domingo, 8 de junho de 2014

"Hara-Kiri: Death of a Samurai" (Ichimei, 2011)


A afirmação de que os remakes são desnecessários é quase consensual. Qualquer pessoa com um pouco de senso-comum e, nem sequer me estou a referir a cinéfilos poderá concordar que se um filme é bom, não será indispensável refazê-lo. Mais, se a experiência prévia já não funcionou bem, para quê mexer numa fórmula que há partida já carrega o fardo do fracasso? De vez em quando sucede um pequeno milagre e a nova reincarnação resulta. A maioria das vezes, é apenas um filme terrível e até um insulto ao sentimento nostálgico da audiência. Porque é que alguém achou que refazer o clássico “The Thing” (1982) do John Carpenter é algo que me ultrapassa. Note-se que não mencionei a qualidade do remake de 2011. Também não sou ingénua a ponto de pensar que a onda de remakes se deve a algo mais que a procura desenfreada por cifrões. Quem parece passar incólume a toda esta polémica é Takashi Miike, um dos grandes realizadores japoneses que em 2010 descobriu a paixão pelo que é velho e apostou de uma assentada em apresentar a sua versão dos acontecimentos no próximo do genial “13 Assassins” (2010), a que se seguiu este “Hara Kiri: Death of a Samurai”. Onde a primeira experiência resultou altamente cansativa, ou não fossem as sequências pós-contextualização da narrativa, rápidas e furiosas, a segunda revela-se um affair bem mais calmo e contemplativo. Desengane-se quem espera os habituais laivos de loucura de Miike em “Hara Kiri”. É que a despeito do potencial da estória para o realizador-argumentista libertar os seus demónios é uma das interpretações mais subtis da sua obra.

Hanshiro Tsugumo (Ebizo Ichikawa) é um ronin (samurai sem senhor) que solicita uma audiência com o senhor de uma casa senhorial para efetuar o hara kiri (suícidio ritual). Uma forma habitual, na altura de “forçar” o anfitrião a conceder algum tipo de donativo para o pobre ex-samurai sobreviver. Com o fim da era samurai muitos tiveram dificuldade em adaptar-se aos novos tempos. Enquanto uns se converteram em artesões, agricultores, comerciantes, homens de Estado, outros, que conheciam no código samurai a sua forma de viver e o seu modo de experienciar o mundo viraram subitamente mendigos que nada mais sabiam fazer. Com vergonha da queda de estatuto e sem modo de garantir a subsistência da família, muitos cometeram suicídio. Outros encontraram na piedade dos outros um modo de ir sobrevivendo. Tsugumo seria apenas um de muitos casos desesperados, mas cedo os homens da casa entendem que as suas intenções não são aquilo que parece. A estória é entrecortada por analepses, do ponto de vista de Tsugumo e dos seus anfitriões que demonstram memórias de uma vida mais feliz por um lado e uma existência miserável, por outra. Enquanto Tsugumo apresenta uma agenda negra, mas ainda assim, com pinceladas felizes que parecem, nos momentos negros em que surgem no ecrã patéticas, os homens, liderados por Kageyu (Koji Yakusho) estão mais apostados em assustá-lo com a estória verídica e terrível de Motome (Eita Nagayama) que ali morreu, antes dele.

A narrativa é de uma morbidez típica de Miike pois é trabalhada de modo que pouco é deixado à imaginação: o sangue, a agressão, cadáveres, a miséria humana são comuns no seu corpo de trabalho. E ainda assim, este é Miike no seu mais contido e subtil. Onde filmes anteriores podiam impressionar pelo modo explícito como apresentar certas temáticas e acções dos personagens na tela, em “Hara Kiri: Death of a Samurai” a audiência é vencida pelo insistir nos pontos de pressão da família e dinheiro (tão penosos para o ser humano comum), conjugados com o brutal tempo de duração. Quando pensamos que a miséria não pode ser maior, eis que surge nova afronta. Adivinhando facilmente o desfecho não podia ser de outra forma e, ao mesmo tempo, não podíamos deixar de o temer. Perto de brilhante. Três estrelas e meia.
O melhor:
- Elenco brilhante mas um destaque particular para o actor de palco Ebizo Ichikawa
- Aspectos técnicos

O Pior:
- 3D?!
- Rítmo.
- Podiam cortar à vontade 30 minutos de miséria.

Realização: Takashi Miike
Argumento: Kikumi Yamagishi e Yasuhiko Takiguchi (livro)
Ebizo Ichikawa XI como Hanshiro Tsugumo
Eita Nagayama como Motome Chijiiwa
Hikari Mitsushima como Miho
Koji Yakusho como Kageyu Saito
Naoto Takenaka como Tajiri
Munetaka Aoki como Hikokuro Omodaka
Hirofumi Arai como Hayatonosho Matsuzaki
Kazuki Namioka como Kawabe Umanosuke
Yoshihisa Amano como Sasaki
Takehiro Hira como Naotaka Ii Kamon-no-kami
Takashi Sasano como Sosuke
Nakamura Baijaku II como Jinnai Chijiiwa

Próximo Filme: Pee Mak Phrakanong, 2013

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