quinta-feira, 29 de novembro de 2012

“City Horror – Scream” (2002)


Não, o filme anteriormente anunciado (“The Good, The Bad, The Weird”) não se transformou por via mágica numa mini-série de terror. Existiram… Problemas técnicos e fiquemos por aí. Ei, ao menos é made in Coreia. Pronto, pronto, não há modo de mascarar o facto de “Scream”, um episódio feito para televisão ser infinitamente inferior ao western cómico de Jee-woon Kim. A isto, meus amigos, chama-se cativar os leitores para cá voltarem à procura desse filme, fiquem atentos!
“Scream” (nada a ver com o clássico do Wes Craven, atenção) é uma surpresa daquelas de “onde é que já vi isto antes?” mas, ao contrário. Então não é que “The Cut” (2007), do qual já tivemos oportunidade de abordar antes. É que, se fizeram as contas “Scream” tem menos 5 anos que a película feita para tela. Daí resulta que “The Cut” consegue ser menos original do que pensava e que é apenas uma versão polida do que pode ser um potencial episódio de culto. Mais, significa que, em 2002, com “Ju-on – The Grudge” a bombar e “Ringu” com capacidade para queimar os últimos cartuchos “Scream” e a descabelada de serviço ainda conseguiam fazer gelar espinhas.
Meia dúzia de estudantes de medicina é convocada a meio da noite para preparar os cadáveres para a próxima aula de anatomia. Vão dissecar corpos. O que é sempre interessante. Ou melhor, aquela altura em que depois de enterrar a cabeça nos livros e descobrir que têm crânio para decorar tudo e mais alguma coisa no corpo humano, não têm estômago. Fixe. Algures naquela interacção acordam algo que devia ter permanecido adormecido e um dos corpos retorna, (do mundo dos mortos, passe a redundância, sim), para acabar com os estudantes: um a um, como nos filmes. Uma das conclusões imediatas que posso retirar vendo uma “simples” série de televisão coreana é que eles não têm gente feia. Por outro lado, o conceito de estudantes lá é um bocado estranho. Grande parte dos actores não passa por ter idade para frequentar a faculdade de medicina. Por outro, para potenciais médicos ou investigadores na área da medicina, não são especialmente perceptivos ou inquisitivos. São meras criativas passivas. As mortes também não particularmente brilhantes. Ocorrem fora de cena. Ora, onde um bom realizador criaria suspense para que o que sucede fora do alcance do olhar esteja repleto de suspense, “Scream” é básico, morno, desinteressante. E na verdade, nem os nomes das personagens se sabe por altura dos créditos, tal foi a experiência. E os gritos?! Creio que para um episódio com o nome “Scream” das primeiras coisas que se fazem no casting é pôr os actores a gritar. Digamos que essa parte lhes deve ter passado ao lado.
Sabem aquelas noites frias em que só apetece ficar debaixo de um cobertor e consumir doses massivas de televisão? É isso e ser um fã do género terror pouco exigente. Serve e pouco mais. Duas estrelas.


Argumento: Gyun-huan Lee
Jae-huan Na, Ho-kyung Go, Chae-yeon Kim, Gee-hyun Kim, Hyun-gyun Lee, Tai-woong Lyu, Yong-woo Park, Soo-yung Song


Próximo Filme: “The Good, the Bad, The Weird” (Joheunnom nabbeunnom isanghannom, 2008) Será que é desta?

domingo, 25 de novembro de 2012

“Flashpoint” (Dou fo sin, 2007)



Diz que as coisas boas vêm aos pares. É mentira. Tudo é melhor em trios. Nunca foi tão evidente num filme. Um dos melhores trios do cinema de acção constituído por o realizador Wilson Yip, o argumentista Kam-yeun Szeto e o actor Donnie Yen, ainda que não no melhor registo daquilo que já demonstraram (“Kill Zone, 2005), conheceu o seu fim este ano com a morte precoce de Szeto vítima de cancro do pulmão. Morrer antes do 50, é um atentado contra a humanidade. Quantas mais estórias de acção não ficaram por escrever? “Flashpoint” é mais uma entrada na longa série de filmes baseados em Hong Kong, no perigo mundo das tríades e polícias infiltrados. “Infernal Affairs” (2002) vem rapidamente à mente e o seu remake “The Departed” (2006) também, mas a nova reencarnação não tenta sequer chegar aos calcanhares destas obras. É antes mais um motivo para ver Donnie Yen a arregaçar as mangas e espancar o mauzão mais mau de todos. E a malta aplaude por que enfim, apesar de o actor ter um sorriso pepsodent e um abdómen híper desenvolvido, falta-lhe a altura e outros encantos para ser considerado um sex symbol. Louis Koo está muito melhor entregue nesse papel. Não. O que a malta quer é ver Donnie Yen dar pancada, minutos ínfimos para deixar a assistência tão cansada como se ela própria tivesse acabado de completar uma aula de pump no ginásio. A dada altura ele até tira o casaco de cabedal, depois de uma longa sequência, para demonstrar que o vilão vai dar um pouco mais trabalho do que os outros estão a ver?
Donnie Yen é Jun Ma o típico polícia que não acata ordens de ninguém e cuja população terá sérias duvidas se o remédio não será pior que o mal. Por onde passa deixa um rasto de feridos. Brutalidade policial? Pfff, não o façam mas é perder tempo. O tempo que não está nas ruas é tempo para mais um criminoso cometer um crime (e ele não custar centenas se não, milhares, ao erário público). Louis Koo é Wilson, um polícia que já se cruzou antes com o caminho do crime e graças a esse passado, conseguiu tornar-se com sucesso no capanga de serviço de uma nova tríade de irmãos vietnamitas que querem entrar no “mercado”. Não que eles precisem de um capanga, talvez mais um condutor de serviço. Eles dominam Artes Marciais Mistas ou (MMA) e destroem todos os que se atrevem a cruzar-se no seu caminho. O chefe é Tony (Collin Chou) que decide entrar em guerra aberta com uma tríade local. Collin Chou é mais conhecido como o Seraph de “Matrix Reloaded” (2003) mas a carreira nunca deslocou a ocidente, onde também Donnie Yen pode relatar uma experiência similar. Está relegado para papéis que envolvem toda a sua destreza física no cinema de acção de Hong Kong, não que isso seja mau e segundos planos para os “Infernal Affairs” deste mundo. Repito, não é como isso também fosse mau. Tudo parece correr bem até que Tony, o irmão com maior número de neurónios, junta as peças e descobre o segredo de Wilson. Jun Ma terá de utilizar toda a sua destreza física, já que não é a carta mais inteligente do baralho para conseguir salvar Wilson de um final trágico.
Uma dos pormenores refrescantes que, de resto, já vimos antes é a irmandade policial. Normalmente há sempre um sargento maldisposto, uma outra dupla de detectives que tem animosidade para com os heróis, no caso estamos perante uma equipa unida, disposta a dobrar as regras para deixar o caminho livre para o senhor que resolve os problemas onde eles existirem, Jun Ma. São precisos pelo menos 50 minutos até que a acção a sério tenha lugar e quando vem é rápida e furiosa, empacotado em estilos combinados de artes marciais: kung fu, muay thai, jiu jitsu, boxe… É só pensar num estilo que provavelmente algum dos elementos dessa forma de luta terão sido inseridos. O que me leva à questão premente. A extraordinária exibição física demonstrada pelos actores/lutadores fazem de “Flashpoint” um bom filme? Não mas tem elementos bastante bons, desde a coreografia das sequência sde acção às perseguições de carros e o desempenho de Koo. Mas lá está, se vão ver um filme cujo trailer promete cenas fantásticas de luta, tudo o que disse antes são apenas balelas. Redunda nas vossas expectativas.  Duas estrelas e meia.
Realização: Wilson Yip
Argumento: Kam-yuen Szeto e Lik-kei Tang
Donnie Yen como Jun Ma
Louis Koo como Wilson
Collin Chou como Tony
Ray Lui como Archer
Fan Bingbing como Judy
Yu Xing como Tiger

Próximo Filme: “The Good, the Bad, The Weird” (Joheunnom nabbeunnom isanghannom, 2008)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

"Sleep Tight" (Mientras Duermes, 2011)


“Sleep Tight” é uma das boas razões pelas quais quase que, de cada vez que vejo um filme espanhol digo para mim própria que tenho de começar a ver mais filmes daquele país. Isso e chorar baba e ranho devido à minha imbecilidade (ninguém vê). A película é do Jaume Balagueró ou JB como carinhosamente lhe chamo. Para fãs de [REC], “Sleep Tight” é uma surpresa agradável. Agora aqueles que detestaram aquele filme de zombies, possessos ou lá o que é, têm aqui a oportunidade ideal de encontrar um motivo para seguir com atenção a carreira do JB. “Darkness” (2002) não deve constar do currículo do senhor. É o chamado erro de julgamento se bem que, entretanto, o senhor já encontrou o norte e as coordenadas trouxeram-no de volta ao bom caminho do suspense/terror. Mauzinho mesmo é o título (já lá vamos).
César (Luis Tosar) é o homem dos sete ofícios no prédio onde trabalha, em Barcelona. Também ninguém lhe presta grande atenção, a maioria dos inquilinos nem sequer se deve lembrar do seu nome. Se calhar deviam, visto que ele possui as chaves de todos quantos habitam naquele sítio. César é metido consigo próprio e, à primeira vista, digno de simpatia. Tem uma mãe doente e, a bem dizer, podia ser inofensivo. Podia. Pois que ele está obcecado com a inquilina Clara (Marta Etura), uma jovem atrevida sempre com um sorriso estampado no rosto. César começa por enviar-lhe cartas anónimas, depois passa às mensagens até que já tem os movimentos de entrada e saída de Clara bem estudados. Não chega. Ele quer um pouco mais de proximidade e usa das chaves tão importantes que lhe foram concedidas. Durante a noite, enquanto Clara dorme, César aguarda-a ali, bem perto de si… Debaixo da cama dela. No que é que ele está a pensar? Pode perder o emprego. Pode ser preso por perseguição. Os motivos dele nunca são suficientemente claros. Predador sexual?! Claro. Mas há algo mais que isso. Ele alterna entre o desejo de possessão de uma mulher que nunca olharia para ele num mundo normal e o ódio pela pêga que o cumprimenta com um sorriso insolente para no momento a seguir ir-se deitar com outro. Ele destila um ódio apenas visível quando começa a deixar pequenas “prendas” atrás de si, tornando a vida de Clara cada vez mais insuportável.
Como pano de fundo para uma psique distorcida está uma mãe envelhecida e inválida, condenada a ouvir os esquemas do filho. Querem decadência melhor do que a de assistir ao apodrecimento moral de um filho?
A surpresa maior de “Sleep Tight” é a actuação de Tosar. Mesmo durante os actos mais atrozes, o seu porteiro arrepiante nunca chega a ser totalmente detestável. Há qualquer coisa de charmoso neste César. Como não simpatizar com um homem tão infeliz que chega a atentar contra a sua própria vida? Como não detestar quem encontra uma réstia de esperança quando os outros estão tão ou mais infelizes que ele? É ou não é o monstro perfeito? Se até na hora de o julgar a audiência é assaltada por dúvidas. Será o ódio a emoção mais correcta? A acompanhar o desempenho poderoso de Tosar está uma maquilhagem que sucede em torná-lo feio, como a personalidade, lá está.
“Sleep Tight” é um registo muito mais subtil para Balagueró. A câmara frenética e o histerismo dos actores de [REC], contrastam com as sequências que tomam o seu tempo até existir um evento significativo e a ingenuidade, quase inocência dos personagens que rodeiam o porteiro do inferno, quanto às verdadeiras intenções de César. Existe uma vizinha, miúda de escola, certamente destinada a tornar-se rufia que vê mas não compreende o que ele faz. Azar o dela que utiliza deste conhecimento como um segredinho sujo que sabe que não devia ter, poder sobre a última pessoa de quem o devia ter retirado. O segredo de Balagueró está, sobretudo na utilização do espaço. Já em [REC], demonstrara uma sensibilidade extrema sobre o espaço da acção. Sempre dentro de um edifício, sempre sufocante. O titulo inglês da película é que não reflecte o verdadeiro sentimento da invasão da privacidade que Balagueró explora durante os 100 minutos de duração. Mais adequado seria “While you sleep”, ou “Enquanto Dormes”. Porque é aí, no conforto do lar, durante um sono reparador, descansado, sob os nossos cobertores, o nosso sítio mais seguro que César penetra sem pedir permissão. Três estrelas e meia.

Realização: Jaume Balaguero
Argumento: Alberto Marini
Luis Tosar como César
Clara como Marta Etura
Petra Martinez como Senhora Verónica


Próximo Filme: “Flashpoint” (Dou Fo Sin, 2007)

domingo, 18 de novembro de 2012

Red Eagle (2010)


Corria o ano de 1970 quando Mitr Chaibancha galã e estrela máxima do cinema tailandês se preparava para finalizar a película “Golden Eagle” (Insee Thong). A última cena envolvia Mitr saltar para a escada de um helicóptero que depois iria desaparecer poeticamente no horizonte… Mitr falhou o salto, agarrou o degrau o errado e o helicóptero, não se apercebendo do erro aumentou de altitude. A dada altura o actor perdeu as forças e caiu desamparado para a sua morte. A realidade chocou os fãs de ficção.
Red Eagle, traduzindo, Águia Vermelha (fãs do Benfica manifestam-se em 3, 2, 1), pode ser comparado aos heróis ocidentais como Batman. Também ele tem um animal como símbolo e tem sérios problemas do foro psiquiátrico. Esteve na guerra onde o seu esquadrão foi todo dizimado. De regresso à sociedade, onde não se consegue integrar por via do stress pós-traumático, Rom (Ananda Everingham), passa os dias entre a injecção de morfina para travar as dores que sente das sequelas de tantas e tantas lutas em que se envolvam, na tentativa de combater a injustiça. Rom é particularmente feroz na luta contra os políticos corruptos e não perdoa. Ao contrário de outros heróis que combatem os criminosos, sofrendo inúmeras mazelas e perdas em termos pessoais, para os entregar às autoridades, Rom não dá segundas oportunidades. Red Eagle apenas encarna a roupagem típica, ele não é comum. Os seus inimigos, inimigos do povo, têm um final rápido e nada fácil. Eles sofrem indignidades, pelas indignidades que cometeram em vida. Eles não têm direito a perdão. A corrupção está enraizada, é recorrente, é o primeiro recurso e o melhor modo de obter o que a ambição pessoal deseja alcançar, nem que seja tornar-se primeiro-ministro, ainda que custe relações e signifique abdicar dos princípios. Então, como não vêem os outros o que o Red Eagle vê? A corrupção é transversal, mas aos corruptos nada sucede. Logo, terá de existir um sistema concebido para os proteger. O que é que o Red Eagle pode fazer quanto a isso? Matá-los a todos? Ainda que Red Eagle livre o mundo de um monstro, muitos virão tomar-lhe o lugar. A mudança só virá quando os títulos de jornais tratarem uniformemente Red Eagle como o herói para um mundo melhor. Por que não há outra hipótese e a morte dos detractores é o único modo de incutir medo aos seus cúmplices e tornar a população mais desafiadora e inquisidora dos seus actos. Talvez o facto de usar uma máscara, o estilo brutal e o cartão-de-visita o tornem demasiado “herói de banda-desenhada” para ser verdade. É aí que entra Wassana (Yarinda Boonnak), é uma menina rica feita activista que tenta transmitir a mensagem de que populações estão a ser alvo de repressão para a construção de uma central nuclear. Mais, o Governo também se lançou numa campanha de contra-informação e repressão física, fazendo os activistas passar por vilões, uma cambada de vândalos sem causa que o que pretende é desestabilizar o Estado e privar o povo tailandês de energia essencial. Wassana é a ex-noiva desencantada do 1º ministro Direk (Pornwut Sarasin), que foi eleito graças à luta anti-nuclar para logo se retratar assim que chegou ao tão desejado cargo. É tão fácil encontrar paralelos noutros países que é vergonhoso. Cedo, Rom se embrenha nesta luta, muito por culpa da bela Wassana com quem tem um passado e é apenas uma questão de tempo até que entre em rota de colisão com o líder político. Entretanto e à melhor maneira dos comics, surge uma associação criminosa denominada Matulee determinada a eliminá-lo.
Em termos de narrativa, afirmar que a estória de “Red Eagle” se baseia na conjuntura política e em conflitos reais é constatar o óbvio. Infelizmente, a mensagem perde-se na tentativa de tornar “Red Eagle” apelativo a gregos e troianos (estive tentada a dizer israelitas e palestinianos mas por estas alturas achei por bem ficar-me pelo politicamente correcto), perdendo a identidade tailandesa pelo meio. O filme é caótico em termos imagéticos. Entre a utilização excessiva do ecrã verde e product placement é impossível considerar seriamente “Red Eagle”. Outro dos problemas do filme é a edição. Temos 130 minutos de filme mas precisávamos assim tanto deles? Não é uma questão de duração mas de edição. Há bastantes cenas dispensáveis e na transição entre estas há uma variação de qualidade. Diria mesmo que há uma desconexão entre o set de filmagens e a sala de edição. A simplicidade inerente à estética do cinema tailandês choca com o ruído das tonalidades hollywoodescas. “Red Eagle” contém inserção de publicidade descarada, desde cigarros a bebidas energéticas. Mas é nos momentos em que parece que o realizador manteve o controlo da obra nas suas mãos que resultam os momentos mais insólitos como uma luta entre o herói e um assassino enviado para o matar sobre um outdoor de uma companhia de seguros de vida ou quando um gangster prestes a assassinar um polícia tropeça e dá um trambolhão! O filme sofre com este conflito interno. O argumento não sabe para onde quer ir e, em termos de imagem a ideia que fica gravada na mente é exactamente essa, da falta de direcção. Esta questão é ainda mais evidente nos actores, mas sobretudo em Ananda Everingham, um bom actor que não tem oportunidade de demonstrar as suas qualidades, num papel muito pouco esmiuçado. No final, um toque comovente, a merecida homenagem a Mitr Chaibancha, mesmo que o filme não o mereça. Duas estrelas.

Realização: Wisit Sasanatieng
Argumento: Kongkiat Khomsiri e Yosapong Polsap
Ananda Everingham como Rom / Red Eagle
Yarinda Boonnak  como Wassana
Pornwut Sarasin como Direk
Wannasingh Prasertkul como Chart

Próximo Filme: A designar

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Roman Polanski: A Film Memoir (2011), Um percurso comentado

Poucas pessoas tiveram uma vida tão fascinante como Roman Polanski. Também poucas podem dizer que atravessaram e sobreviveram a uma Guerra Mundial. E ainda menos podem afirmar que sofreram na pele o efeito das LSD e do fanatismo em torno de Charles Manson por altura do início do fim dos libertinos anos 60.
Roman Polanski no set com Emmanuelle Seigner e Harrison Ford
“A Film Memoir” é um percurso comentado pelo próprio durante o período de clausura imposto pelas autoridades suíças, quando o passado regressa para o atormentar: o caso de abuso sexual que nunca mais morre. Foi pois em prisão domiciliária com uma vida, imaginamos, muito mais aborrecida e o velho amigo Andrew Bransberg como interlocutor, que Polanski se lançou numa longa reflexão sobre a sua ainda mais longa vida. A conversa de amigos ou viagem ego-maníaca se preferirem, na qual até existem palmadinhas nas costas e elogios mútuos como “nós trabalhámos juntos naquele filme que teve tanto sucesso” ou “tenho a honra de te chamar amigo há muitos anos”, não é um reinventar da roda. É mais uma viagem nostálgica povoada por momentos mais ou menos conhecidos. Na verdade, se quiséssemos partir a vida de Polanski em pedaços, três destacavam-se facilmente: o crescimento no gueto de Varsósia, o casamento de conto-de-fadas com o final trágico correspondente e a acusação de abuso sexual. Estes momentos foram alternando entre a semi-obscuridade e uma carreira de realizador menos polémica que as suas escapadas sexuais. Não fossem estes eventos e Polanski seria tão aborrecido como qualquer outra pessoa. Ele é apenas um indivíduo com uma vida extraordinária que por acaso, é um realizador ultra-galardoado. 
Sharon Tate
Por isso é no mínimo curioso que a paixão de Polanski pelo cinema tenha nascido com a propaganda nazi. Desfiles de homens e mulheres fardados, de tanques e canhões, sob a égide de um símbolo que para sempre se associará ao fim das coisas vivas. Filmes dos que um dia juraram obliterá-lo, a ele e a todos os da sua raça, mesmo que estes não encontrassem a culpabilidade, o acto vil aleatório de que eram acusados. Pessoas como a mãe de Roman. De cabelo negro, nariz pontiagudo e formas redondas, confortáveis. A perda da mãe numa idade tão precoce deixa-o embargado. Mas ainda mais o pai. O querido pai que viveu e sobreviveu para retornar um homem diferente. O pai que ele reconhecia em cada estranho à distância, para logo perceber que era apenas mais um desconhecido. E depois ele regressa e não já não há final feliz. O homem que mais queria regressar vivo à Polónia para recuperar o filho, arranja uma nova mulher e, de súbito, Roman deixa de pertencer ao retrato familiar tão ferozmente idealizado pelos dois. Ou assim que cremos, já que apenas nos podemos guiar pelas palavras do realizador. Palavras que rapidamente afastam a crise da separação como se nada fosse, para se aproximar de Paris e de uma irmã mais velha que até ali pouco interessara ao enredo. Teria sido mais difícil mas mais sincero ouvir de Roman as palavras que lhe adivinhamos facilmente: o rancor por o pai ter ultrapassado tão depressa a morte da mãe, o ódio pela usurpadora… Uma mão cheia de nada. Duas ou três declarações que demonstram que pouco foi resolvido na mente do rapazinho e a negação. Há quem lhe chame limitações de tempo, constrangimentos de edição, para a película não se estender infindavelmente. Eu chamo-lhe respeito e ainda temor pelo velho pai. A segunda fase surge rápida e furiosa: o trabalho na sétima arte, as amizades, os primeiros sucessos, um casamento, o divórcio e o início do conto-de-fadas. De todas as mulheres de Polanski, de resto, sobejamente mediatizadas, é Barbara Lass a menos conhecida. Nem os comos nem os porquês da estória de amor. Como se de um capítulo menos importante se tratasse. Mau Roman. Não sabes que há pouco que não seja do domínio público? Por que guardas estes pequenos tesouros para ti?
Aliás, de olharmos com atenção para as mulheres da vida romântica de Roman (as importantes pelo menos), todas elas são altas, louras, deusas. O ideal de mulher ariano. Perdoai a referência ofensiva mas Polanski afasta-se do modelo feminino judeu, como se alguma da propaganda tivesse aberto uma fenda no crânio genial. Depois? Tudo o que já sabemos. Extensa literatura, documentários, arte… O casamento com Sharon Tate, a mulher que permanecerá perfeita para todo o sempre no imaginário das massas, que culminou com a morte horrenda às mãos da seita da Charles Manson. Polanski teria tudo para ser feliz: a mulher, o filho, a carreira. Num instante tudo se foi. Até a carreira, por esta altura no mais alto patamar, se esvai pelo momento insano de abuso de uma jovem de 13 anos de idade. A merecida simpatia do público pelo infeliz viúvo transforma-se em repúdio fácil. E, em tudo isto, o que é que o Polanski do séc. XXI tem para nos dizer? Que lamenta. Que foi um erro. E é tudo.
O escândalo
Não é confrontado. Questionado sequer. Andrew é o ombro amigo. Alguém com quem pode contar para continuar a entoar a canção de uma vida, sem desconforto ou provocação. O comentário mais interessante que ouvi sobre esta aventura biográfica foi que podia ter sido exibida no canal História. Pois que se me parece obra digna de um canal tão respeitável, também me parece que provavelmente passaria despercebida de todos. Nem como prova documental de cinema é o expoente máximo. As imagens dos filmes do Polanski são projectadas de modo célere e, a tempos, aleatório. Apenas é dada maior atenção a um dos seus últimos grandes esforços e também mais galardoados, “O Pianista”. Como se o mérito como realizador e a piedade que advém do filme descrever a sua infância durante a IIª Guerra Mundial, o absolvesse de todos os erros cometidos. Não, o momento é de um regozijo contido, num chalé suíço. E de fé no futuro. Pelas suas próprias palavras, Polanski não terá de que sentir temor pois que não lhe é pedido mais do que a sua versão, verdadeira ou ficção. E isso não é justo, pois não? Polanski. O adorado. O infame.


Próximo Filme: "Red Eagle", 2010 

domingo, 11 de novembro de 2012

"Art of the Devil 3" (Long Khong 2, 2008)



Antes dos filmes “Saw” (2004), se tornarem uma instituição e os filmes de tortura, chamem-lhe torture porn se quiserem, a ver se me importo, já a Tailândia fazia as delícias do mercado interno de terror. É apenas natural que, uns meses após a estreia de “Saw”, o país lançasse “Art of the Devil” que se resume a uma sucessão de cenas de tortura e que catapultou a jovem e bela actriz principal para o estrelato. Mais dois filmes se seguiriam e é o terceiro de que hoje se fala. Não existe a problemática da continuidade pois o primeiro filme é independente dos que o seguiram e o filme de 2008 é a prequela de “Art of the Devil 2”. Curiosamente o terceiro filme foi intitulado Long Khong 2. Confusos? Mas a questão da continuidade nunca seria problemática, uma vez que o foco do filme é a tortura e o que interessa é ter carne viva disponível para o efeito. Quem, pouco importa vai tudo a eito.
Panor (Nakpakpapha Nakprasitte) é a professora sexy que desde que chegou à terreola deixou todos em polvorosa, incluindo um homem que para se casar com ela, chega a envenenar a própria esposa Daun (Paweena Chariffsakul). A morte da mãe e o rápido casamento do chefe de família com a intrusa provoca a desconfiança de todos. Cedo, desenham um plano para ressuscitar Daun e fazer desaparecer Panor, que inclui religião, magia negra e bastante tortura. Está-se bem de ver onde isso vai dar, cenas bastante explícitas de sevícias cruéis. Ok, não são tão dolorosas como, digamos, um vídeo do David Guetta com a Rihanna como guest star mas ainda assim bastante más. E caracterização deixa muito a desejar. "Ora deixa-me cá cortar-te a língua que é um óbvio pedaço de plasticina"... Sem pretender desvendar demasiado, deixem-me só deixar bem claro que “Art of the Devil 3” não é de todo aconselhado a mulheres grávidas ou com enorme sensibilidade no que toca ao seu útero. Mais, há uma cena em particular em que (e eu considero-me já bastante dessensibilizada no que a cenas impressionantes diz respeito), me senti fisicamente doente. Não se metam com o útero de uma mulher. Tipo, essa cena é doentia. No que é que estavam a pensar? 
Bem, cumprem o objectivo de provocar o temor nos espectadores, ainda que por alusão a uma qualquer atrocidade cometida contra a nossa pessoa e não propriamente pelo suspense ou poder da sugestão. A saga “Art of the Devil” concretiza um dos maiores problemas dos filmes de terror do novo milénio. Nada é deixado para a imaginação. O triunfo de inúmeros filmes de terror deve-se à sugestão e não ao que de facto mostraram no ecrã. Mais do que devido à mestria da equipa técnica, o ónus é colocado na curiosidade mórbida do espectador. É ele que se questiona sobre o que se passará fora do alcance da lente. Posto isto, de notar que a bruxaria, se não é algo recorrente para aqueles lados, pelo menos parece que em toda a saga, descobrir um bruxo é tão fácil como ligar ao canalizador. E nem um é vigarista. Todos sabem o que fazer no caminho das artes mágicas negras e todos atingem com sucesso as metas que os clientes lhes pedem. E o melhor de tudo é que enquanto praticam actos perfeitamente questionáveis, vão avisando que lidar com a magia negra traz consequências devastadoras para quem invocou tais males. Não me digam? O que mais me surpreende nem é a facilidade com que se contratam bruxos mas o facto de haver tanta maldade no coração que se recorre por motivo nenhum a medidas tão extremas quanto essas. Processar não? Pintar as paredes do malfeitor com graffiti? No máximo, uma bofetada ou uma ameaça de morte? Não? Eles lá sabem. E depois, existindo ofensas tão graves contra a família é assustador que as pessoas não se importem de colocar os seus entes queridos em risco por algo que foi feito contra apenas um indivíduo. Um bocadinho egoístas ou retardados não? O que me leva à questão seguinte: não existe um único personagem digno de piedade! Todos são malvados. Todos merecem um mau fim e não é como se alguém se importasse. Se o objectivo é repugnar-nos, "Art of the Devil 3" sucede em todas as frentes: ele há sangue, vermes, agulhas enfiadas em sítios pouco naturais, orifícios penetrados e castigados de modo extremamente doloroso… Só não há argumento. Mas não é como se alguém fosse procurar as artes do demónio por causa da estória não é? Uma estrela e meia. 


Realização: Equipa Ronin (Pasith Buranajan, Kongkiat Khomsiri, Isara Nadee, Seree Phongnithi, Yosapong Polsap, Putipong Saisikaew e Art Thamthrakul)
Argumento: Kongkiat Khomsiri e Yosapong Polsap
Nakpakpapha Nakprasitte  como Panor
Sukaporn Kitsuwon como Dis
Paweena Chariffsakul como Daun
Kalorin Supaluck Neemayothin como Pan
Sammart Praihirun como Pravet

Próximo Filme: Roman Polanski: A Film Memoir, 2012

domingo, 4 de novembro de 2012

"The Red Shoes" (Bunhongsin, 2005)



Do conto-de-fadas moderno fazem parte itens como a casa grande, as aulas de ballet e um roupeiro cheio de sapatos. De preferência um armário só para sapatos, onde estes possam ser ostentados e adorados, além de calçados. Ao melhor preço que o gosto pode alcançar. Acima de tudo bens, visíveis e passíveis de apreciados e invejados pelos outros. O prazer de saber que os outros anseiam pelas nossas possessões é pouco superior ao de nos sabermos donos e senhores daquilo que detemos. Do sonho apenas se excluem maridos infiéis, filhas desobedientes e a sensação de que somos apenas um bocado de carne andante, que apenas serve para cumprir um desígnio superior… de outra pessoa.
Sun-Jae (Hye Soo Kim), tem um brutal acordar para a realidade quando encontra o marido com outra mulher e, ofensa maior, que calça os seus belos saltos altos durante o acto sexual. Sun-Jae abdica do sonho que era na verdade um pesadelo mas, só ela não o queria ver e foi a última a compreendê-lo com toda a dor que isso implica. Ela muda-se com Tae-su (Yeon-ah Park), a filha menor, para um apartamento decrépito. Lá, tenta manter pequenas lembranças da vida de luxo anterior, como o expositor dos seus belos sapatos, ao mesmo tempo que recupera forças para iniciar um negócio por conta própria. A filha, essa, rebela-se. O pai que era incapaz de lhe dizer a palavra “não” e gostava de a ver dançar era muito melhor.
Por entre a recém-descoberta vida de mãe solteira e o interesse súbito de In-cheol (Seong-su Kim), o designer de interiores que escolheu para decorar o escritório, Sun-Jae encontra um par de sapatos cor-de-rosa intenso. E estão ali, no meio de uma carruagem do metro, abandonados. Como é possível? Ela arrisca. Assentam na perfeição. Como se tivessem desenhados para os seus pés. E finos, requintados. Logo ela, que nunca admitiria ter encontrado os sapatos. Ela é o tipo de mulher a quem se oferecem sapatos. Caros. Sun-jae sente-se desde logo assombrada e encantada. Pois que eles têm memória e, rapidamente, Sun-jae alterna os momentos de realidade com a ficção do novo par de sapatos que encontrou. Mas os saltos de princesa cor-de-rosa também encantam a outrem. Os seus sapatos atraem o olhar lascivo dos homens e a inveja das mulheres e, não tarda, também a morte.
“The Red Shoes” baseia-se no conto de Hans Christian Andersen “Os sapatinhos vermelhos”, no qual, o sueco relata a estória da queda de uma menina pobre que se deslumbrou e descurou os seus deveres por causa de um par de sapatos vermelhos recém-adquiridos. Perante a sua crescente vaidade e desleixo pelos outros, os sapatos foram amaldiçoados e ela condenada a dançar para todo o sempre até que, cheia de dores implorou a um carrasco que lhe amputasse os pés. Ela viveu o remanescente dos seus dias aleijada mas feliz com a nova descoberta de piedade e amor pelo próprio. Quanto a mim esta é uma moral um bocado psicopata, não que a minha opinião venha ao caso, embora, tal conto mais depressa inspire o temor nos jovens do que os incite a uma reflexão sobre os efeitos do seu comportamento sobre os outros. Ainda que narrativa da película seja uma adaptação tão livre do conto que poucos a associem a Anderson, a fotografia é excepcional e evoca o conto de fadas. Valha-nos a imagem, bela e assombrosa, como as estórias de Anderson. Bela e arrepiante, nomeadamente nos momentos em que o sangue corrompe superfícies alvas e limpas, trazendo poluição ao perfeito mundo minimalista que poucos segundos antes ali tivera lugar. Estas cenas são tão mais evidenciadas pela ausência de figurantes. Todos os espaços públicos estão desertos. Apenas quando a personagem principal está em cena, o mundo parece um pouco mais povoado mas mesmo assim são poucas as ocasiões para tal. Sun-jae vive numa bolha com a filha. Quando corpos estranhos se tentam introduzir nela acabam por sofrer as consequências fatais. Mas até no número de mortes “The Red Shoes” é minimalista. Curiosamente é a narrativa que se encontra pejada de ideias, demasiadas, cuja existência, perante um desenlace tão óbvio, é muito duvidosa. Optaram por esta opção ao invés de se manterem na linha minimalista que antes tinha sido demonstrada. Face a opções tão idiotas só posso concluir com o velho princípio KISS - Keep It Simple Stupid! Duas estrelas e meia.


Realização: Young-gyun Kim
Argumento: Young-gyun Kim, Sang-ryeol Man e Hans Christian Andersen (conto)
Hye-soo Kim como Sun-jae
Seong-su Kim como In-cheol
Yeon-ah Park como Tae-su

Próximo Filme: "Art of the Devil 3" (Long khong 2, 2008)