quinta-feira, 24 de novembro de 2016

"Tickled" (2016)



David Farrier é um jornalista neozelandês daqueles que se vê à distância que nasceram para o ofício. Ele apresenta-se como um jornalista de sucesso, perspicaz e com uma sede de conhecer e de saber. Quanto mais bizarro melhor que ele adora desafios. Um dia, cruza-se com um vídeo insólito que retrata um suposto “Campeonato de Endurance de Cócegas”. Nele, jovens de aspecto másculo encontram-se deitados e amarrados a uma cama e são sujeitos a uma sessão de tortura, perdão, cócegas por outros jovens de físico igualmente atlético. Intrigado pelo seu conteúdo divertido Farrier contacta a empresa que o produziu. De uma interpelação inofensiva surge uma resposta rápida e agressiva. A empresa faz saber a Farrier que ele não é o tipo de pessoa com que a empresa se quer associar e que ele é homossexual… algo aparentemente muito ofensivo para uma empresa que faz vídeos com um conteúdo homoerótico?! “Alguém que me explique que eu não percebo”, ou assim ficou Farrier, cujas sirenes de curiosidade mórbida jornalística se acenderam dentro da sua cabeça de tal forma ruidosas que se tornou imperativo compreender o que encontrava por trás de reacção tão extemporânea. O que se segue é um dos momentos mais surreais em forma de documentário de 2016, à medida que uma manifestação de curiosidade natural se transforma uma investigação jornalística real, que vai ultrapassando e demolindo rótulos.
 “Tickled” está menos para a forma que para o conteúdo. A bem dizer, há um pequeno conjunto de cenas inseridas na pós-produção que demonstram uma verdadeira reflexão crítica sobre o conteúdo, como um momento da vida animal, em que um predador desfere o ataque de vitória contra a sua presa indefesa. Esta cena que poderá parecer no imediato uma inserção aleatória mas é tudo menos fortuita. Reflecte de modo simples e eficaz aquilo de que “Tickled” aborda. O interminável mundo da internet tem tanto de admirável como de perverso e facilmente se pode cair no lado errado da rede. Onde “Catfish” explorava as máscaras que se usam nas redes sociais, onde qualquer um pode interpretar uma personagem qualquer e dela fazer uso para manipular as emoções amorosas de outrem, “Tickled” esconde um outro tipo de corrupção.  Aquela em que o dinheiro, uma boa educação e uma ausência de consequências duras sob a protecção do manto dos perfis online, permitem que se tire partido de terceiros, enxovalhá-los e perpetuar mentiras numa internet onde os mitos viram verdade à velocidade de um clique e nada, mas mesmo nada é esquecido. Farrier é um dos raros ratos de laboratório que se recusa em conjunto com o produtor Dylan Reeve a deixar-se vergar por ataques pessoais e ameaças legais constantes para expôr factos muito mais assustadores que um mero fetiche. Este documentário que se inicia como uma comédia light, transita para a comédia negra com a leveza de uma pena e conclui como uma das experiências mais aterrorizadoras em documentário do ano, talvez porque assente na realidade. Aquando do término do visionamento de “Tickled” o “Campeonato de Endurance de Cócegas” vai constituir um pensamento distante. Por oposição, vai perdurar uma sensação de desconforto porque mesmo quando as respostas são encontradas e colocadas a descoberto, o facto é que os danos provocados são já grandes demais para remediar e a internet é demasiado vasta para nos garantir que não estão a suceder situações de injustiça similares neste preciso momento…



Realização: David Farrier e Dylan Reeve

NOTA: Texto publicado originalmente aqui.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Colaborações #7


A melhor coisa, (vide quase inactividade deste blogue), nos últimos tempos foi dar o mote de abertura para o fantástico ciclo "Fantasmas do antigo Japão", na Janela Encantada, sobre alguns dos essenciais da época dourada do cinema japonês, nomeadamente nos anos 50 e 60. E o melhor de tudo? Estes continuam, não só a manter-se magicamente actuais como assombrosos. Podem aprender alguma coisa. Eu sei que aprendi.


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