quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Better Watch Out, 2016


ALERTA SPOILER: Assistir por conta e risco!

É Natal. Os subúrbios estão decorados com renas, elfos e néons, enquanto se aguarda a chegada do Pai Natal. A paisagem está enfeitada de neve e o ar ecoa canções corais de Natal e do Grande Bing Crosby. Na televisão, com a pontualidade de um relógio, passam os filmes de todas as épocas natalícias anteriores e que ninguém consegue enjoar.


Ashley (Olivia DeJonge) está presa à promessa de tomar conta de Luke (Levi Miller) o filho de doze anos do simpático casal Lerner, uma Virginia Madsen e um Patrick Warburton, nuns papéis secundaríssimos. Ela está quase a partir para a universidade e dão-lhe jeito uns trocos para a nova fase de vida, mesmo que tenha de sacrificar o descanso na época de Natal. Luke tem uma pequena paixonite pela sua babysitter e conta com o apoio de Garrett (Ed Oxenbould) para conquistar Ashley antes de esta partir. Para ela, é apenas mais uma noite de babysitting… Isto é, até se aperceberem que alguém com intenções malévolas está a tentar introduzir-se dentro de casa. Segue-se uma luta contra um inimigo ao início invisível, numa casa da qual não conseguem escapar.
Esta comédia negra revisita grandes clássicos do cinema natalício como “Home Alone” (1990) – este até é mencionado por um dos actores –, não vá alguém não compreender a referência e, acreditem que AQUELA cena não deixará ninguém indiferente, e cruza-o com o tom a tempos perturbador de um “Gremlins” e de um certo outro filme protagonizado por Macauley Culkin que na altura chocou as audiências. Chris Peckover aproveitou ainda a química da dupla de actores DeJonge e Oxenbould que interpretou dois irmãos no também interessante “The Visit” (2015) de um Shyamalan que estava ainda a recuperar a boa forma antes de se sair com o espantoso “Split” (2016).
Numa época em que os cineastas procuram cada vez mais subverter os géneros e conferir originalidade às narrativas, “Better Watch Out” resulta num home invasion atípico. A dada altura os eventos dão uma viragem de 180 graus e o que até ali era uma comédia com toques negros que espicaçavam os limites para a gargalhada, um “espera aí, mas isto tem piada ou já é apenas cruel?”, transita para momentos perturbadores que o enquadram sem sombra de dúvida no género de terror. A mudança foi tão radical que senti o ambiente da sala ficar gélido. Onde antes existiam palmas ou risos nervosos podiam-se ouvir grilos. Para tal, muito contribuiu a interpretação de Levi Miller, com um desempenho natural e by the numbers no primeiro terço de filme, após o que evoluiu para uma capacidade além do que seria de esperar de um jovem daquela idade e com uma carreira ainda relativamente curta, muito bem apoiado por DeJonge e Oxenbould. Seria talvez mais fácil de assistir se os personagens não fossem menores ou se fossem detestáveis mas nem Peckover nem o argumentista Zack Kahn acreditaram que essa fosse a melhor opção e “Better Watch Out” apenas ganha com isso. A película também nunca degenera para a violência gráfica ou gratuita, a que se deve porventura o constrangimento de orçamento, mas o crescendo de tensão e o poder da sugestão fazem um papel mais do que competente a substituir actos de agressão gráficos.
“Better Watch Out” é um dos filmes mais ingratos sobre os quais escrever pois é uma daquelas obras em que queremos gritar aos quatros ventos que vale mesmo a pena assistir sem ceder à tentação de divulgar os detalhes que o tornam tão surpreendente e especial em simultâneo. A minha sugestão? É melhor assistir a “Better Watch Out” com um espírito aberto e, preferencialmente, sem ter visto qualquer trailer. Três estrelas e meia.



Realização: Chris Peckover
Argumento: Zack Kahn e Chris Peckover
Olivia DeJonge como Ashley
Levi Miller como Luke
Ed Oxenbould como Garrett
Aleks Mikic como Ricky
Dacre Montgomery como Jeremy
Patrick Warburton como Robert Lerner

NOTA: Texto publicado originalmente aqui.

domingo, 12 de novembro de 2017

"Deep Trap" (Ham-jeong, 2015)


So-yeon (Kim Min-Kyung) e Joon-sik (Jo Han-seon) são um casal que sofre ainda bastante devido com um aborto espontâneo sofrido anos antes. Joon-sik fechou-se sobre si próprio e passa os dias num martírio diário entre o trabalho e o álcool, deixando So-yeon sozinha. Além do sentimento de abandono, So-yeon ressente-se com a falta de intimidade. Desde o acontecimento traumático que Joon-sik desenvolveu impotência e não dá mostras de a conseguir curar sem apoio. Determinada a salvar a relação ferida e gerar o tão desejado rebento So-yeon decide marcar um dia de férias numa ilha remota de descanso e romance. Lá, encontram um restaurante que é gerido por Seong-cheol, um Ma Dong-seok num papel sinistro e a sua bonita irmã muda Min-hee (Ah jin). Após uma noite de bebidas estranhas e comida gostosa, Seong-cheol faz a proposta indecente a Joon-sik: dormir com Min-hee e recuperar a pujança para ter um filho com So-yeon. Entre os quatro é gerada uma dinâmica desconfortável que é aparente a todos quanto a ela assistem mas, sobretudo para So-yeon e, pela sua parte, quase omissa para um Joon-sik semi-alcoólico.

“Deep Trap” é bastante explícito quanto ao que pretende. O cenário isolado, o par de personagens estranhas que não inspiram total confiança, a série de coincidências que leva a que o casal fique preso no local e propostas inconcebíveis são a mera antecipação do que tantas vezes se viu antes no cinema do género. O filme apresenta algumas cenas de sexo que deixam pouco à imaginação e uma cena de violação brutal a que poderá ser difícil assistir. De igual modo, à boa maneira coreana, há duas ou três sequências de extrema violência e que parecem contrastar com o dramazinho romântico sobre um casal que tenta ultrapassar e reacender a chama da paixão que os minutos iniciais aparentavam prometer. O quarteto de protagonistas, liderado pelo experiente Ma Dong-seok que mais uma vez rouba o protagonismo (vide “Train to Busan”, 2016) e é um dos parcos motivo para que “Deep Trap” não caia na penúria total. Ma Dong-seok encontra nuance suficiente no personagem amoral para ainda assim, encarnar o bronco ignorante que pode ser desculpado pela educação que teve e pouca exposição às boas regras de civilidade. Quase podia ser uma boa pessoa se ao menos tivesse tido acesso às oportunidades que outros têm… isto se conseguirem ignorar os maus-tratos a Min-hee.
O que não será de digestão fácil serão algumas das acções dos personagens. Para sociedades mais liberais comportamentos onde o bem-estar e segurança própria são relegados para segundo lugar em favor de agradar ao “Homem” ou a flor delicada que sofre estoica em silêncio, não são fáceis de entender. No entanto, são elementos indeléveis de culturas patriarcais, como a sul-coreana. Onde os países tendencialmente ocidentais verão fraqueza, os orientais poderão encontrar heroísmo. Mas temo informar que se mantém o padrão tantas vezes visto e iguais vezes criticados em filmes coreanos e japoneses. A síndrome de petrificação e de colagem ao chão continua viva. Onde em situações limite a reacção rápida é essencial, os personagens continuam imóveis, chocados com os acontecimentos. Um exemplo paradigmático sucede quando dois homens combatem corpo a corpo e a mulher de um deles permanece imóvel, sabendo bem que o companheiro poderá perder a luta. É um pressuposto que em filmes de assassinos psicopatas e, como a boa tradição de filmes como um “Friday the 13th” (1980) e suas iterações demonstraram, os personagens devem ter uma boa dose de tontice para que sejam apanhados pelo papão. Gostava contudo, de ver a parte do contrato em que diz que os personagens não devem correr e tropeçar bastante ou mais simplesmente ficar colados ao chão enquanto uma figura malévola se dirige a eles para lhes fazer coisas muito más. Por estes motivos “Deep Trap” torna-se um exercício de concentração para não carregar no botão de stop e para o filme quando os personagens agem de forma tão, mas tão, frustrante, que ficamos a pensar que se o assassino os apanhar não se perde nada ou pior, torcer que o assassino os apanhe para limpar o mundo (do cinema) de tamanha estupidez. “Deep Trap” tem zero de factor surpresa. Um casal de betinhos da cidade fica preso no covil do inimigo e sofre horrores a tentar escapar. Been there done that… and better. Próximo. Duas estrelas.

Realização: Hyeong-jin Kwon   
Ji An como Min-hee 
Sun-Jo Han como Joon-sik
Dong-seok Ma como Seong-cheol
Min-Kyeong Kim como So-yeon

Próximo Filme: "Better Watch Out", 2016

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte cinco



Chegados ao último de festival, houve oferta para todos os gostos: "My Friend Dahmer" que é o biopic de um serial killer, "Housewife" que aborda traumas passados e seitas maníacas ou um "Better Watch Out", no ainda não gasto formato do "home invasion". Quanto a este último, fiz batotice, pelo que será disponibilizado no Scifiworld Portugal. Ordens do chefe!

Dia 5

“My Friend Dahmer” (2017)


Quando soube que iam fazer uma película sobre um jovem Jeff Dahmer temi, talvez por não ser fã de assassinos em série (hey, há maluquinhos para tudo!), que estivessem a tentar glamorizar a sua vida. “My Friend Dahmer” baseia-se numa novela gráfica de John “Derf” Backderff que foi colega de turma de Dahmer e descreve o mais possível o comportamento do adolescente que se era perturbado, estava ainda longe do assassino que iria cometer assassinatos grotestos desde finais dos anos 70 e até ao início dos anos 90. “My Friend Dahmer” acompanha o quotidiano de um Dahmer (Ross Lynch) adolescente que não sabe qual é o seu lugar do mundo e tem um comportamento cada vez mais bizarro, à medida que a vida família espirala fora de controlo. A mãe (Anne Heche) parece padecer de graves problemas mentais que quando se manifestam tornam a vida de todos à sua volta um inferno e o pai (Dallas Roberts) é um homem apaziguador mas que em última instância não consegue lidar com os problemas em casa e se desconecta da família. A relação de Jeff com o irmão é inexistente e na escola também não é popular. A maior parte dos miúdos ou não sabem da existência dele ou consideram-no estranho. Dahmer é retratado desde o primeiro momento como um miúdo inadaptado mas que se podia confundir com os seus pares e até chega a ter algo parecido com amigos, mas a ideia de que alguns dos seus circuitos não estão bem ligados está sempre presente. O elenco é muito competente destacando-se Anne Heche e Dallas Roberts, no papel do casal conflituoso que criou Jeff e claro, Ross Lynch na pele do serial killer. A sua interpretação é tanto mais arrepiante por conseguir gerar empatia pelo seu Jeff vítima das circunstâncias e dos seus próprios instintos diametralmente opostos ao que é expectável de uma vida em sociedade. As poucas sequências em que existe um ensejo de conversa entre Jeff e o pai fica patente a dificuldade de expressão de ambos e a frustração que é manifestada de formas extremas: fuga de casa e a fuga para dentro dos pensamentos mais violentos. É impossível não questionar se havia alguém ou se algo que podia ter sido feito para evitar a sequência de acontecimentos que iria desembocar na morte de cerca de uma vintena de homens. “My Friend Dahmer” é um filme com final anunciado, mas o modo como é demonstrada a progressão do comportamento de Jeff, desde o desenvolvimento de fantasias violentas e a dissecação de cadáveres de animais até a um ponto de não retorno, é tratado de modo sério e não explorador. Mais não se podia pedir. Três estrelas e meia.

“Housewife” (2017)


Depois de “Baskin” (2015), se tornar um dos filmes mais badalados da edição de 2016 do Motelx de 2016, a antecipação de “Housewife” era grande. Bem, este filme não é nenhum “Baskin”. “Housewife” segue Holly (Clémentine Poidatz) uma mulher recatada e com um casamento que parece feliz aos olhos de todos, que não consegue ligar com um facto traumático da sua infância. Em criança assistiu ao assassinato do pai e da irmã mais velha, a qual foi afogada numa casa de banho, causando o medo de Holly de sanitas. Tirando este “pormenor”, ela e o marido são convidados a assistir a um seminário de “Umbrella of the Love and Mind”, uma organização que muitos acreditam ser um culto. A chegada àquela cidade de uma amiga da qual também já não sabia com esse grupo, impele Holly ir finalmente ao seminário onde um psíquico (David Sakurai), mergulha nos seus sonhos e a faz confrontar-se com o passado. “Housewife” é um sonho surreal que carrega o peso de diálogos sofríveis, sotaques estranhos, actores péssimos, cenas de sexo gratuitas e a sensação de que o filme repete temas e os aborda de modo previsível. “Housewife” quer chegar a um público internacional através do recurso à língua inglesa mas é muito confuso estar sempre a tentar situar as origens das personagens no espaço. Por outro lado, a cinematografia espectacular e os temas remetem para os filmes Giallo, que é de modo cristalino, ensaiada, superficial. Quando não estamos ocupados a tentar perceber quantas cenas é que já vimos antes ou a comentar que ninguém diria uma coisa daquelas, estamos simplesmente a apanhar uma seca descomunal. E com isto, faço notar que “Housewife” não tem uma narrativa convencional e tem apenas uma hora e vinte e dois minutos. Um confuso desperdício. Uma estrela e meia.

domingo, 8 de outubro de 2017

Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte quatro


Por esta altura já devem estar a pensar: “ok, isto é tudo muito giro, mas ela nunca mais se cala com isto do #motelx e o que eu queria mesmo era ler só sobre cinema do sudoeste asiático”. Têm toda a razão mas já está mesmo quase - a próxima será a última parte. Yey! E este continua a ser ainda o único de festival internacional de cinema de terror sedeado em Portugal por isso, deixem-me apreciar este momento que apenas sucede uns escassos dias do ano. O próximo filme que vou abordar, será “Red Eye” (2005), que não é o filme do Wes Craven.

Dia 4 (cont. daqui):

“Mayhem” (2017)

Estavamos no sábado, no rescaldo de uma sessão morna e era a primeira sessão que assistia no Tivoli. A sala estava cheia, tinha um esqueleto sentado numa das últimas filas e perguntava-me se o facto de estar ali tanta gente teria alguma coisa que ver com o facto de o pessoal ainda não ter recuperado da morte de “Glenn” (personagem de “The Walking Dead” interpretada por Steven Yeun). Na verdade, como boa fã de cinema de terror, não tinha sequer visto o trailer de “Mayhem” e a decisão de assistir àquele filme foi uma decisão de última hora. Que boa decisão se revelou. “Mayhem” é um thriller de acção cheio de adrenalina que tem por alvo aqueles que mais adoramos detestar: engravatados que estão por trás de cada decisão injusta que a lei não quer ou não pode penalizar. Steven Yen é Derek Cho um advogado desencantado após o encontro com a América corporativa. Aquele é um mundo dominado pelo capitalismo selvagem apenas se safam os mais os mais espertos, os mais rápidos e os que fazem jogo sujo. Ele ainda não se perdeu lado negro da barricada e tem conseguido passar despercebido entre mortos e feridos, tendo por custo muitas horas de trabalho a mais e tempo com a família perdido. Um dia apercebe-se de que alguém cometeu um erro colossal que poderá custar milhões aos cofres da sua empresa e que estão a preparar para o entregar como bode expiatório.
Entretanto, descobrem que o arranha-céus onde trabalham foi exposto a um vírus que faz com que o seu portador perca as inibições e haja sobre todos os impulsos, mesmo aqueles que podia entender como mais censuráveis, se essa parte do cérebro estivesse a funcionar de forma correta. Aliado a Melanie (Samara Weaving) que também é uma vítima da firma incorrem numa corrida contra o tempo até ao topo do edifício e da cadeia alimentar, enquanto este se encontra em quarentena, para alcançar os seus intentos, tentando sobreviver à escalada de violência provocada pelo vírus. Adrenalina é a palavra-chave de “Mayhem”. As personagens são apresentadas em todo o seu esplendor de violência implícita contida e numa fase posterior na sua maior bestialidade, com amplas oportunidades para apreciar momentos sanguinários ou infantilidade. Quem nunca quis dizer umas verdades ao seu colega do lado? Quem nunca quis partir a cara à besta que está sempre a roubar a comida no refeitório? E que tal passar o dia a jogar no computador ao invés de escrever aquele relatório tão chato? Ou então, dar azo ao desejo secreto pela boazona da secretária ao lado? “Mayhem” é sobre o que sucede quando caiem as máscaras e as pessoas são reais, nuns parcos 90 minutos mas que ainda assim conseguem demonstrar personagens tão ricas e díspares, num excelente trabalho de todo o elenco. Permite perceber se o fundo é de bondade ou se esconde algo mais perverso e sobre a ideia de injustiça multissectorial, comum aos países desenvolvidos do século XXI, que foi evidente em movimentos como o “Occupy Wall Street”. “Mayhem” é uma paródia de filmes como “The Big Short” (2015) ou “Margin Call” (2011), que se cruza com a recompensa de filmes como “The Raid: Redemption” (2011) ou “Dredd” (2012). Joe Lynch é sem dúvida um realizador a estar atento. Três estrelas.

“Cult of Chucky” (2017)

Há que ser realista. Quem é que pretende realmente ver a sequela n.º 7, n.º 9 ou sequer a partir de uma 5ª? Só os fãs hardcore de um Jason, um Freddy ou um Chucky é que permanecem. Foi por isso, que até o “Jigsaw” (2017) regressou. Que não restem dúvidas, “Cult of Chucky” é para os fãs. Nunca foi acerca de captar novas audiências. Quem o vê sabe ao que vai.
Este “Cult of Chucky” não pretende reinventar a lenda de Chucky nem traça o caminho meta até às últimas consequências, em que muitos filmes de terror se têm aventurado recentemente. Ao invés foca-se nas personagens que têm dado o mote ao longo dos anos, como um já crescido Andy Barclay (Alex Vincent), a criança que recebeu a bela prenda que é Chucky ou Nica (Fiona Dourif) que está confinada a uma cadeira de rodas num hospício. Na sequência da última iteração do personagem Nica foi acusada de cometer os homicídios perpetrados pelo boneco assassino e, convencida por um psiquiatra pouco escrupuloso de que tem problemas psicológicos que a levaram a cometer aqueles actos horrendos. O cenário apresenta uma oportunidade perfeita para ver Brad Dourif (a voz de Chucky há tantos anos), a trocar galhardetes com os pacientes do hospício (é caso para perguntar quem de entre todos é o mais louco) e com a filha Fiona. Mais importante ainda, um hospício que não fica próximo da civilização com pacientes a viver num regime de internamento, é o último sítio onde o boneco devia ser introduzido, sendo que os seus habitantes não terão para onde fugir ainda que tenham consciência do que se está a passar. “Cult of Chucky” está cheio do humor negro que caracteriza a série sobretudo do lado de Brad Dourif a verdadeira alma da série e de mortes explícitas que, pese embora nem sempre ultrapassarem a barreira da criatividade, constituem um presente para os fãs. Hoje em dia, com rivais mais recentes e assustadores como a boneca de “Annabelle: Creation” (2017) a simples ideia de que o Chucky é assustador é anedótica. Por isso, Don Mancini mentor do conceito e realizador desta sequela, agarrou nos melhores elementos do passado da série para a manter à tona e introduziu humor auto-consciente das suas próprias falhas e elementos da cultura pop atual, onde outras sagas implodiram pela repetição. Foram ainda eliminadas algumas gorduras como o excesso de efeitos gerados por computador, afinal, o primeiro boneco era um fantoche; a manutenção de Brad Dourif e a exploração da química deste com a filha Fiona; a personagem de Nica, muito forte num panorama de scream queens onde os clichés imperam; a revisitação de personagens de filmes anteriores e a confiança para explorar novos cenários. No final de tudo, sobra um filme divertido. Mais não se podia pedir de um filme sobre um boneco de brincar que ganha vida após um ritual de voodoo e pragueja como um marinheiro. Duas estrelas.

“Meatball Machine Kudoku” (2017)

Integrado na sessão dupla, em conjunto com “Cult of Chucky” não se esperava deste uma obra de arte. Antes houve um desfile de absurdo, num filme de Yoshiro Nishimura, responsável por momentos tão emblemáticos do cinema como “Tokyo Gore Police” (2008) ou o segmento “Z is for Zetsumetsu” de “ABC’s of Death” (2012) e, do qual, anos depois, estou ainda a recuperar. “Meatball Machine Koduke” é uma sequela de “Meatball Machine” de cuja descrição no imdb se podem ler coisas tão fantásticas como: “Japanese cyberpunk science fiction/horror”. Acrescentem já agora “exploitation” e comédia. Como ultrapassar isto? Nishimura sabe como.
“Kudoku” parece fazer parte de um concurso do qual não sabemos quem são os outros concorrentes, para saber quem consegue fazer mais impressionante e mais absurdo. Tentar explicar a sinopse é como tentar dar sentido a algo que não o tem mas pronto: Yuji (Yoji Tanaka) é um homem solitário e à beira da ruína financeira que é pisado por todos os que o rodeiam. Ele trabalha na área da cobrança de dívidas mas não tem muito jeito e acaba por ficar ele próprio a dever ao chefe, a mãe só lhe liga para lhe pedir dinheiro e entretanto, descobre que tem cancro terminal. Mas ninguém irá chorar por ele porque ele não é amado por ninguém. Num certo dia, uma garrafa gigante que segue pelo espaço em direcção à terra – e isto nem é o mais absurdo, aguentem –, liberta uns alienígenas que ao aterrar se apoderam do corpo das suas vítimas ao mesmo tempo que as tornam em máquinas de guerra semi-robóticas. Sem nada a perder Yuji é tomado por um dos monstros mas não se transforma na totalidade dado que tem células cancerígenas. Ele aproveita a humanidade retida para combater os alienígenas antes que eles se apoderem de Kaoru (Yuri Kijima), uma mulher por quem se apaixonou. Segue-se uma muito longa cena de perseguição com Kaoru cavalgando o monstro que a rapta com os seios de fora (eu sei), e longas lutas com uma quantidade de sangue muito superior àquela que um individuo consegue albergar e com armas que resultam de uma peculiar fusão com a carne humana. “Meatball Machine Kudoku” é uma orgia ridícula de nudez e carnificina histérica e, bem, os monstros são um espanto, mas, é só por isso que vale. E olhem que são 108 minutos disto! “Meatball Machine Kudoku” é uma obra extremamente polarizadora pelo que o mais certo é já terem feito a vossa escolha sobre se algum dia o irão visionar. Uma estrela e meia.

domingo, 1 de outubro de 2017

Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte três


Estava a chegar ao terceiro dia de festival e ainda não tinha visto “aquele” filme que me enchesse as medidas na totalidade. “The Endless” era certamente interessante mas a meio de um festival é problemático pensar que se calhar já tinha visto o que este teria de melhor para apresentar. Infelizmente o terceiro dia teria de chegar e terminar até atingir o objectivo desejado.

Dia 3

“Lake Bodom” (2016)

Apresentado como o primeiro filme de terror finlandês em muito tempo – de facto o cinema finlandês não é muito profícuo no que ao género diz respeito –, “Lake Bodom” baseia-se num caso ocorrido nos anos 60, na Finlândia, no qual três adolescentes foram encontrados mortos e um quarto foi encontrado inconsciente, vítimas de esfaqueamento múltiplo e de espancamento, que não foi resolvido (a despeito de fortes suspeitas da polícia) até aos dias de hoje. O cenário de um lago isolado e a idade das vítimas reuniram as condições ideais para se implantar no imaginário colectivo finlandês. Como o realizador Taneli Mustonen viria a explicar na sessão de Q&A que se seguiu a esta exibição, é vulgar os pais advertirem a sua prole, quando esta começa a manifestar interesse em fazer campismo selvagem, em ter cuidado para não acabar como a juventude de Bodom. Além deste contexto misterioso, mesmo à medida de um filme “baseado em factos verídicos”, soma-se-lhe uma intriga contemporânea.

Ida (Nelly Hirst-Gee) é uma adolescente pacata que está a recuperar de um trauma recente. Sem o seu conhecimento alguém fotografou-a nua e distribuiu depois as fotos através das redes sociais pela escola. A vergonha perante os colegas e a família fizeram a já quieta adolescente isolar-se ainda mais no seu canto. Apenas a insistência de Nora (Mimosa Willamo), a única que se recusou a julgá-la pelo que sucedeu, a faz aceitar ir acampar durante um fim-de-semana para o Lago Bodom. A acompanhá-las estão Elias (Mikael Gabriel), um colega com ar de bad boy que deseja impressionar as duas raparigas e Atte (Santeri Helinheimo Mäntylä), mentor da ideia da viagem que é fascinado pelo célebre crime. “Lake Bodom” transmite uma aura de regresso às origens do slasher, ainda que o argumento parta em direcções inesperadas e a contabilização de mortos seja muito baixa. O quarteto principal parece corresponder a pessoas reais, com os dilemas e problemas típicos da idade e escapam a duas reproduções a que estamos demasiado habituados. Têm uma personalidade unidimensional e essa costuma condizer com uma atitude insuportável ou estão demasiado sarcásticos e dentro da piada para seu próprio bom. Infelizmente, com 85 minutos de duração, as motivações destes personagens estão mal cozinhadas. Nem a excelente cinematografia de “Lake Bodom” consegue salvar um slasher que quer ser inteligente mas não lhe deu espaço para isso. Duas estrelas.

Dia 04

“Bliss” (2017)


Sempre existiu uma tradição forte do festival em inserir realizadores consagrados e mesmo novos talentos do cinema asiático na programação. Gosto tanto do cinema indie de terror anglo-saxónico como o próximo fã do género mas existe qualquer coisa de profundamente fascinante em verificar como o mesmo é interpretado numa cultura diametralmente oposta. “Bliss” é uma proposta de 100 minutos oriunda das Filipinas, do experiente Jerrold Tarog. A película centra-se em Jane Ciego (Iza Calzado) uma actriz de grande sucesso que parece ter a vida perfeita. Os seus trabalhos têm grande sucesso, uma legião de fãs, uma casa de sonho, uma mãe que a apoia e um marido perfeito para a fotografia. Um dia, sofre um grave acidente durante a rodagem de “Bliss”, o seu mais recente filme que a confina a uma cadeira de rodas e a necessitar de reabilitação. Presa em casa com Lilibeth (Adrienne Vergara), uma enfermeira que não aparenta ter o superior interesse dela em mente, Jane sente mais do que nunca o peso da fama e da pressão que a própria família impõe sobre ela. Ela tornou-se actriz por imposição de uma mãe mais interessada em retirar dividendos da carreira da filha do que em assegurar a sua felicidade e o marido Carlo (TJ Trinidad) só lhe dá atenção quando se trata de lhe pedir dinheiro. Está também assustada com a carreira. Ela aceitou todo o tipo de trabalhos para alcançar a fama e a fortuna mas o acidente pode representar o final da sua carreira e com ela os sonhos de consagração da crítica. Além disso, apercebe-se que os dias parecem repetir-se, com a variante de todos à sua volta se tornarem cada vez mais cruéis ou distantes. Em simultâneo, ela começa a ter dificuldade em destrinçar a vida real com a dos seus personagens. Obstáculo que dificulta a sua luta para reconquistar a autonomia física e psicológica. “Bliss” é uma homenagem assumida a filmes como “Groundhog Day” (1993), “Misery” (1990) e “Perfect Blue” (1997), com os elementos de melodrama comuns às películas filipinas, dando origem, se não, a uma obra completamente original, pelo menos um híbrido inteligente de cada um destes elementos. “Bliss” apenas sofre por um look talvez demasiado televisivo e pelo exagero de actores como Shamaine Buencamino (Jillian, a mãe de Jane) e Audie Gemora (Lexter, realizador de “Bliss”). Por outro lado, é uma delícia observar como “Bliss” é tão meta, não só devido às referências às obras já citadas como da possibilidade de estarmos a assistir a um filme dentro de filme, estando actores e realizador dentro da “piada”, pelos comportamentos “cliché”, em cena como do facto de a própria Iza Calzado ter iniciado uma carreira bastante jovem, procurando agora, ela própria, consagração através de papéis mais sérios. Três estrelas.

“Boys in the Trees” (2016)

Da Austrália chega a segunda estória sobre as dores de crescimento adolescente deste festival, sita nos anos 90. Onde “Super Dark Times” apresentou um tom depressivo ainda que com requintes irónicos, “Boys in the Trees” é mais linear e apresenta uma perspectiva bem mais optimista. Em comum têm as consequências devastadoras de uma acção no primeiro e inacção no segundo. Corey (Toby Wallace) terminou o secundário e pensa no passo seguinte que pode até envolver uma mudança de país, enquanto fotógrafo profissional. Ele costuma andar com um conjunto de skaters, indistinguíveis entre si, à excepção do intempestivo Jango (Justin Holborow) que quer ser e manter-se o líder da matilha para todo o sempre, mesmo que os anos passem por ele. Corey deixou de falar com Jonah (Gulliver McGrath) há alguns anos, para andar com Jango & companhia – os miúdos fixes –, que tratam este adolescente mais maduro e sensível de forma cruel.
Numa noite de Halloween as diferentes atitudes face à vida são obrigadas a confrontar-se e é forçada uma reflexão sobre o certo e o errado, o passado e o futuro. “Boys in the Trees” faz tudo certo em termos técnicos. É um espanto visual. Tem provavelmente uma das melhores cinematografias que o Motelx de 2017 viu. O que se encontra dentro deste embrulho bonito é que é bem mais sofrível. Jonah pede a Corey para se juntar a ele, uma última vez, dívida que lhe é devida pelo comportamento dos anos recentes, num jogo onde realidade e fantasia se misturam. Quantas vezes não se viu já o mundo místico a tomar conta do real, em tempo de Halloween? Mais do que isso, é um argumento inconsistente que expõe as fraquezas de “Boys in the Trees” onde os diálogos ora gritam pretensiosismo ora demonstram desconhecimento de como os adolescentes comunicam. O próprio marketing transmite mensagens mistas sobre o foco do filme: ora tenta apelar à nostalgia dos anos 90, ora pretende cativar o público jovem adulto com a perspectiva de romance que esteve tão em voga no final da primeira década de 2000. “Boys in the Trees” sofre ainda do mal da sobre-exposição. Depois de esgotar todas as direcções possíveis, o argumento detém-se ainda a explicar o que sucedeu até àquele ponto, através do recurso a analepses. Por fim, “Boys in the Trees” está mascarado de fantasia dramática com tons de terror mas é só uma fantasia dramática. Ambiciona passar a mensagem de que tudo está bem quando acaba bem, de que todos os erros do passado serão perdoados e que a adolescência é apenas a parte mais difícil do crescimento. Trai talvez por isso a lição que pretendia demonstrar de início. As personagens podem aprender algo sobre si próprias, ter auto-consciência dos seus comportamentos mas não há qualquer certeza de que isso provoque uma mudança nos seus comportamentos futuros. São precisas quase duas horas para chegar a esta conclusão. Certo. Duas estrelas e meia.


domingo, 17 de setembro de 2017

Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte dois


Aqui a je não conseguiu ir ao primeiro dia de festival. Antecipava algumas das propostas em cartaz das quais deixo contributos válidos e que vou seguindo com alguma atenção como “Dave made a Maze” ou “Prey”. Já tinha visto o “The Void” e não morro de amores pelo filme que é sobretudo uma oportunidade mal-amanhada. Tanto que nem sequer me dignei a escrever uma crítica sobre ele, mas aproveito para partilhar uma estória de terror muito pessoal. Nesse dia estive num casamento (existe lá melhor incidência para faltar ao festival?) e descobri, no dia anterior que não cabia no vestido que tinha planeado, pelo que tive de desencantar um trapinho no dia anterior. O drama, a tragédia, o horror!

Dia 2

“The Endless” (2017)

E o 1º Prémio para “Filme de que mais gostei de modo inesperado” foi “The Endless” (2017). Sabia pouco mais que a sinopse e conhecia um pequeno clip que nem sequer é representativo de todo o filme. Também conseguiu estar milhas à frente de “The Bad Batch”, da Ana Lily Amirpour que realizou o hipnotizante “A Girl Walks Home Alone at Night”, então exibido numa sessão de warm-up da Edição do Motelx de 2015.
Justin (Justin Benson) e Aaron (Aaron Moorhead) são irmãos com um passado incomum. Eles escaparam a um culto há cerca de uma década e estão tanto tempo depois ainda a ajustar-se a uma vivência mais convencional, que se denota na incapacidade de formar ligações amorosas ou de lidar com uma rotina de trabalho das 9:00 às 18:00. Enquanto Justin está convencido que a opção de fuga foi a melhor decisão que tomou para ele e para o seu irmão que extraiu do “Campo Arcádia”, Aaron não parece lembrar-se do que era assim tão mau na vida em comunidade com um grupo de pessoas com uma percepção diferente da realidade mas que pareciam ter relações genuínas e querer melhorar-se enquanto pessoas, nem ele está certo de que a palavra “culto” é a mais apropriada para o que viveram. Ademais, ele está farto da sua existência menor, numa firma de limpezas. Saiu de lá para isso? É apenas para isso que está fadado? Quando recebem no correio uma cassete VHS em que uma das mulheres do campo fala na “Ascensão” que sobrevirá em breve, Aaron fica determinado em regressar e clarificar o que significam as suas memórias. Justin decide acompanhá-lo desde que a visita seja breve e demonstre por fim que o campo é tudo menos saudável para eles. À chegada descobrem que o que mais mudou foram eles. Os membros do campo estão iguais a quando os deixaram e continuam a ocorrer eventos estranhos mas estes talvez não correspondam aquilo que pensam. “The Endless” permite a análise sob os olhos dos dois irmãos sobre as memórias de eventos que nos marcaram e das acções que então tomámos que nos levaram ao ponto em que nos encontramos, bem como sobre a verdade dessas mesmas memórias e os ciclos em que estamos inseridos como resultado dessas opções passadas. Contar mais é mais do que ser um dos trolls dos spoilers, é estragar a mística de uma mitologia que merece ser descoberta e descodificada por quem a vê e cujas respostas, a ser encontradas, poderão diferir em consonância com as experiências do seu intérprete.
Benson e Moorhead têm uma enorme química no desempenho de irmãos e ao demonstrar que não são funcionais na sua totalidade, a despeito de por vezes o argumento parecer um pouco apressado e existirem algumas falhas pontuais de quem se encontra a executar muitas funções ao mesmo tempo (realização, montagem, representação, etc). Com uma carreira conjunta que inclui “Resolution” (2012) que tem uma aparição interessante neste filme e “Spring” (2014), considerado pelo Guillermo Del Toro como um dos melhores filmes da década, Benson e Moorhead insistem desde os créditos iniciais que a natureza do horror de “The Endless” é lovecraftiana. De facto, fez recordar alguns filmes exibidos no Motelx em anos anteriores como o mindbender “Coherence” (2013) ou o estudo sobre a paranóia “The Invitation” (2015), pelo argumento intricado ou similitude temática. “The Endless” não procura respostas fáceis. É mais sobre o caminho do que a chegada. E que pena ter chegado ao fim de uns 111 minutos que pareceram curtos. Três estrelas e meia.


“The Bad Batch (2016)

Se “The Endless” augurava um bom início de festival “The Bad Batch” foi um balde de água fria. Suki Waterhouse é aquela coisinha gira que fica óptima no ecrã, sobretudo se tiver com uns calções curtinhos que mostrem uns km de pernas e um smiley face numa das nádegas como quem diz que é autoconsciente da graça que tem. Infelizmente, a graça fica-se pela aparência que em breve terá apenas um braço e uma perna, que os outros foram comidos por canibais, já que como actriz é uma nódoa, daquelas que não saem numa só lavagem. E sim, o Keanu Reeves entra no filme.
“The Bad Batch” é sobre todos aqueles que a sociedade civilizada (?) considera como indesejáveis. Os imigrantes, os criminosos, os injustamente julgados, os doentes mentais, os drogados e os inadaptados são marcados com um número atrás da orelha e largados num terreno árido rodeado por uma vedação, algures no Texas, no qual são obrigados a fazer as coisas mais obscenas para sobreviver. Mas entendam que dentro da vedação não estão no Estado do Texas. Aliás, nem  sequer estão nos E.U.A. É uma terra de ninguém e de cada um por si. O melhor a fazer é morrer. Suki Waterhouse é Arlen, uma rapariga rebelde que se passeia sem cerimónia e até de forma exibicionista por aquela paisagem desértica até ter um brutal encontro com a realidade. Os mais fracos são aprisionados e tornam-se o alimento de canibais, que é na verdade, uma das poucas formas de sobreviver num terreno onde é despejado lixo tóxico e parece subsistir pouco mais do que coelhos. Graças ao pensamento rápido, Arlen consegue depois de ter perdido alguns membros, ser mais esperta que uma das suas captoras e fugir para se enveredar, semi-morta, no deserto. Lá, é resgatada por um vagabundo (Jim Carrey quase irreconhecível) que a deixa em Comfort, uma localidade onde imperam se não leis, pelo menos bom-senso. Mas a menina Arlen é teimosa e vingativa pelo que não sente “confortável” o suficiente para se aguentar lá por muito tempo. Ela quer mais, quer algo que não consegue vocalizar ou expressar de modo conveniente. No entanto, pelas vezes que de lá sai, apenas em uma ocasião não retorna.
“The Bad Batch” é uma visão distópica com inspirações da saga “Mad Max” e nada subtil à sociedade contemporânea que não sabe o que fazer com os seus “indesejados”. Daí à vaga migratória no Mediterrâneo e o discurso de Trump sobre um muro que irá manter todos os ilegais de fora é um instante. O sonho americano é mencionado na inquietude dos seus personagens mas nunca se materializa. Por fim, temos ainda a lembrança brutal e cada vez mais rodeada de uma certa tendência de negacionismo, do povo judeu marcado como animais e exterminado em campos de concentração. “The Bad Batch” está cheio de ideias mas parece estar mais preocupado com as aparências –, Lyle Vincent faz um papel brilhante de cinematografia –, dado que o conteúdo nunca é desenvolvido e as mudanças tonais advêm de nenhures. Os personagens andam à deriva. A sociedade que os liberta ali está mais ciente das suas convicções, por horrendas que sejam, do que os indesejáveis. Por serem rejeitados, eles ali não se tornam mais fortes ou unidos. Eles não almejam sequer formar uma nova ordem, que lhes permita ser produtivos, não enquanto sociedade de consumo mas por eles próprios, seus sonhos e ideias. Eles entregam-se a drogas, à manipulação de outrém e a ser miseráveis para os seus pares. Evidencía talvez um excesso de zelo de Armipour na demonstração de que os “outros” estão errados, sem tentar provar que a mercadoria estragada não é, afinal, tão estragada quanto isso. Mas existe luz ao fundo do túnel. A dada altura surge um romance por que o que faltava em “The Bad Batch” era mesmo um amor mal cozinhado. E de que precisa uma Arlen mais do que um homem másculo que poderá querer comê-la a dada altura, além do sentido erótico do termo, para sobreviver naquele lugar? Depois de uma relação vampirica em "A Girl Walks Home Alone at Night" começo a encontrar um padrão. Duas estrelas.



quinta-feira, 14 de setembro de 2017

“Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte um


Um Festival, doze filmes. Desde 2011, com a interrupção de um ano (2013) em que valores mais altos se levantaram (temos pena mas férias), que não falho um ano. Nem sei se este foi o ano mais prolífico em termos de sessões do Motelx – ainda assim foram 12 bolas! – mas não foi, apesar das expectativas, a melhor edição de sempre. Ainda assim, e como bem diz a expressão popular, o melhor estava guardado para o fim e não, não me refiro ao fenómeno IT (2017)!

Sessão de Abertura

"Super Dark Times" (2017)

Depois de uma sessão de apresentação mais convencional viramo-nos para o que o Motelx sabe fazer melhor: dar a conhecer gemas indie que nos dão um murro no estômago que perfura a pele, revira as tripas lá dentro e as puxa para fora. “Super Dark Times” é o título hiperbólico e um pouco cómico de uma película com muito pouco de jocoso. Zach (Owen Campbell) e Josh (Charlie Tahan) –, este último digam lá se não é a cara chapada da Martha Plimpton? -, São um duo de amigos que passa os dias entre ir para a escola, percorrer os terrenos da sua pacata vila de bicicleta e inventar passatempos. Falam de raparigas, de rufias, de jogos de vídeo. Nada de extraordinário. Um dia decidem quebrar a rotina juntando-se a dois miúdos que não conhecem bem, Charlie (Sawyer Barth) que é o irmão mais novo de uma colega de escola e Daryl (Max Talisman), um puto ruidoso e malcriado que faz qualquer pessoa com um mínimo de sanidade mental, questionar por que querem sequer estar na sua companhia. Ânimos exaltam-se, um acidente sucede e Daryl acaba morto. O pânico toma conta dos adolescentes que decidem ocultar o que se passou. Mas retomar a vida normal é mais difícil do que uma decisão extemporânea podia fazer parecer e a pressão quebra de formas diferentes Zach e Josh.

“Super Dark Times” é, como o próprio nome indica, super negro. Faz refletir sobre os arrependimentos e faz perguntas difíceis como quão “para sempre” são de facto os laços de amizade que tínhamos como inquebráveis, se conhecemos tão bem como pensamos aqueles que têm estado nas nossas vidas desde sempre e se seríamos capazes de tomar aquelas decisões nas mesmas circunstâncias. Nota-se a ausência de interferências externas na vida destes adolescentes. Eles são acriançados, idiotas, borbulhentos, envergam pêlos solitários à laia da existência de bigode e tiram macacos do nariz. Comportam-se tal e qual os adolescentes da vida real. Tudo isto pontuado por uma imagética muito reminiscente de “Stranger Things” (e este nem foi o primeiro filme do festival a fazer eco de uma série que é a autêntica definição de hype), com o teen spirit inquieto e depressivo dos anos 90, numa idade que é, para todos, francamente estranha. Pode uma má acção definir-nos para o resto da vida? Agora imaginem uma culpa dessas cair sobre os ombros ainda não muito largos de adolescentes que nunca saíram da sua concha e do seu pequeno vilarejo. “Super Dark Times” é em última análise traído pela sua própria vontade de ser original, quando já o era desde o inicio, (o tema era lúgubre o suficiente para necessitar de invocar os excessos típicos do género de terror). “Less is more”. O desvio de 45º perto do final não deixa de ser, no entanto, uma decisão corajosa numa estreia cinematográfica muito competente de Kevin Phillips. Três estrelas.

Próximo Filme: “Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte dois

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

"Museum: The Serial Killer is Laughing in the Rain" (Myujiamu, 2016)

Atenção aos inúmeros spoilers, vejam o trailer por vossa conta e risco.

“Museum” é a adaptação de uma manga inserida no género de horror de Ryosuke Tomoe que foi publicada durante os anos de 2013 e 2014. A acção centra-se nos homicídios bizarros cometidos por um misterioso Homem-rã e a perseguição que lhe é movida pelo detective Sawamura que tem um interesse pessoal no caso.

A realização esteve a cargo de Keichi Otomo que também dirigiu o live-action do sucesso estrondoso em manga e animação “Rurouni Kenshin”, sob a forma de uma trilogia (2012-2014), cobrindo de grosso modo a respetiva mitologia e seus personagens. Admita-se porém que “Museum” representa um compêndio de três volumes, enquanto a saga “Rurouni Kenshin” teve direito a três filmes, cada um com mais de duas horas e parece não ter existido a pretensão de deixar esta estória aberta à possibilidade de uma continuação. Otome não é um estreante nas andanças da adaptação de publicações de sucesso ao grande ecrã. E quando o material original é bom, é difícil falhar na concretização não é? Pois…

Os créditos iniciais anunciam pompa e circunstância. No meio de chuva torrencial a polícia tenta corresponder à chamada que deseja nunca ouvir: aconteceu um homicídio. Entram em cena os detectives duros e lacónicos de gabardina. O experiente Sawamura (Shun Oguri) e o novato Nishino (Shuhei Nomura) que tenta manter os conteúdos do estômago no seu devido lugar. O corpo de uma jovem mulher assassinada com os requintes de uma besta é encontrado como numa encenação. Essa imagem remete de imediato para outros espaços e temporalidade: “Seven” (1995), “The Bone Collector” (1999) ou até “The Wailing” (2016) vêm à mente. Não será a primeira e também a última vez que tal irá suceder durante o filme. No entanto, o ritmo mais lento é abandonado em favor da exposição da montra de horrores demasiado cedo, fazendo cair a investigação para enveredar pelos tortuosos caminhos de um “Saw” (2004-2010). O aparecimento de novas vítimas sucede a um ritmo rápido e furioso. Uma nota deixada no local, falando numa punição apropriada aos erros cometidos pelas vítimas, anunciam tratar-se de um assassino em série. Esta sequência de eventos conduz a investigação policial ao caso de um assassinato cometido tempos antes e que teria sido solucionado. A forma como as vítimas são apresentadas é impressionante ainda que, de modo casual, uma ou outra encenação possa parecer menos realista. Alguns dos adereços sobretudo os que dizem respeito à anatomia humana têm aparência amadora por comparação com outros surgidos em cenas similares. Porém, o enfoque nas vítimas e no método investigativo é mais célere e aleatório que o início do filme faria antever. “Museum” despacha as vítimas com rapidez para avançar para uma investigação rebuscada, com direito a polícias a demonstrar à boa maneira asiática como conseguem ser incompetentes e pistas cujas interpretação desafia a lógica para se tornar num “Saw” nas suas piores iteracções. De facto, um filme de investigação policial by the numbers como um “Seven” seria sempre mais interessante que o “Sawven” em que seria tornar. Shun Oguri é um excelente actor, capaz de ligar o fogo-de-artifício quando tal lhe é exigido e o seu personagem alterna entre o detective compenetrado e o homem frustrado com muita volatilidade mas aguentar estas cenas é pouco mais que sofrível. O build-up para as cenas dramáticas é quase inexistente, parecendo somente histriónicas. Isto, em conjunção com flashbacks que surgem nas piores alturas se é que eram de todo necessários, transforma a última meia hora num exercício de endurance penoso. No meio de tudo, o Homem-rã, cuja máscara e motivos tinham tido todo o potencial para se tornar num clássico, é quase esquecido. Mais uma vez o passado de um personagem surge à pressa sob a forma de um flashback ainda que este nada esclareça das suas motivações. No tempo presente não se consegue extrair um racional deste assassino para a sua obra e métodos, cujo discurso louco não se coaduna com o de quem passou bastante tempo a planear assassinatos elaborados. Além disso, antecipar e reforçar repetidamente a ideia de que "Museum" irá ser extremo ao ponto de romper com tabus e depois acobardar-se é apenas patético. Para isso, até o "Saw" fez melhor. Salva-se a primeira meia hora. O remanescente é puro engano. Duas estrelas e meia.

Shun Oguri como Detective Hisashi Sawamura
Satoshi Tsumabuki como Homem-rã
Machiko Ono como Haruka Sawamura
Shūhei Nomura como Junichi Nishino
Tomomi Maruyama  como Tsuyoshi Sugawara
Tomoko Tabata como Kayo Akiyama
Mikako Ichikawa como Mikie Tachibana

Próximo Filme: ?

terça-feira, 22 de agosto de 2017

"Annabelle: Creation" (2017)



Assisti há tempos à Conferência de Apresentação de um Festival, uma coisa pequena chamada MOTELX (gritinhos histéricos!), onde foi dado a conhecer um pequeno gostinho do que será a 11.ª Edição, cuja programação foi entretanto relevada. Como habitual, nestas coisas de festivais teve lugar um visionamento-surpresa. Para ser honesta, a exibição de longas numa primeira apresentação à imprensa não é original mas, de facto, só descobri ao que ia quando lá cheguei. Fiquei por isso, um pouco desiludida quando me apercebi que seria exibida a sequela de “Annabelle” (2014). A sério, MOTELX? Estava habituada a filmes indie, por certo longas-metragens de baixo orçamento, mas nunca a continuação de uma película que a despeito de estar inserida na saga de “The Conjuring” é de longe a mais fraca. Ainda mais, se pensarmos que os casos de sequelas superiores aos filmes originais se contam pelos dedos de uma mão.
Estava errada. Em mais sentidos do que um. Apesar de ser conhecida de forma universal por “Annabelle 2”, “Annabelle: Creation” é afinal uma prequela que explica as origens da boneca que tanto terror terá provocado ao casal Warren e o filme representa ainda a segunda incursão no mundo das longas-metragens de uma das novas grandes promessas do cinema de terror, David F. Sandberg. Se não estão familiarizados com a sua película anterior, “Lights Out” (2016), recomendo uma visita rápida ao “cineclube” mais próximo. A curta que inspirou essa longa, está disponível no canal do realizador. Confesso que quando aprecio uma obra originária do cinema independente tenho sempre receio quando os seus criadores dão o salto. Ir parar ao cinema comercial é uma progressão natural na carreira mas, tenho receio que os maus hábitos dos executivos de grandes estúdios que consideram natural impôr as suas opiniões (de)informadas, que se sobrepõem por vezes ao talento contratado. “Annabelle: Creation” felizmente não se enquadra nessa categoria. A acção decorre nos anos 40 e 50, quando os Mullins, casal composto pelo criador de bonecas de porcelana Samuel (Anthony LaPaglia) e Esther (Miranda Otto) perde a filha Bee (Samara Lee) num acidente trágico. Destroçado, o casal isola-se na sua casa e entrega-se ao sofrimento. Doze anos mais tarde, decidem abrir de novo o coração e acolher no seu lar uma freira e seis meninas de um orfanato que ficou sem sede. Ficar ali, pelo menos de forma temporária é a única forma de manter as jovens juntas. O grupo é composto por adolescentes mais velhas que dificilmente serão adoptadas e meninas mais novas, onde se incluem Janice (Talitha Bateman) com mobilidade reduzida após cair vítima de um surto de poliomielite e a sua amiga inseparável Linda (Lulu Wilson). Janice é especialmente susceptível ao encanto de uma boneca de porcelana que encontra nas deambulações pela casa a que se encontra confinada. Apenas Linda se apercebe das mudanças que se operam na amiga.
David F. Sandberg manteve a abordagem que funcionou tão bem em “Lights Out”. Ele está no seu melhor nas cenas que envolvem muita escuridão ao mesmo tempo que manteve as convenções de “The Conjuring” que funcionaram com mais eficácia. Gary Dauberman escreveu o argumento dos dois "Annabelle", notando-se uma subida de qualidade na segunda parte que em muito se deve à nova escolha de realizador. Mas se existe um sinal de que ainda estão por vir muitos trabalhos interessantes de Dauberman, atente-se a “The Nun” e “It”, ambos com estreia em 2018.
O filme é um desfile de caras familiares ao universo de “The Conjuring” e do género de terror em geral. Sandberg foi buscar caras como Lulu Wulson que impressionou em “Ouija: Origin of Evil” (2016), Alicia Vela-Bailey a grande vilã de “Lights Out” ou Joseph Bishara, compositor de vários filmes da saga The Conjuring” e com uma apetência para interpretar o papel de demónios. Do elenco sobressaem Thalita e Lulu como actrizes de fazer envergonhar muito bom actor adulto com muito mais experiências que estas adolescentes, já que Lapaglia e Otto têm pouco que fazer.
Ao contrário de outras sagas que divergem de tom entre filmes, desde a banda-sonora até aos actores, este universo mantém-se fiel a si mesmo. Existe uma ideia de grande coesão desde os demónios aos jumpscares (yep, continua, a funcionar), o que significa que para quem não tenha apreciado os outros filmes da saga, “Annabelle: Creation” não constituirá a excepção. Uma pena porque o universo “The Conjuring” com todas as acusações de repetição dos clichés do género continua a ser uma das sagas mais interessantes e relevantes do panorama do cinema de terror americano dos últimos anos. Três estrelas e meia.
Realização: David F. Sandberg
Argumento: Gary Dauberman
Anthony LaPaglia como Samuel Mullins
Samara Lee como Bee
Miranda Otto como Esther Mullins
Lulu Wilson como Linda
Talitha Eliana Bateman como Janice
Stephanie Sigman como Irmã Charlotte
Mark Bramhall como Padre Massey
Grace Fulton como Carol
Philippa Coulthard como Nancy
Tayler Buck como Kate
Lou Lou Safran como Tierney

Próximo Filme: "Museum" (Myujiamu, 2016)
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