acender a luz depois de o ver? Quatro estrelas.

Realização: Hideo Nakata
Argumento: Hiroshi Takahashi e Koji Suzuki
Nanako Matsushima como Reiko Asakawa
Hiroyuki Sanada como Ryuji
Rikiya Otaka como Yoshi
Yuko Takeuchi como Tomoko

Próximo Filme: "Echoes of the Rainbow" (Sui yuet san tau, 2010)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

"Muoi: The Legend of a Portrait" (Meui, 2007)

“Muoi – Legend of a Portrait” é na sua essência um filme de gajas. Um filme de terror para gajas, vá. Podia ser um contrassenso, não estivesse já cientificamente comprovado que as mulheres também vêm filmes de terror e, às vezes, até se assustam menos que os homens. Mas não seja por isso, “Muoi” tem alguns momentos enervantes e actrizes principais giríssimas.
“Muoi – Legend of a Portrait” é um esforço conjunto de produtoras sul-coreanas e vietnamitas. É uma colaboração, no mínimo corajosa, pois que no Vietname, o filme teve de passar pela censura do Gabinete de Cinema Vietnamita e sofreu diversos cortes, de resto vitais para a compreensão da obra. No entanto, “Muoi” foi dos primeiros filmes de terror a ser produzidos no país e 2007 nem foi há muito tempo… Seja bem entendido que o Vietname é governado, à semelhança da China por um único partido, o comunista apesar de ter vindo a reestabelecer cada vez mais relações com o exterior.
“Muoi” que significa dez, em vietnamita é uma jovem rapariga pobre (Ahn Thu) que há pouco mais de um século atraiu o amor do pintor Nguyen (Binh Minh) com a sua beleza extraordinária. Infelizmente, ele também atraiu as atenções de uma herdeira poderosa (Hong Anh) que estava disposta a tudo para vencer a rival nas afeições de Nguyen. O resultado é uma maldição, a única forma da pobre Muoi se vingar sobre os ricos e poderosos que a maltrataram em vida. Diz que o modo de deter Muoi de empreender a sua vingança terrível foi aprisioná-la num retrato. Entenda-se que esta produção terá tido maiores preocupações que as de apontar para os problemas de justiça social como os que grassam noutros pontos do mundo, mas não deixa de ser tentador encontrar semelhanças no Portugal do século XXI, onde as desigualdades determinam o acesso à justiça. Não é pois de estranhar eventuais reservas do regime perante a história de Muoi e a tentativa de as mascarar talvez com os elementos perturbadores de terror. A narrativa encontra ecos de um trauma com os excessos da sociedade patriarcal sul-coreana da qual resulta que os personagens do sexo masculino são retratados como criaturas fracas, lideradas por instintos primitivos e as mulheres se transformam nas heroínas trágicas que granjeiam a simpatia dos espectadores.
Somos transportados para os dias de hoje, onde Yoon-hee (Jo-na) pesquisa informação para o seu próximo livro. Ela parece ter um golpe de sorte quando uma velha amiga, a viver no Vietname, a convida a conhecer o folclore local, em particular, a lenda de Muoi. Yoon-hee tem alguns esqueletos no armário, incluindo, escrever um livro pouco a nada abonatório sobre Seo-yeon (Ye-ryeon Cha) a amiga que a contactou. Elas  percorrem as paisagens inesquecíveis do Vietname como duas desconhecidas. Seo-yeon indaga sobre a vida de Yoon-hee e procura restaurar o laço perdido. Yoon-hee parece mais interessada em usar a hospitalidade da amiga para terminar o livro o mais rápido possível e regressar à Coreia. Entretanto, tenta evitar o mais possível responder a questões sobre o livro anterior. Yoon-hee é umas personagens principais mais antipáticas que já tive oportunidade de ver em película. Nem quando a verdade é trazida a descoberto ela se torna aquilo que deveria ter sido, likeable. Quanto a Seo-yeon ela é linda, vulnerável, a amiga de quem se tem pena e que gostaríamos ter sido nossa, apesar de compreendermos que por detrás das suas acções se esconde uma agenda obscura. É nestes momentos, que sucedem paralelamente ao desenrolar da história de Muoi, que se verificam as qualidades de filme de gaja. A película funciona em lume brando, centrada nas interacções entre as duas amigas, no crescer de tensão e desconforto à medida que os erros do passado são expostos. O ponto de ebulição chega rápido e furioso demais para que possamos apreciar em pormenor o que se está a passar. Quando damos por nós, o fim já veio e se foi. Atabalhoado, para um crescendo tão consistente. Valha-nos o cenário idílico, o som e tecnicismos vários que tornam o filme muito sólido ainda que tenham existido algumas falhas do ponto de vista da produção. Ao que parece, o “Ao Dai”, traje tradicional vietnamita é uma versão posterior à época é retratada no filme. Nada de grave porém. “Muoi” é uma excelente estreia para o cinema de terror vietnamita assente no know-how das produções coreanas. Três estrelas.

Realização: Tae-kyeong Kim
Argumento: Zizak e Tae-kyeong Kim
Jo-na como Yoon-hee
Ye-ryeon Cha como Seo-yeon
Ahn Thu como Muoi
Binh Minh como Nguyen

Próximo Filme: "Ring" (Ringu, 1998)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Blogs do ano 2011 | Aventar

E o Not a Film Critic volta a estar na senda de prémios ou de juízo se preferirem. Desta feita a iniciativa é organizada pelo Blogue Aventar que realiza a primeira edição de “Blogs do Ano”. 
As categorias a votação são: actualidade política (colectivos), actualidade política (individuais), Auto-conhecimento / reflexão filosófica, Arquitectura, Artes Visuais (não discriminadas noutra categoria), Ciência, Cinema, Comunicação e Media, Culinária / Gastronomia, Desporto, Diários de Bordo / diários íntimos e pessoais, Direito e Justiça, Educação, Escolares e Jornais de Escolas, Eróticos, Fotografia e Fotoblogs pessoais, Geek blogs / Tecnologia, História, Humor, Livros / Literatura / Poesia, Locais / Regionais, Moda, Música, Natureza, Religião / Espiritualidade, Saúde, Televisão / Séries de TV, Blogue revelação (nascidos em 2011), Autor / blogger do ano e Melhor Blog Estrangeiro de Língua Portuguesa.
A votação é faseada sendo que a primeira eliminatória do concurso se realiza até dia 21 de Janeiro. A todos boa sorte!
A votação decorre aqui

domingo, 15 de janeiro de 2012

"Tucker & Dale vs. Evil", 2010



Dale: Tuck, what happened to your face?
Tucker: I sawed into a bee's nest.
Dale: Pshhh. Why?

"Tucker & Dale vs. Evil" está repleta destas gemas. Poderia continuar a citá-los a noite toda. Nada como uma comédia terrífica para fazer uma pausa do cinema asiático. Tucker e Dale é a comédia mais refrescante desde "Zombieland" (2009) e explora o (para mim), ainda pouco desbravado com sucesso, território da comédia de horror. "Evil Dead" (1981), não conta, já faz demasiado tempo.
Os argumentistas foram buscar todos os estereótipos possíveis e imaginários sobre os hillbillies/campónios e fizeram uma enorme festa com eles. Muito se fez das características inerentes dos hillbillies no cinema americano e não será coincidência que os filmes em que "melhor" são retratados sejam de terror. Tanto que quase se tem medo de parar num local remoto e pedir informações a um dos "nativos". O retrato típico da cena é: área deserta, um homenzinho de aspecto sujo, mal-encarado ou em alternativa, muito solicito, demasiado solícito, que nos aconselha a tomar um atalho. Hmmm... Não me parece. "Dimwitted, sex crazed maníacs", quase poderia ser uma citação por debaixo do slogan de qualquer desses filmes. Mas Tucker e Dale olham de frente estes estereótipos e esmagam-nos. Ao invés de serem feios, porcos e maus à la "Deliverance" (1972) e "I spit on your grave" (1978) são uma versão actualizada mais fofinha e adorável. Ok, o Tucker não tanto mas o Dale é perfeitamente integrável na sociedade dita civilizada. Os dois actores escolhidos assentam nas personagens como se de uma segunda pele se tratasse: o Tyler Labine vem da série underrated diga-se, "Reaper" e o Alan Tudyk que qualquer fã do universo "Firefly" conhecerá melhor que eu. Sobretudo Tudyk sabe vender o personagem. Terá ele um pouco de hillbilliy?
Tucker e Dale são dois amigos que vão passar uns dias de férias à cabana, recém-comprada por Tucker no meio do bosque. Assim, uns diazinhos de descanso, com muita cerveja e pescaria à mistura. Ou então não, que a cabana está a cair aos bocados e eles vão passar os dias a arranjá-la. Aliás, têm de ter especial cuidado porque a cabana tem, inclusivamente, uma série de pregos saídos da madeira que aquilo é uma armadilha mortal. Belas férias, hã? Seja como for, o seu descanso é perturbado por uma série de jovens universitários barulhentos que estão ali para fazer uma farra. Entre eles encontram-se os personagens habituais: rapariga bem-comportada, uma loura burra e o universitário convencido. Os seus mundos colidem e as reacções não podiam ser mais diversas. Os universitários vêm Dale e Tucker como dois campónios brutos e assustadores e os nossos heróis vêm-nos como algo que nunca poderão almejar ser ou atingir. Bem, não ajuda que Dale vá cumprimentar Allison (Katrina Bowden), com uma foice na mão emitindo grunhidos estranhos. Seja lá de onde for que eles vieram não devem ter passado muito tempo a socializar fora do seu círculo mais imediato.
O que torna "Tucker & Dale" tão especial é o facto de a acção se desenrolar à volta de um equívoco. A dupla de argumentistas pegou na premissa hillbillies vs. jovens universitários e começaram pelo básico: "E se fosse tudo um grande mal-entendido?" Os amigos de Allison têm a brilhante ideia de irem para o rio nadar de noite e ela assusta-se com a presença de Tucker e Dale numa pescaria, cai e bate com a cabeça. Como bons samaritanos que são eles apressam-se a salvar Allison e gritam para os seus amigos "Nós temos a vossa amiga!" Obviamente, que a coisa soa mal do outro lado: "Eles têm a Allison!!!" Claro que a partir daqui se irão gerar uma série de mal-entendidos e de infortúnios que vão acentuar as diferenças e a rivalidade entre os dois grupos. Embora, uma pessoa empalar-se sozinha possa ser considerado um evento infeliz, não deixa de ser um acidente. Mas, as suas cabeças apanhadas pela histeria já só vêem a pior das alternativas e é o escalar da situação. Eu agradeço, que é gore e situações hilariantes umas atrás das outras. Até larguei uma lagrimazita de tanto rir. Gostei. Tudyk e Labine estão perfeitos nos papéis e têm química juntos. Quero um dvd com as cenas cortadas e os comentários dos actores. Quero uma sequela y'all! Quatro estrelas em cinco.

Realização: Eli Craig
Argumento: Morgan Jurgenson e Eli Craig
Elenco:
Tyler Labine como Dale 
Alan Tudyk como Tucker
Katrina Bowden como Allison
Jesse Moss como Chad
Próximo Filme: "Muoi: The Legend of a Portrait"

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

"Ju-on: The Grudge" (Ju-on, 2003)

Já adiei esta apreciação por tempo demais. "Ju-on" é por demais uma referência em qualquer filme de "rapariga assustadora de longos cabelos compridos" para que não explique afinal, a que é que me estou sempre, qual macaca de repetição, a referir. Antes de mais, deverão compreender que “Ju-on” não é um único filme mas um conjunto de películas feitas para a televisão e cinema japoneses, todas realizados por Takashi Shimizu. O título normalmente mais mencionado é “Ju-on: The Curse”(2003), direccionado para o grande ecrã. Foi neste último, que o remake americano “The Grudge” (2004), se baseou. Este é o filme que muitos terão visto antes sequer de terem ouvido falar da versão original e o motivo pelo qual, "Ju-on" é por vezes injustiçado.

Definição de Ju-on:
Ju significa maldição, praga ou coisa maldita
On significa rancor, maus sentimentos, aversão

“Ju-on: The Curse”
Os créditos iniciais anunciam um rancor tão forte que ultrapassa a morte. Esta emoção é dirigida a todos os que entrarem no perímetro de uma casa maldita. Passamos logo à história de Rika, uma voluntária da acção social que é persuadida a ir cuidar de uma velhota em estado catatónico. Quando lá chega parece que passou por ali um tornado: a casa está desarrumada e não deve ser limpa há bastante tempo. Rika entra em acção e começa a limpeza quando começa a ouvir sons estranhos vindos de um dos quartos. Lá encontra um armário fechado com fita-poliéster que começa a retirar…
“Ju-on: The Curse” não é uma história mas antes um conjunto de histórias de seis personagens que por um motivo ou por outro, entram na casa e acabam por conhecer um fim trágico. As personagens não têm necessariamente ligação entre si e o único denominador comum é a casa. O resultado é uma narrativa fragmentada onde a história é o que menos importa e a atmosfera de temor tem o papel principal. Shimizu apresenta um conjunto de técnicas que nunca parecem repetitivas para construir a atmosfera de tensão: breves sequências dos fantasmas, ângulos que permitem ver o fantasma mesmo ao canto do olho, isto é, se estivermos atentos e uma boa utilização espacial que nos permite ver aparições em espelhos, vidros, debaixo dos cobertores, por entre portas, etc. É certo que hoje em dia estes truques estão vulgarizados mas na época foi uma abordagem interessante. Com cada capítulo fechado, vamos passando à personagem seguinte e assim sucessivamente até que todas conhecem o seu destino. Não existe uma preocupação com o desenvolvimento dos personagens. Quando as começamos a compreender e simpatizar com elas a sua história termina. É também complicado estabelecer a cronologia visto que de episódio para episódio há saltos no tempo que dificultam o estabelecimento da acção no passado ou no futuro. Por outro lado, é interessante verificar que no prólogo é projectado um flashback a preto e branco onde vemos resquícios da fúria assassina que dá origem da maldição. Só mais tarde é que se faz uma breve menção a um homicídio na casa, no qual Taeko Saeki matou a mulher Kayako e o filho de ambos, Toshio desaparece. Se Taeko pouco aparece, são Kayako e Toshio que representam a visão assustadora. Toshio aparece branco, pálido como se coberto em pó de talco (talvez) e tem um olhar vazio. Ele prega-nos partidas (lá está a ilusão óptica e os sistemáticos ora surge ora sai de cena), como brinca uma criança mas com uma agenda bem mais aterrorizante. Quanto a Kayako, ela tem uma cena reminiscente de “The Exorcist” (1973) na qual Reagan (Linda Blair) desce as escadas, toda contorcida que é tão simplesmente a cena mais assustadora de todo o filme. Kayako rasteja e contorce-se enquanto desce as escadas para pregar um susto de morte às vítimas que aguardam insuspeitas no fundo das escadas. Este efeito está em parte conseguido devido à capacidade de contorcionismo de Fuji que lhe permitiu efectuar uma série de movimentos menos naturais. Junte-se às imagens assustadoras o silvo de gatos, sons guturais, e som de algo a arranhar, com uma banda-sonora subtil e temos construído um cenário macabro. No fim, há apenas uma certeza: nem debaixo dos cobertores, estamos salvos da maldição. Três estrelas.

Realização: Takashi Shimizu
Argumento: Takashi Shimizu
Megumi Okina como Rika Nishina
Misaki Itô como Hitomi Tokunaga
Yuya Ozeki como Toshio
Takako Fuji como Kayako
Misa Uehara como Izumi Tôyama
Próximo Filme: "Tucker & Dale vs. Evil", 2010

PS: Se quiserem conhecer a cronologia da série “Ju-on”, leiam abaixo.

domingo, 8 de janeiro de 2012

"Re-cycle" (Gwai Wik, 2006)

O cérebro é uma coisa fascinante. Não nos deixa esquecer as memórias que mais teimamos em abandonar e é implacável com aquelas que nos são preciosas. Ting-yin (Sinjie Lee) é uma escritora que está finalmente pronta a abandonar o passado. Um romance falhado deu-lhe material para quatro livros de grande sucesso mas enquanto a sua vida profissional floresce, a sentimental é inexistente. Ting-yin decide fazer o corte do modo mais radical: escrever um livro sobre o sobrenatural. Fiel ao seu método que melhor conhece, o de vivenciar aquilo que escreve, Ting-yin anseia por ter uma experiência sobrenatural.
O antigo amor, aquele que lhe deu inspiração para uma vida inteira de romances trágicos de sucesso ressurge disposto a comprometer-se. Entretanto, também o seu manager Lawrence (Lawrence Chow), anuncia o título do novo livro de Ting-yi sem esta ter ainda escrito uma linha. Perturbada com o regresso do que lhe provocou tanta dor e a pressão de escrever um novo livro, a tarefa é-lhe mais difícil do que nunca. Escreve, apaga, reescreve, desiste e deita fora o papel. Este ritual repete-se até que as suas linhas principiam a transpor para a realidade. Os aparelhos começam a tomar vida própria e as torneiras abrem-se sozinhas. Ting-yi sente-se assombrada. É real ou está tudo na sua cabeça? Não era afinal o que Ting-yin queria? Apostada em compreender o que se está a passar, Ting-yin entra numa dimensão paralela, onde os seus medos se tornam realidade. Dificilmente se encontrarão dois capítulos mais distintos numa película. Os primeiros quarenta minutos são típicos dos irmãos Pang, onde se podem vislumbrar truques ou variações das técnicas presentes na série de filmes “The Eye” (2002). A segunda metade do filme também é típica dos Pang com a ligeira diferença de que a dupla aposta tudo nos aspectos visuais em detrimento do desenvolvimento da narrativa. E que festim para a vista: temos um parque de diversões made in hell, um batalhão de zombies, uma gruta de fetos abortados… Sim, eles foram lá. E mais não digo para não furtar a surpresa à experiência visual. “Re-cycle” apresenta uma confluência de fontes de inspiração que não são assim tão difíceis de encontrar. Temos desde a entrada de Tyng-yi na nova realidade paralela qual “Alice no País das Maravilhas” do Lewis Carrol, passando pelo imaginário de Tarsem Singh [“The Cell”(2000) e “The Fall” (2006)] e pela obra extraordinária do Terry Gilliam até ao universo dos jogos de vídeo e computador com “Sillent Hill” (2006). A homenagem, não se sabe se intencional ou não, é inócua e está ao nível dos exemplos anteriormente citados. É onde o cinema e a arte se encontram de mãos dadas, discorrendo livre, sem interferências explícitas do estúdio. “Re-cycle” é sobre a perda e a mudança, sobre como podemos passar a vida real para o papel e lhe podemos dar um final feliz. “Re-cycle” é também a lembrança de tudo o que descartámos ou deixámos para trás: sonhos, pensamentos, desejos e acções, seguindo um caminho diferente na estrada sinuosa da vida. Mas toda esta reflexão é abandonada para dar lugar ao espectáculo visual.
Os temas são abordados superficialmente, por um ancião e uma pequenina que acabam por se tornar os guardiões de Ting-yi na dimensão. Mas parece não existir um esforço consciente para dar continuidade às temáticas. Nem Ting-yin está interessada em buscar um significado para a experiência simultaneamente fantástica e assombrosa que está a viver, nem retomadas as questões levantadas logo de início pelos novos personagens. Ting-yin sobressai como uma mulher vulnerável que só quer fugir do pesadelo onde se enfiou por desejo próprio. Explorar a sua própria psique e encontrar a resposta tão óbvia para a sua presença ali é a sua última preocupação. A recém-descoberta vulnerabilidade de Ting-yin contrasta com a personagem quase glacial a que fomos apresentados pelos Pang. Tivesse Sinjie Lee um pouco de argumento e seriamos brindados com uma representação digna do seu talento. Sinjie Lee é na verdade Angelica Lee actriz preferida dos Pang desde que contracenou em “The Eye” (2001) e comprova mais uma vez por que é a musa perfeita para as obras focadas no sobrenatural da dupla de realizadores. E o seu próximo esforço também está quase ai, “Sleepwalker” (2011), no qual é dirigida pelo marido, nada mais, nada menos, que Oxide Pang Chun. A ela junta-se também Lawrence Chow, outro habitué nos filmes dos cineastas. Um passeio no parque para os Pang. Estes irmãos não são consensuais e têm obras bastante questionáveis, mas depois de obras com a mestria de “Re-cycle” uma pessoa começa a questionar-se se os problemas de concretização estão no talento da realização ou nas pressões dos estúdios. Outro ponto controverso será a forte mensagem pró-vida do filme que certamente provocará uns risos nervosos nos defensores mais fervorosos do aborto. Visualmente perfeito e a gritar por uns óculos 3D, “Re-cycle” é uma película imperfeita que pede mais do que uma visualização até que o olhar humano consiga apurar todos os pormenores magníficos da obra desta dupla de Hong Kong. Três estrelas.

Realização: Oxide Pang Chun e Danny Pang
Argumento: Cub Chin, Sam Lung, Oxide Pang Chun, Danny Pang e Thomas Pang
Sinje Lee como Ting-yin
Ekin cheng como Jeong Man
Lawrence Chow como Manager de Ting-yin
Siu Ming-Lau como Velho
Yaqi Zheng como Ting-yu
Próximo Filme: "Ju-on: The Grudge" (Ju-on, 2003)

TCN Blog Awards: E os vencedores são...



O apresentador dirige-se, entre o dever e o embaraço, para o palco do Turim. Os nomeados estremecem nos lugares. A próxima categoria é… A nossa. Uma curta mas inspirada apresentação dos nomeados, umas piadolas e breves palavras de circunstância… O vencedor da nossa categoria não somos nós. Boa. Ganhou AQUELE. Sai um esgar de dessatisfação, um olhar rápido em volta para ver se ninguém notou e um sorriso amarelado, acentuado por palmas ruidosas. Estou tãaaaao feliz por ele, a sério – dizemos, enquanto guardamos de modo sub-reptício o discurso que tínhamos ensaiado durante três horas em frente ao espelho. Espero que o gajo se espalhe no famoso “degrau do Turim”.


Ou então não. Há a alternativa, pontuada pelo bom-senso e por não atribuir uma excessiva importância ao evento. Os TCN provaram ontem ser uma celebração da blogosfera cinéfila nacional. Houve de tudo, um duo dinâmico, bom humor, desportivismo, prémios e curtas-metragens. A dupla de apresentadores foi bem inspirada, com algumas piadas que se não caíram bem, meus senhores, um bocadinho de sentido de humor não faz mal a ninguém. E não, ninguém caiu, tropeçou ou mostrou a roupa interior ao deslocar-se ao palco. Por aqui houve uma vitória: conheci novos e promissores blogues com os quais o Not a Film Critic esteve nomeado e alguns dos meus heróis escrita nacional sobre cinema e televisão. Quanto a mim, se me deixarem e puder, para o ano lá estarei para apoiar o nosso vício cinéfilo. A todos os vencedores, os meus parabéns. Até 2012 ;)

Melhor iniciativa José e Pilar aos Óscares
Melhor revista de Cinema Empire
Melhor artigo "Mundo Mágico vs. Caixinha Mágica"
Melhor crítica "Game of Thrones S1E01
Melhor novo blog Blockbusters
Melhor blogger Pedro Andrade
Melhor blog individual Keyzer Soze's Place
Melhor blog colectivo TV Dependente

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

"The Shock Labyrinth 3D" (Senritsu meikyû 3D, 2009)

"The Shock Labyrinth 3D" é chocante por todos os motivos errados. A pior coisa que se pode dizer de um filme de terror é que não mete medo nenhum. A segunda pior é ter um realizador que criou um clássico que ajudou a definir o J-horror e que é o padrão para os que lhe seguiram, fracassar tão miseravelmente. A terceira é acrescentar-lhe o efeito 3D. Este filme foi o primeiro a ser realizado com o efeito das três dimensões no Japão, desde que a nova vaga de 3D atingiu o mundo do cinema. Podem culpar o James Cameron por isso. Tomados pela loucura do 3D em toda a sua extensão (cifrões), os estúdios têm lançado as obras mais ridículas, outras moderadamente boas mas sem necessidade deste efeito e só muito pontualmente algo de qualidade. Para uma estreia nipónica, os executivos deverão ter pensado em contratar um realizador aclamado, que os resultados seriam com certeza espectaculares. Numa coisa acertaram, o resultado é espectacularmente desastroso. "The Shock Labyrinth 3D" é baseado numa atracção do parque de diversões Fuji-Q Highland perto do Monte Fuji, que detém o título de maior casa assombrada do mundo (pelo menos é o que diz na wikipedia)! É lá que se desenrola 90% da película.
Cinco amigos decidem aventurar-se na casa do terror, desobedecendo aos adultos que os acompanham. Apenas quatro regressam. Dez anos volvidos, batem à porta da casa de Rin (Ai Maeda). É Yuki (Misako Renbutsu), a jovem que desapareceu na casa do terror. Em breve, o antigo grupo estará reunido e com o stress de ter retornado a casa, Yuki acaba por ter um acidente e é levada para o hospital. Lá, não encontram vivalma. Cedo começam a acontecer uma série de eventos estranhos que levam à separação do grupo e o obrigará a enfrentar os terríveis acontecimentos que conduziram ao desaparecimento de Yuki uma década antes. Se calhar estou a ser picuinhas mas se fosse eu teria algumas questões legítimas a que iria exigir uma resposta: A rapariga é mesmo a verdadeira Yuki? Como é que regressou? Onde é que esteve aquele tempo todo? Como sobreviveu durante todo esse período? Enfim, é um daqueles argumentos que tenho de incluir na categoria queijo suiço. Com tantos buracos, inúmeras falhas de lógica, zero desenvolvimento de personagens e diálogos sofríveis, é de admirar que o tenham aprovado. Talvez tenha sido a pressão para apresentar o primeiro filme em 3D? O marketing é uma gema preciosa: dizer que se "é o segundo filme em 3D" não soa tão bem...
Interpretados por actores que partilham títulos entre si como "Tokio Gore Police" (2008) e "Battle Royale 2" (2003), os personagens parecem recortados de cartão. Conseguem ser seres terrivelmente amorfos, ocos mesmo, o que é bastante mau sobretudo porque os actores criança com os mesmos papéis são superiores. Enquanto as crianças parecem imbuídas de um espirito de quem está numa casa assombrada, os actores mais velhos estão demasiado cientes do cenário. Mas mentalizem-se que o pior que verão está mesmo no trailer, entre manequins e um coelho voador. Sim, leram bem. Mais depressa a acção induz a bocejos do que a genuínos arrepios de medo. O argumento queda-se em questões mesquinhas como a inveja e os ciúmes, talvez numa tentativa de mascarar a ausência de história e de desenvolvimento emocional dos personagens. Quanto a questões técnicas também tenho as minhas dúvidas. Os flashbacks são imensos blocos de nevoeiro que mais do que criar a sensação de regressão, dificultam a visualização do filme. É cheesy e um truque barato. É como se tivessem para lá uma máquina de fazer fumo e estivessem a aproveitá-la em todas as cenas possíveis. Custa-me a compreender que Takashi Shimizu se tenha deixado arrastar para este projecto. É de um amadorismo grosseiro. Se não me acreditam, vão à página da IMDB, onde "The Shock Labyrinth 3D" está classificado com apenas quatro estrelas em dez! Embaraçoso. Uma estrela.
Realização: Takashi Shimizu
Argumento: Daisuke Hosaka
Yûya Yagira como Ken
Ai Maeda como Rin
Misako Renbutsu como Yuki
Erina Mizuno como Myiu
Ryo Katsuji como Motoko

Próximo Filme: "Re-cycle" (Gwai Wik, 2006)

domingo, 1 de janeiro de 2012

"13 Assassins" (Jûsan-nin no shikaku, 2010)

13 assassinos, um destino. Estamos nos anos 40 do século XIX, perto do final da era Tokugawa. Há muito que passou o auge do samurai. Desde o século XVII que não existe um verdadeiro motivo para lutar. Os samurais que persistem vão-se tornando cortesões, administradores, peças decorativas. O poder do bushidô (código de honra) desvanece-se. Mas ainda subsistem alguns homens que acreditam na luta por um ideal e buscam uma morte digna, no calor do combate. Possuidor de um sadismo sem limites, o Lord Naritsugu (Gorô Inagaki) mata e viola a seu belo prazer. Como filho do anterior Shogun e irmão do Shogun actual é intocável. E em breve ascenderá a um cargo de maior poder. Quando um samurai comete o seppuku (suicídio com a própria espada) em protesto contra as ofensas graves do Lord Naritsugu, um conselheiro governamental decide fazer o impensável e conspira para o mandar matar. O primeiro a ser recrutado é Shinzaemon Shimada (Kôji Yakusho), um samurai venerável e experiente, que protegido apenas pela promessa de silêncio começa a arrolar mais homens para executar a missão. É reunido um total de 13 homens, que incluem o próprio sobrinho de Shinzaemon, Shinroukuro (Takayuki Yamada) e o montanhês Koyata (Yûsuke Iseya) com a força de mil homens. O que se segue é uma batalha épica, na qual os números são claramente desequilibrados: 13 homens contra duas centenas de homens armados!
Diz que “13 Assassinos” é baseado num acontecimento verídico mas não encontrei provas que sustentem essa tese. Não que isso importe na verdade. “13 Assassinos” é uma obra conduzida pelo enfant terrible do cinema japonês, o mestre do choque que é Takashi Miike. Quem conhece a marca deste senhor irá encontrá-lo um pouco contido. O quê? Um banho de sangue, numa luta suicida de 13 contra 200 é estar a ser contido? Ah pois. Miike é demasiado cool, para fazer o que quer que seja que esperamos dele. Aliás, ele é tão cool que é capaz de lançar o filme da vida dele só para calar os críticos que o acusam de mais não fazer do que recorrer ao choque para cativar audiências. Embora, a espaços, Miike nos ofereça um docinho. Quando chegarem à cena da pobre camponesa perceberão a que me refiro… “13 Assassinos” é o remake de uma obra de 1963, “Jusan-nin no Shikaku”, de Eiichi Kudo que encontra raízes em “Seven Samurais” (1954) do grande Kurosawa. Vou aqui arriscar a minha carreira (cof cof) e afirmar que a nova versão é tão boa ou melhor que a original, por que a obra de Miike é assim tão boa. Se não, vejamos: o prólogo é o típico Miike a explorar o sadismo do sociopata Narigutsu. Somos guiados num tour pela psique perversa do senhor feudal que inclui morte, tortura e violação. Não é estabelecido que o Lord é mau, é estabelecido que ele é o ser mais horrível à face da terra e que nela alguma vez habitou. É de estranhar se a vida animal não mirrar à sua passagem, de tão pérfido que é. O mais assustador é que a personagem de Narigutsu pode encontrar eco em qualquer casa real europeia. A dada altura da história, vingou a teoria de que todos se deviam submeter ao poder de um e aos mais altos cargos ascendiam loucos com um poder louco, que provocavam destruição e morte sobre o próprio povo, ao sabor das suas vontades insanas. Esta filosofia aplicada séculos a fio teve consequências nefastas que ainda hoje permanecem. A morte de Narigutsu é mais do que um capricho. É um imperativo. Tem um significado mais vasto que se prende com o bem comum mesmo que este seja, por motivos enraizados na própria fundação da sociedade feudal, inferior ao desígnio do Shogun. O segundo acto é mais calmo, centrando-se no recrutamento dos assassinos e na preparação para o grande assalto à comitiva de Narigutsu. É-nos dado a conhecer o grupo de samurais e os principais personagens são convenientemente explorados: Shinzaemon, o homem que anseia por uma última missão que demonstre os valores de um verdadeiro samurai; Shinroukuro, o jovem sobrinho de Shimada que leva uma vida fútil e aguarda pela oportunidade de provar afinal o seu valor; o jovem samurai que segue cegamente o seu mestre para a batalha sem alguma vez ter derramado uma gota de sangue; o homem que reconhece as suas limitações na arte do combate mas está disposto a tudo para executar a nobre causa a que se propõem… Num filme sério, ainda existem momentos hilariantes para a audiência relaxar, sobretudo no papel de Koyata. Aproveitem, por que depois o ritmo é sempre a abrir. O destino deste personagem (spoiler!) pode confundir alguns dos espectadores que podem até sentir-se defraudados. Contudo, se explorarem a mitologia japonesa, conseguirão entender como os argumentistas deixaram implícita a hipótese de Koyata ser um espírito da montanha. It's a culture thing!
A narrativa é simples mas eficiente, enriquecida com o desenvolvimento dos personagens principais, depois enquadrada num cenário belíssimo, que nos transporta para uma outra era. Seguem-se 45 minutos de acção pura, uma das melhores batalhas ensaiadas em películas, sem efeitos especiais. E parecem 45 minutos, por que quando chegamos ao clímax compreendemos e de que maneira, o cansaço dos personagens. Não há facilitismos e o filme ganha grandemente com isso. É, sem sombra de dúvida, a direcção mais competente e relaxada de Miike. No final, fisicamente cansada, fiz as contas: vale a vida de 13 homens a vida de um só homem? Vale a vida de 200 homens, a vida de um só homem? Depois de tudo dito e feito, Narigutsu, ainda zomba da carcaça daqueles que mais ferozmente o protegeram. Restam dúvidas? Quatro estrelas.

Realização: Takashi Miike
Argumento: Kaneo Ikegami e Daisuke Tengan
Kôji Yakusho como Shinzaemon Shimada
Takayuki Yamada como Shinrouko
Yûsuke Iseya como Koyata
Gorô Inagaki como Lorde Naritsugu
Masashika Ichimura como Hanbei
Mikijiru Ira como Doi
Hiroki Matsukata como Kuranaga
Ikki Sawamura como Mitsuhashi
Arata Furuta como Sahara
Tsuyoshi Ihara como Hirayama
Masakata Kubota como Ogura
Sôsuke Takaoka como Hioke
Seiji Rokaku como Otake
Yûma Ishigaki como Higuchi
Koên Kondô como Horii

Próximo Filme: "The Shock Labyrinth 3D" (Senritsu meikyû 3D, 2009)