domingo, 23 de setembro de 2018

Notas de um Festival de Terror, Edição de 2018 - parte dois

“The Promise” (Puen… Tee Raluek, 2017) - Do argumentista do clássico “Shutter” (2004) e realizador repetente em diversas edições do Motelx (“Laddaland”, 2011 e “The Swimmers”, 2014), chega este filme sobre uma promessa que se mantém além da morte. Boum e Ib são duas adolescentes que vêem os seus sonhos destruídos após o grande crash financeiro de 1997. Para elas a bancarrota significa o fim da vida como a conhecem e decidem suicidar-se no edifício onde tinham acordado viver juntas durante a universidade. Enquanto Ib prossegue com o plano, Boum acobarda-se e torna-se anos depois uma empresária de sucesso com uma filha adolescente, a doce Bell de 14 anos. Entretanto, Ib mantém o intuito de que a promessa seja cumprida nem que isso signifique levar Bell no lugar da amiga para o outro mundo. Não sendo necessariamente original “The Promise” retoma a premissa de alguns filmes coreanos como “A Blood Pledge”, 2009 da série de filmes “Whispering Corridors”. Tem um dos jump scares mais desavergonhados mas eficazes do festivel. Nunca, garanto, nunca mais, vão olhar para as chamadas das vossas mães da mesma forma. “The Promise” utiliza de forma eficaz a crença buddista do Karma sem recorrer ao expediente habitual de exorcismos mas esquece o contexto económico-social para se convencionalizar numa estória de fantasmas. O elenco é competente e é palpável o seu desaproveitamento decorrente do abandono dessa linha narrativa. Demasiado longo torna-se por fim, quase tão penoso quanto a torrente permanente de lágrimas da actriz principal. Duas estrelas e meia.
Realização: Sophon Sakdaphisit
Argumento: Sopana Chaowiwatkul, Supalerk Ningsanond e Sophon Sakdaphisit
Bee Namthip como Boum
Apichaya Thongkham como Bell
Thunyaphat Pattarateerachaicharoen como jovem Boum
Panisara Rikulsurakan como Ib
Deuntem Salitul como mãe de Ib
Benjamin Joseph Varney como Aof


The Tokoloshe, 2018 – Busi (Petronella Tshuma), oriunda de um meio rural vem sozinha para a cidade de Johanesburgo. Ela está marcada por traumas do passado e a necessidade de ganhar dinheiro para remover a irmã daquele meio. Ela consegue emprego como auxiliar de limpezas no turno da noite num hospital quase deserto onde é observada pelo olhar depravado do diretor e possivelmente do Tokoloshe, um demónio originário do folclore zulu que persegue crianças. No hospital conhece Gracie (Kwande Nkosi) uma menina que é perseguida por uma força invisível decide salvá-la. Apesar de assentar numa mitologia desconhecida por grande parte do público Tokoloshe é mais interessante quando é dada ênfase aos monstros pessoais de Busi. O monstro acaba por ser o calcanhar de Aquiles num filme onde o sofrimento da mulher, em particular o da mulher africana é tão visivel. Em todos os personagens masculinos apenas um não tem um olhar invasivo sobre Busi, mas não há qualquer dúvida: ela é tudo menos fraca, ela persiste. Sabemos que houve um acontecimento traumático na juventude de Busi que a marcou e à irmã para sempre. O abuso não lhe é desconhecido pelo que quando o reconhece em Gracie não hesita em tentar salvá-la, no entanto a ligação entre o seu estado mental e a criatura podia ter sido melhor trabalhada. O acosso do monstro é uma alegoria (frágil) para o trauma e é possível traçar um paralelo entre a situação individual de Busi, uma jovem mulher sul-africana e a mulher africana em geral. Sempre uma lutadora e sempre vista como inferior pelo imaginário masculino. Um esforço ainda incipiente mas muito potencial neste novo realizador. Duas estrelas.
Realizador: Jerome Pikwane
Argumento: Richard Kunzmann e Jerome Pikwane
Petronella Tshuma como Busi
Kwande Nkosi como Gracie
Dawid Minnaar como Ruatomin
Harriet Manamela como Ma Zondi
Mandla Shongwe como Baba Zondi
Yule Masiteng como Abel
Coco Merckel como Jakes
Leiden Colbet como Rosie


Pledge, 2018 – Justin, David e Ethan são três estudantes universitários desesperados por se integrarem numa fraternidade. Com competências sociais reduzidas a nulas, integrar uma fraternidade é a única forma de conseguir miúdas e consumir níveis lendários de álcool nas melhores festas dos anos de universidade. Depois de serem recusados por diversas fraternidades são convidados para uma misteriosa casa com ideais espartanos que os aceita como candidatos. Para passarem à fase seguinte terão de passar por uma série de provas questionáveis.  Até onde estão dispostos a ir para ter os melhores anos das suas vidas? “Pledge” é um híbrido de “American Pie” com fraternidades malévolas que vai beber ao subgénero torture porn na sua vertente mais light. Este filme tenta demonstrar a submissão e até dormência da maioria a uns tantos que têm tudo menos os seus principais interesses em mente. A tortura física e psicológica é aceitável e até dada como adquirida por todos pelo desejo de uma recompensa distante. “Pledge” tenta ser um retrato patético do mundo das praxes e da sociedade em geral. Há grupos de pessoas dispostas a sofrer humilhações gritantes para serem acolhidas por uma minoria dominante que nunca os vai respeitar. E quem decide o que são falhados e casos de sucesso? É ser um falhado ter boas notas mesmo que as competências sociais não sejam as melhores? Invertidos os papéis também não podemos ter a certeza de que os subjugados iam ter pudor em tornar-se agressores. A reflexão é demasiado rápida e termina exactamente onde se inicia: no deboche da carnificina. Fica-se pelas boas intenções e destas está o inferno cheio. Estrela e meia.

Realização: Daniel Robbins
Argumento: Zack Weiner
Zachery Byrd como Justin
Phillip Andre Botello como Ethan
Aaron Dalla Villa como Max
Zack Weiner como David
Erica Boozer como Rachel
Cameron Cowperthwaite como Ricky
Jesse Pimentel como Bret
Jean-Louis Droulers como Sam
Joe Gallagher como Ben

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segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Notas de um Festival de Terror, Edição de 2018 - parte um

“Cutterhead”, 2018

Rie foi contratada para documentar escavações do metro de Copenhaga. Este é um projecto de cariz internacional e Rie acompanha os trabalhadores para captar esse lado: a grandiosidade do sonho europeu. As primeiras abordagens encontram-se um pouco aquém d desejado dado que o que encontra são trabalhadores que fazem um trabalho muito duro e perigoso para ganhar dinheiro para alimentar as suas famílias. Durante o decorrer dos trabalhos há um acidente e Rie acaba por ficar presa dentro de uma câmara hiperbárica com os trabalhadores Ivo e Bharan da Croácia e da Eritreia. Juntos terão de ultrapassar o pânico, o espaço confinado, o calor, o desconhecido e tomar as decisões mais importantes das suas vidas.“Cutterhead” é muito possivelmente um dos filmes mais claustrofóbicos desde “The Descent” (2005). Os personagens deste filme dinamarquês conhecem-se mal ou mal foram apresentados não existindo uma camaradagem e o espirito de entreajuda existente naquele clássico. “Cutterhead” não perde demasiado tempo com máscaras. As personagens são imperfeitas e até desagradáveis. A pressão da situação faz sobressair o melhor e o pior dentro de si para que conseguiam sobreviver. Se uma equipa de resgate não chegar a tempo quem merece mais viver? Como aguentar tantas horas com desconhecidos, mantendo a visão optimista de que poderão sobreviver quando nem sequer sabem se a equipa de resgate tem conhecimento de que estão vivos? Exercício muito interessante sobre a natureza humana e o seu espírito de auto-preservação. É uma visão negativa do humano e dos seus pontos de pressão. Em última análise mesmo o mais justo poderá tornar-se um pecador, apenas depende da situação. Traz também algumas implicações como o facto de caso os personagens conseguiam sobreviver terão de lidar com as suas acções naquele período difícil. Duas estrelas e meia.
Realizador: Rasmus Kloster Bro
Argumento: Rasmus Kloster Bro e Mikkel Bak Sørensen
Kresimir Mikic como Ivo
Samson Semere como Bharan
Christine Sønderris como Rie


“One cut of the dead” (Kamera o tomeru na!, 2017)

Produtores de um novo canal de televisão contratam um realizador desconhecido para a dirigir o programa de estreia da grande première do canal. O objectivo é exibir em directo um filme de zombies realizado num único corte. “One cut of the dead” é um filme com diversas camadas. É uma sequência de 37 minutos que consiste na comédia zombie “One Cut of Dead” que é feita num único corte, isto é, um filme dentro do filme e é ainda uma abordagem meta ao mundo do cinema com todas as suas idiossincracias ao acompanhar os bastidores da realização daquela sequência. É muito interessante acompanhar o argumento da estória bem como todos os respetivos acidentes de percurso. Aquela parte invisível que é capaz de ditar o sucesso ou o desastre do filme. Entre estas encontram-se o actor que pensa que é a estrela à volta da qual o filme se desenvolve, actores incapazes de separar a vida pessoal da profissional, o realizador que pretende mostrar ser um profissional sério e criativo mas acaba por ser um capacho tarefeiro dos produtores ou o convencional actor-método. “One cut of the dead” menos sobre zombies do que sobre cinema. Os amantes de cinema vão adorá-lo, mas argumento é inteligente e divertido o suficiente para não só não alienar o resto do público como o atrair. Muito provavelmente - perdoem-me a aposta - o filme mais divertido da edição de 2018 do #motelx e sim, estou a excluir o musical de comédia zombie em pleno Natal que dá pelo nome de “Anna & the Apocalypse” e ainda um dos melhores do certame de 2018. O público concordou tendo-lhe atribuído o seu Prémio para a presente edição. Quatro estrelas e meia.
Realização: Shinichiro Ueda
Argumento: Shinichiro Ueda
Takayuki Hamatsu como Director Higurashi
Yuzuki Akiyama como Chinatsu
Harumi Shuhama como Nao
Kazuaki Nagaya como Ko
Hiroshi Ichihara como Kasahara
Mao como Mao


“Satan’s Slaves” (Pengabdi Setan, 2017)

De Joko Anwar, realizador já conhecido nas lides do Motelx com o seu “Forbidden Door” (2009) é uma incursão nas estórias de fantasmas. Decorre nos anos 80, na pior altura da vida uma família: a morte de uma mãe. Após alguns anos de paralisia e alheamento do mundo Mawarni (Mayu Laksmi) morre deixando o marido, 4 filhos e a sogra. Desde o seu falecimento que os filhos, os mais novos sobretudo têm sentido uma presença estranha, como se a alma inquieta da sua mãe não tivesse chegado a abandonar a casa. O pai toma a decisão de partir durante algum tempo para os sustentar e impedir que percam a casa deixando os filhos entregues a si próprios, sob a liderança da filha mais velha Rini (Tara Basro). É nessa altura de fragilidade extrema que se faz acentuar a suspeita de assombração bem como surgem os fantasmas do passado. Se não totalmente original é pelo menos competente fazendo lembrar em certa medida as sagas “Insidious” e “Annabelle”, nos fortes laços familiares; no lar que seria o local mais seguro como ponto focal da assombração e nos jump scares. Onde os anteriores se apoiam no catolicismo, “Satan’s Slaves” tem um foco claro no islão, uma abordagem refrescante num género saturado pela já por demais conhecida iconografia católica ocidental. Se a dupla de irmãos mais velhos serve o papel de condução de investigação pelos meandros do oculto e do passado negro da família é a dupla menor, Bondi (Nasar Annuz) e Ian (M. Adhiyat) que impressiona na interpretação credível de irmãos, nas sequências mais aterradores, como também no alívio cómico. Precisava porventura de limar algumas arestas, como o corte de cenas desnecessárias como a final e que conta até com uma breve aparição de Fachry Albar, estrela de “Forbidden Door”. Três estrelas.
Realização: Joko Anwar
Argumento: Joko Anwar, Sisworo Gautama Putra, Naryono Prayitno, Subagio S. e Imam Tantowi
Bront Palarae como Pai
Tara Basro como Rini
Endy Arfian como Tony
Dimas Aditya como Hendra
Nasar Annuz como Bondi
M. Adhiyat como Ian
Ayu Laksmi como Mãe
Egy Fedly como Budiman
Arswendi Nasution como Ustadz
Elly D. Luthan como Avó

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