quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

"Black Coal, Thin Ice" (Bai ri yan huo, 2014)


Celebrado pela boa qualidade enquanto espécimen do neo-noir, assemelha-se a um dos mais próximos retratos da China industrial que se viu nos últimos anos em filme.

Esta é a China do segundo sector, do crescimento rápido e sem qualquer atenção pela qualidade de vida. Estamos em 1999, e é encontrado numa fábrica transformadora de carvão é encontrado um membro humano. Ali perto, é encontrada o documento de identificação que corresponde a Liang (Wang Xuebing), um trabalhador que não aparecia há algum tempo. O detective Zhang (Liao Fan) é destacado para o caso. Seguindo uma pista, ele em conjunto com outros colegas vai interrogar um suspeito mas a entrevista corre da pior forma possível. Misto de incúria e arrogância da polícia desenrola-se um tiroteio, ao qual apenas sobrevivem Zhang e o colega Wang (Yu Ailei). Com a carreira e casamento arruinados, Zhang entrega-se ao álcool e ao trabalho com segurança. À viúva de Liang, Wu (Lun Mei Gwei) são entregues as cinzas. O caso é enterrado. Eis que cinco anos depois, começam a surgir de modo idêntico, membros de corpos no meio de carregamentos de carvão por toda a região. Zhang alia-se ao colega para resolver em definitivo o caso e reavivar a chance de um regresso à carreira policial. Tendo ligação a Wu a misteriosa viúva de Liang, Zhang fica convencido que nela se encontra a resolução do caso e começa a segui-la.

“Black Coal Thin Ice” é um filme difícil já que ali nada há de sonho ou de encantador. Entre a aridez poluída da mina de carvão e o ar gélido com queda de neve constante, que se sente até às entranhas, não existe um único elemento de conforto. Nem ninguém é feliz. E se aparentar tal coisa, ainda mais rápido lhe cai a máscara. Subsiste uma aura de resignação e condenação. A ideia de que estas foram as cartas que o destino traçou e é com estas que os personagens terão de se governar está permanente durante todo o filme. Não existe nada mais do que a realidade que conhecem.
Para a viúva Wu, jovem, bonita e inteligente, não há a possibilidade de aspirar a mais do que a pequena lavandaria de bairro ou de pensar num segundo matrimónio. Não faz parte do seu plano de vida. Não dá para ver tão longe. Não dá para ver mais longe além da neve que cai. De igual modo Zhang era a profissão e a relação que tinha e lhe foram retirados. Sem eles sobrevive. Sem eles não há mais nada. A resolução dos casos encontra-se num segundo plano, abaixo das intenções egoístas dos seus protagonistas. Em particular, no caso de Zhang, um meio para um fim. “Black Coal Think Ice” não vai muito além do rótulo de neo-noir. Os papéis estão bem definidos. Wu é a femme Fatale, Zhang é o detective anti-herói. Esta última personagem é também a mais divisiva, já que ele comete demasiados erros, que vão desde o desleixo até uma incapacidade quase primitiva de juntar alguns factos. Ser polícia pode estar-lhe no sangue, as capacidades inquisitivas nem tanto. Digamos que não é nenhum Humphrey Bogart. Quanto ao mistério, esse, não é excessivamente complicado se retirarmos parte do jogo do gato e do rato entre os dois protagonistas e uma narrativa que tende a complexificar-se, para esconder o facto de que a verdade é afinal simples. Com 106 minutos de duração “Black Coal Thin Ice” consegue parecer tão longo quanto um filme que complete as duas horas. Aí reside porventura o seu maior problema, tentar parecer mais complexo do que o é ao invés de se focar naquilo que o tornou interessante desde o início, um descendente directo do género noir tendo por cenário a China industrializada do séc. XXI e as suas idiossincrasias. Três estrelas.

Realização: Diao Yinan
Argumento: Diao Yinan
Liao Fan como Zhang Zili
Gwei Lun-Mei como Wu Zhizhen
Wang Xuebing como Liang Zhijun
Yu Ailei como Wang

Próximo Filme: "Haunted Universities" (Mahalai Sayongkwan, 2009)

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

"Nightmare Detective" (Akumu Tantei, 2006)



Shinya Tsukamoto, realizador conhecido por ter alguns clássicos de culto no currículo incluído o incontornável filme do subgénero cyberpunk “Tetsuo” (1989) e a respetiva sequela, ou o drama erótico (experimental?! Diria que em qualquer filme de Tsukamoto a experiência é uma constante) “A Snake of June” (2002), retoma a sua abordagem pouco convencional num mistério detectivesco.

Em Tóquio, ocorrem num curto espaço de tempo, duas mortes brutais por esfaqueamento. Numa primeira análise, as condições em que sucederam, como o facto de os apartamentos onde foram encontrados os corpos se encontrarem fechados por dentro, fariam crer à força policial que esta estaria perante casos de suicídio. Um erro negligente e amador para Keiko Kirishima (Hitomi) uma inteligente mas inexperiente detective no terreno, que foi transferida há muito pouco tempo para aquela esquadra. A reprovação e desrespeito pela senioridade dos colegas em conjugação pela reacção de choque ao visionar os cenários macabros do crime, granjeiam-lhe a desconfiança dos colegas Ishida (Ren Osugi) e Wakamiya (Masanobu Ando) e a desvalorização das capacidades que o seu currículo ostenta. É a cabeça fria porém que lhe diz que existe algo mais por trás de mortes tão aparatosas. Os suicídios foram grotescos, por que não escolher formas mais rápidas e indolores de provocar a própria morte? Se a morte foi voluntária porque é que em ambos os casos há relatos de pedidos de ajuda ou de agonia não deliberada? Por fim, ambas as vítimas marcaram o número 0 antes da morte? Estarão perante um culto suicida ou porventura, um anjo da morte? Estas e outras interrogações levam a investigação policial por caminhos nunca trilhados no campo dos sonhos e que são a todo o momento questionados pelos detectives mais racionais. A investigação conduz Keiko a Kyoichi Kagenuma (Ryuhei Matsuda), um homem atormentado de quem se diz possuir a capacidade de mergulhar nos sonhos de terceiros. Entretanto e, a bem do velho método policial continua uma investigação paralela com diligências mais convencionais.


Se a premissa já parece intrigante o facto de ter o nome de Shinya Tsukamoto associado é a confirmação de que “Nightmare Detective” não é o thriller policial típico. É aliás, o ambiente natural para Tsukamoto se exibir em todo o seu esplendor. Ele é obsessivo no que respeita ao mundo onírico. Quase todos os seus filmes têm uma ou mais sequências de sonho e flashbacks.
As bizarrias, fetiches e pecados imaginários ou passados podem ser resgatados na psique dos personagens desta forma. Sem se tornarem repetitivas, as cenas são tão características do trabalho do realizador que por vezes, pode até aparentar que elas foram idealizadas em primeiro lugar na sua mente e só numa fase posterior se desenhou o remanescente da estória. Elas constituem ainda momentos surrealistas que em muito fazem lembrar realizadores como David Lynch. No caso de “Nightmare Detective” será porventura mais fácil descortinar o significado por trás da imagética pois que este, apesar de tão distintivo do realizador é uma versão mais acessível e comercial da sua filmografia. Ele próprio surge como uma personagem fulcral na narrativa, pois que ele gosta de imergir nos seus próprios filmes através da interpretação de personagens – sem qualquer vestígio de surpresa –, quanto mais bizarras melhor. A premissa de “Nightmare Detective” conduz a algumas semelhanças óbvias com “Nightmare in Elm Street” contudo, é bem mais difícil de rotular, encontrando-se mais próximo do thriller que do género de terror. É representativo do trabalho do realizador sem se tornar pretencioso e é uma lufada de ar fresco para os mistérios detectivescos em geral. Temos aqui um bom ponto de partida para um franchise de sucesso. Três estrelas.


Realização: Shin'ya Tsukamoto
Argumento: Hisakatsu Kuroki e Shin'ya Tsukamoto
Ryûhei Matsuda como Kyoichi Kagenuma
Hitomi como Keiko Kirishima
Masanobu Andô como Detective Wakamiya
Ren Ohsugi como Detective Sekiya
Yoshio Harada como Keizo Oishi

Próximo Filme: "Black Coal, Thin Ice" (Bai ri yan huo, 2014)

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

"Tickled" (2016)



David Farrier é um jornalista neozelandês daqueles que se vê à distância que nasceram para o ofício. Ele apresenta-se como um jornalista de sucesso, perspicaz e com uma sede de conhecer e de saber. Quanto mais bizarro melhor que ele adora desafios. Um dia, cruza-se com um vídeo insólito que retrata um suposto “Campeonato de Endurance de Cócegas”. Nele, jovens de aspecto másculo encontram-se deitados e amarrados a uma cama e são sujeitos a uma sessão de tortura, perdão, cócegas por outros jovens de físico igualmente atlético. Intrigado pelo seu conteúdo divertido Farrier contacta a empresa que o produziu. De uma interpelação inofensiva surge uma resposta rápida e agressiva. A empresa faz saber a Farrier que ele não é o tipo de pessoa com que a empresa se quer associar e que ele é homossexual… algo aparentemente muito ofensivo para uma empresa que faz vídeos com um conteúdo homoerótico?! “Alguém que me explique que eu não percebo”, ou assim ficou Farrier, cujas sirenes de curiosidade mórbida jornalística se acenderam dentro da sua cabeça de tal forma ruidosas que se tornou imperativo compreender o que encontrava por trás de reacção tão extemporânea. O que se segue é um dos momentos mais surreais em forma de documentário de 2016, à medida que uma manifestação de curiosidade natural se transforma uma investigação jornalística real, que vai ultrapassando e demolindo rótulos.
 “Tickled” está menos para a forma que para o conteúdo. A bem dizer, há um pequeno conjunto de cenas inseridas na pós-produção que demonstram uma verdadeira reflexão crítica sobre o conteúdo, como um momento da vida animal, em que um predador desfere o ataque de vitória contra a sua presa indefesa. Esta cena que poderá parecer no imediato uma inserção aleatória mas é tudo menos fortuita. Reflecte de modo simples e eficaz aquilo de que “Tickled” aborda. O interminável mundo da internet tem tanto de admirável como de perverso e facilmente se pode cair no lado errado da rede. Onde “Catfish” explorava as máscaras que se usam nas redes sociais, onde qualquer um pode interpretar uma personagem qualquer e dela fazer uso para manipular as emoções amorosas de outrem, “Tickled” esconde um outro tipo de corrupção.  Aquela em que o dinheiro, uma boa educação e uma ausência de consequências duras sob a protecção do manto dos perfis online, permitem que se tire partido de terceiros, enxovalhá-los e perpetuar mentiras numa internet onde os mitos viram verdade à velocidade de um clique e nada, mas mesmo nada é esquecido. Farrier é um dos raros ratos de laboratório que se recusa em conjunto com o produtor Dylan Reeve a deixar-se vergar por ataques pessoais e ameaças legais constantes para expôr factos muito mais assustadores que um mero fetiche. Este documentário que se inicia como uma comédia light, transita para a comédia negra com a leveza de uma pena e conclui como uma das experiências mais aterrorizadoras em documentário do ano, talvez porque assente na realidade. Aquando do término do visionamento de “Tickled” o “Campeonato de Endurance de Cócegas” vai constituir um pensamento distante. Por oposição, vai perdurar uma sensação de desconforto porque mesmo quando as respostas são encontradas e colocadas a descoberto, o facto é que os danos provocados são já grandes demais para remediar e a internet é demasiado vasta para nos garantir que não estão a suceder situações de injustiça similares neste preciso momento…



Realização: David Farrier e Dylan Reeve

NOTA: Texto publicado originalmente aqui.

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Colaborações #7


A melhor coisa, (vide quase inactividade deste blogue), nos últimos tempos foi dar o mote de abertura para o fantástico ciclo "Fantasmas do antigo Japão", na Janela Encantada, sobre alguns dos essenciais da época dourada do cinema japonês, nomeadamente nos anos 50 e 60. E o melhor de tudo? Estes continuam, não só a manter-se magicamente actuais como assombrosos. Podem aprender alguma coisa. Eu sei que aprendi.


domingo, 2 de outubro de 2016

"The Wailing" (2016)



“The Wailing” (Goksung) é o mais recente colosso de Hong-jin Na, o ainda jovem realizador de “The Chaser” (2008) e “The Yellow Sea” (2010), que integram – e digo isto sem qualquer pingo de hesitação –, o leque de melhores filmes dos anos em que estrearam. Tal como os filmes que lhe precederam, “The Wailing” é longo e moroso mas nunca cansativo. Uma película mais do que respeitável para o segundo dia de arranque do Motelx.


“The Wailing” segue o padrão dos trabalhos prévios de Hong-jin Na na sugestão de mistério/thriller policial, mas dá uma viragem brusca para o campo do metafísico, sem perder a tensão crescente que lhes foi tão característica. Enquanto “The Chaser” se focava em duras e longas cenas de perseguição por vielas labirínticas, “The Wailing” mantém-nos agarrados à cadeira através de cenas tais como a de um ritual xamânico, qual luta eterna do bem contra mal, em que bom e vilão empregam toda a sua fisicalidade para tomar posse do corpo de uma garotinha ou a conseguir das garras do mal. O efeito é alcançado mediante a intermediação das cenas de ambos os ritos, aumento exponencial do volume, bem como do aumento dos níveis de intensidade no desempenho dos actores. O elenco é vasto e sólido, sem elos fracos. Cada personagem tem uma palavra a dizer, uma expressão a acrescentar, mesmo que subtil, para o resultado final. Do lado dos “inocentes” temos um Do-won Kwak que encarna na perfeição o polícia tolo e ineficaz tantas vezes retratado no cinema coreano. A inacção e completa incompetência são exasperantes, no entanto, é impossível não simpatizar com o seu desespero enquanto pai que teme perder a sua cria em circunstâncias que nem sequer compreende quanto mais controlar. Também está a seu cargo a maioria das cenas cómicas, que se vem a verificar não serem mais do que uma artimanha para criar uma falsa sensação de conforto inicial. Já a pequena Hwan-hee tem um desempenho de gente grande, no papel de Hyo-jin, a filha de Jong-goo parecendo ela própria, por vezes, mais adulta que os que a rodeiam. É ela a Linda Blair deste “The Wailing” mas sem o apoio do departamento de caracterização.

O misticismo em todo o seu fulgor é canalizado por Jung-min Hwang, Jun Kunimura e Chun-woo Hee, os únicos que parecem saber o que se encontra na base dos incidentes terríveis em Goksung e também aparentam, em simultâneo, estar determinados em esconder o que sabem. Hwang é irrepreensível no sempre difícil papel de “sacerdote” que seria fácil ridiculizar através de uma cena de “exorcismo” mal conseguida. Já Jun Kunimura tem o ingrato papel do “Japonês”, como é tratado pela população pequenina e mesquinha, sabendo de antemão que a escravidão e abusos sobre o povo coreano, na sequência de sucessivas invasões japonesas, constituem crimes de guerra não esquecidos e certamente não perdoados que persistem até aos dias de hoje, sobretudo nos episódios de disputas de ilhas entre os países. O argumento alimenta-se desta rivalidade e preconceito, tema que já tinha sido explorada numa perspectiva diferente, entre os povos chinês, sul e norte-coreano, em “The Yellow Sea”. Esta abordagem torna mais fácil compreender o porquê da facilidade em apontar a culpabilidade do japonês, aliado à desconfiança de povoações pequenas perante os “que não são de cá”. Woo-hee Chun é quem tem talvez menos que fazer mas ainda assim tem uma presença marcante. As vestes, ritos e respostas enigmáticas destes personagens, estão repletas de pistas para as quais a atenção é essencial, ainda que, ao final da segunda hora de filme se torne óbvio que as respostas não serão fáceis. A dificuldade na sua obtenção e a possibilidade de diferentes interpretações pode ser motivo de cólera para alguns mas numa época onde a celebração da mediocridade é cada vez mais banal, um “The Wailing” que se sente confortável pululando entre géneros é porventura um dos momentos cinematográficos mais refrescantes de 2016. Quatro estrelas.
Realização: Hong-jin Na
Argumento: Hong-jin Na
Do-Won Kwak como Joong-goo
Jung-Min Hwang como Il-Gwang
Jun Kunimura como "O Japonês"
Woo-Hee Chun como Moong-myeong
Hwan-Hee Kim como Hyo-Jin

NOTA: Texto publicado originalmente aqui.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

"Election" (Hak se wui, 2005)


De dois em dois anos a tríade Wo Shing passa por um período de eleições para escolher o seu líder máximo. Acerca-se um novo de período de eleições e os membros seniores da Wo Shing acomodados que estão nas suas regras e rituais não pensam candidatar-se. Também é verdade que não estão mais perto de encontrar um novo líder. É altura de entrar sangue novo e as opiniões dividem-se entre Lok (Simon Yam) e Big D (Tony Leung Ka Fai). Lok é calmo e reservado, dir-se-ia mesmo sonso, não fosse ele um assassino frio e calculista que gostava de analisar todas as jogadas antes de decidir o curso de acção. Big D é o oposto. Espalhafatoso e possuidor de confiança excessiva, ele acredita que estão todos abaixo dele o que gosta de demonstrar por via do sadismo. Se por um lado está disposto a tudo para a Wo Shing triunfar por entre todas as sociedades criminosas e, sobretudo ele, reinar, por outro é a característica que o torna vulnerável a cometer o tipo de erros de impulsividade que costumam granjear muitos inimigos. São tidas reuniões, são feitos subornos e são tidas ainda mais reuniões. Uma decisão é tomada. Mas convém não esquecer um importante pormenor. Os anciões da tríade são organizados mas acima de tudo dão valor à tradição. O vencedor, para se legitimar terá de possuir um bastão centenário que pertenceu aos diversos chefes. Quem o obtiver será reconhecido por todos como o Grande Líder. Desencadeia-se então uma luta entre as facções e os seus seguidores para conseguir o símbolo máximo de poder.

É comum fazer-se uma associação imediata à extrema violência à mera menção da palavra máfia mas “Election” é tão enganador como os seus predecessores. Conduzido com a mão sábia de Johnnie To que tem um vasto currículo no retrato dos estilos de vida à margem da lei, “Election” concentra-se mais nas maquinações das tríades chinesas que na sua brutalidade mesmo que esta quando surja seja marcante. A título de exemplo, um leal lacaio mastiga pedaços de porcelana a mando do chefe…
A maioria do elenco, quase na totalidade do sexo masculino, são homens de meia-idade, práticos e capitalistas. Não fosse a natureza dos assuntos com que lidam e quase se poderia olhar para estes como legítimos homens de negócios. No fundo, tudo é passível de ser transformado num negócio desde que se seja amoral. Com alguns dos meninos bonitos do cinema chinês como Louis Koo (Jimmy) e Nick Cheung (Jet) é de estranhar quão pouco estes são utilizados. Eles ostentam nas poucas cenas em que surgem carisma suficiente para se querer saber mais sobre os seus personagens que se revelam, aliás, os poucos idealistas ou bandidos por vocação num filme onde predomina o cinismo. Entra ainda em acção a força policial, como que para nos fazer recordar quem é que é o bom da fita. Ela está no entanto, condenada a um plano secundário num enredo onde já existem demasiados actores secundários. Talvez fosse mesmo essa a ideia dos argumentistas, demonstrar como estas sociedades são enormes, como existem demasiados intervenientes a considerar e, assim, se torna difícil distingui-los. A película perde talvez o potencial de encanto após abandonar o engenho em detrimento da caça ao homem, ou melhor, ao bastão mítico, altura em que se torna mais convencional. Curiosamente, uma crítica que não se lhe pode apontar e não costuma ser habitual em filmes sobre a máfia (chinesa, italiana ou japonesa) é que é demasiado curto.
Após um período de acalmia, o fim vem rápido e furioso, com os dois melhores actores em cena a comprovar aquilo que já se dizia sobre os seus personagens. Aquele é um negócio sujo e mesmo sobre um clima de calma aparente, os bandidos não conseguem negar a sua natureza. Três estrelas.

Realização: Johnnie To
Argumento: Nai-Hoi Yau e Tin-Shing Yip
Simon Yam como Lok
Tony Ka Fai Leung como Big D
Louis Koo como Jimmy
Nick Cheung como Jet
Ka Tung Lam como Kun
Siu-Fai como Sr. So
Suet Lam como Big Head
Tian-Lin Wang como Uncle Teng
Bing-Man Tam Uncle Cocky
Maggie Siu como Senhora Big D
David Chiang Chefe Superintendente Hui

Próximo filme: "Nightmare Detective" (Akumu Tantei, 2006)

domingo, 17 de julho de 2016

"Kikujiro" (Kikujirô no natsu, 1999)


Foi senhor de um castelo que a cada episódio era alvo de uma invasão (“Takeshi’s Castle”, 1986-1990); um samurai louro e cego que lutava contra a injustiça (“The Blind Swordsman: Zatoichi”, 2003) e um gangster impiedoso num mundo de sucessivas traições (“Outrage”, 2010). O homem dos sete ofícios e mil talentos Takeshi Kitano deve ter encarado “Kikujiro” com naturalidade. Escreveu, realizou e encarnou o personagem (adulto) principal e apresentou, em simultâneo, mais uma personagem diferenciada e no entanto reconhecível para os que conhecem o seu trabalho e que por ele o amam e detestam em igual medida.

Em “Kikujiro” avizinha-se um Verão aborrecido para o pequeno Masao (Yusuke Sekiguchi), uma criança adorável mas socialmente desajeitada, habituada a longos períodos de solidão. O melhor e talvez único amigo, irá passar o Verão fora com os pais e Masao não tem com quem brincar. Também os treinos de basebol estão suspensos até ao início da escola. Ele vive apenas com a avó, mas nem esta lhe pode valer já que trabalha durante o dia, deixando-lhe as refeições preparadas para as horas em que não está em casa. Um dia encontra por acaso uma fotografia da mãe que não vê desde bebé. Temendo a reacção da avó e movido pela curiosidade decide partir sozinho à sua revelia para reencontrar e porventura voltar a viver com a mãe qual conto de fadas. A caminho da “fuga” planeada é interceptado por uma vizinha que se compadece dele e obriga o marido (Takeshi Kitano) a acompanhá-lo. Para o homem é uma oportunidade de passar uns dias sem a mulher mandona e aproveitar para gozar os prazeres da vida em paz. Levar à Masao a conhecer a mãe não faz de todo parte dos seus planos. Para a vizinha, desconfia-se, é apenas uma oportunidade de manter o marido na linha através da imposição de uma criança.
“Kikujiro” retrata as aventuras da criança e de um gangster através do Japão numa busca em torno do sonho inocente de Masao, mais do quea crescente relação de cumplicidade entre os dois. Filmado no estilo descontraído inconfundível de Kitano os acontecimentos sucedem-se com vagar desde a atitude negligente do gangster em cuidar de Masao às tentativas deste para sensibilizar o acompanhante que lhe foi imposto a ajudá-lo a cumprir aquela missão tão pessoal. “Kikujiro” é um trabalho estranho e desequilibrado. O que parece um feel-good movie torna-se afinal numa comédia negra quando se tocam em temas bem adultos como o jogo, vício, roubo, abandono ou a pedofilia. Se bem que não tenho a certeza de que o objectivo de fazer rir tivesse sido alcançado na totalidade. É antes um roadmovie com elementos de tragicomédia, nomeadamente durante uma sequência prolongada em que todos os adultos, ao dispor do pequeno Masao, desdobram-se em jogos de crianças para o animar. Como se a brincadeira o reparasse pelas experiências traumáticas porque passou durante a viagem. Se os jogos são giros, acho difícil quem quer que seja negá-lo, tenho todas as duvidas de que este momento devesse constar no filme, pelo menos de modo prolongado como se apresenta. Cinco minutos a menos não lhe fariam mal. A magia dos adultos que tentam fazer uma criança rir também acaba por ser manchada pelo facto de dois deles sofrerem de bullying por parte do gangster para se sujeitarem a tais comportamentos. Se este é um filme sobre o valor da amizade que pretende de algum modo indicar que se consegue encontrar alegria nos momentos mais negros, a verdade é que algumas atitudes do gangster são mesmo muito questionáveis em termos morais. Desde comportamentos desadequados para se ter à frente de uma criança, a usá-lo para a concretização de expedientes criminosos, vale tudo. Como apoiar alguém cuja moral inclui a despreocupação com o bem-estar de terceiros? A própria criança é influenciada de modo negativo pelo gangster a despeito de se tornar cada vez mais assertivo a cada novo desafio. Irrepreensível só mesmo Joe Hisaishi, o grande mestre das composições musicais para o cinema de animação mas não só que lhe confere uma aura refrescante ainda que “Kikujiro” seja tudo menos light. Se a composição de Hisaishi não vos comover são uns bastardos sem coração. Apesar de tudo, não seria má ideia Kitano passar mais tempo a ver comédias e filmes de animação. Esteve quase lá. Duas estrelas e meia.


Realização: Takeshi Kitano
Argumento: Takeshi Kitano
Takeshi Kitano como Kikujiro 
Yusuke Sekiguchi como Masao
Kayoko Kishimoto como Mulher do Kikujiro

Próximo Filme: "Election" (Akumu Tantei, 2006)

segunda-feira, 13 de junho de 2016

“MONSTRA – A colheita de 2016” – FIM


“When Marnie was There” ou como o estúdio Ghibli ter anunciado que esta seria a sua última longa de animação anulou o facto de esta ser uma obra inferior ao que os fãs do estúdio estão habituados. Sim, eu acabei de admitir que “Marnie” é uma obra menor do estúdio Ghibli. Deixem a informação assentar. Confesso-me culpada de suspeitar que o próprio estúdio sabia que esta longa deixava algo a desejar e que o anúncio do fim do Ghibli como o conhecemos terá sido avançado para precipitar bons resultados de bilheteira, bem como fazer desvanecer quaisquer dúvidas levantadas pelas primeiras críticas. Esta notícia não será inteiramente surpreendentemente se pensarmos que o realizador Hiromasa Yonebayashi é o realizador de uma das obras menos fortes do estúdio: “The Secret World of Arriety” (2014).


É certo que “When Marnie was There” foi vencedor do Grande Prémio MONSTRA e que foi nomeado para o Óscar de melhor filme animado na 88ª Edição do certame mas, se por esta altura ainda sentem vontade de discutir porque é que um filme nomeado para os Óscares é muito bom, não tenho tempo nem energia para dissertar as vossas fantasias. Mesmo na MONSTRA foi aparente que o filme não foi consensual, não tendo reunido os Prémios do Público (April and the Extraordinary World), Melhor Filme para a Infância e Juventude (“Phantom Boy”) ou o Prémio Especial do Júri (“Little from the Fish Shop”).

“When Marnie was There” é mais uma estória sobre as dores do crescimento mas sem a magia a que Ghibli já nos tinha habituado. Anna Sasaki (Sara Takatsuki) é uma pré-adolescente demasiado consciente de que é diferente dos seus pares. Ela tem olhos azuis, raros entre a população japonesa, que não consegue explicar pois nunca conheceu os pais biológicos e o casal adoptivo que a cria não se mostra receptivo a contar-lhe a sua história. Sentido perante a sua situação um desconforto latente cada vez mais intolerável Anna começa a sentir uma cisão entre ela e a mãe adoptiva Yoriko que apenas aumenta quando descobre que o casal recebe dinheiro para a criar. Jovem demais para compreender os contornos da situação sente que não é amada. Ela fora apenas um bebé estranho, vendido para que outros criassem. A saúde débil e a súbita revelação levam-na a ter um ataque de asma e a mãe, preocupada, decide enviá-la para o campo para recuperar. Lá depara-se com gentes acolhedoras e um cenário bucólico marcado por uma mansão gigante delapidada que exerce uma atracção estranha sobre ela. A curiosidade de Anna empurra-a para mansão onde conhece Marnie (Kasumi Arimura) uma jovem de aspecto estrangeiro e com a mesma idade que rapidamente se torna a sua melhor amiga e confidente.


Com pouco mais de 100 minutos “When Marnie was There” mais parecem duas horas de eventos mal distribuídos e pouco ou nada explicados. Se películas anteriores eram com mais clareza juvenis, desde a “The Tale of the Princess Kaguya” (2013) e “The Wind Rises” (2013) que o estúdio se tem orientado para faixas etárias mais maduras. “Marnie” não é excepção. A pequenada exposta a esta animação arrisca-se a apanhar um aborrecimento de morte, enquanto os adultos vão ser deixados a apanhar pedacinhos de pistas para compreender uma estória que ora não desenvolve ora avança a uma velocidade vertiginosa. Os avanços e recuos seriam desnecessários se não fosse perdida mais de uma hora em acontecimentos quase triviais. Também parece existir uma brincadeira com as memórias e percepções de Anna que não são concretizadas da melhor forma. Marnie apenas interage com Anna mas esta não se importa ou questiona os súbitos aparecimentos e desaparecimentos desta, tal é o frágil estado emocional. Anna só quer pertencer a algum lado e nenhum outro se sente tão segura como quando está com Marnie. No entanto, esta pode não se encontrar no mesmo plano que ela, tornando-se até perigoso para Anna quando esta descura a sua própria segurança para estar com a nova amiga. Mas até esta, vem Anna a descobrir tem uma vida trágica que a leva a reflectir não só sobre o que não possui como o que de facto tem. “When Marnie was there” afigura-se uma aposta arriscada mas acaba por gorar as expectativas iniciais trilhando caminhos familiares e inofensivos até. “Marnie” não é a película mais espectacular do estúdio em termos de desenho, ainda que seja bastante competente. O problema é que esta animação parece querer afirmar de forma convicta a tradição por oposição a demonstrar Ghibli podia e iria adaptar-se aos tempos de mudança. É portanto, sintoma e efeito. Três estrelas e meia.

Próximo Filme: "Kikujiro" (Kikujirô no natsu, 2013)

domingo, 8 de maio de 2016

“MONSTRA – A colheita de 2016” – Parte 2

"Kahlil Gibran's The Prophet" (2014)

Baseado na obra literária que lhe dá o título, "Kahlil Gibran's The Prophet" assemelha-se bastante à leitura de um livro. Com uma narrativa principal, intermediada em capítulos, cada um entregue a um estilo de animação próprio, à medida que o Poeta Mustafá (Liam Neeson) reflecte sobre temas como a liberdade, o amor, ou a morte - ele que foi preso, precisamente por pensar em voz alta e na sua condição de Homem livre. Os seus cárceres temem que as suas palavras contaminem o povo e o levem a questionar. E como bem está inscrito a sangue na História da Humanidade, o conhecimento leva o questionamento e este pode ser incómodo para os governantes. Estes temem pois uma sublevação e conduzem-no, através da cidade para o que será a morte do Homem e das ideias. Cabe pois, à pequena e travessa Almitra (Quvenzhané Wallis) que não profere palavras e apenas parece comunicar com uma gaivota, para desespero da mãe Kamila (Salma Hayek), lutar para salvar Mustafá de tal destino trágico.
Ondas de enlevo, tédio e indiferença sucedem-se à medida que surge uma nova interpretação para a animação e enredam-nos numa mescla em permanente metamorfose que não permite as palavras respirar e ser interiorizadas como talvez o próprio escritor pretendesse. Isto, a despeito de alguns momentos bastantes fortes em termos do talento patente na animação. A animação prolonga-se por vezes em demasia e até à divagação, como alunos numa palestra interminável. Ao tentar produzir animação à altura das palavras do poeta, acaba por se dar a primazia à imagem em detrimento do argumento, sendo que este podia e devia ter sido alvo de maior cuidado de edição. Disto resulta um filme longo e incongruente, como se as peças tivessem sido criadas, cada qual no seu tempo e espaço, sem uma linha orientadora comum. Faz recordar o pecado original de muitas antologias que se dizem possuir um tema em comum e depois surgem desconexas. As peças elevam-se sobre o todo. Potencial desperdiçado. Três estrelas.

PS: Confesso que não me foi alheio o facto de “The Prophet” ter sido exibido dobrado em língua portuguesa. Não desfazendo, da minha língua materna, não há como não apreciar as dobragens originais sobretudo quando estas incluem o Liam Neeson.

“Avril et le monde truqué” (2015)


Um universo distópico de inspiração steampunk faz uma aparição em “Avril et le monde truqué”. Separada dos pais em criança, Avril (Marion Cotillard), torna-se uma cientista à semelhança destes. Acompanhada por Darwin Phillipe Katerine), o seu fiel gato falante, tenta desenvolver uma fórmula que torne os seres humanos imunes a quaisquer doenças, num período em que os cientistas têm vindo a desaparecer de forma misteriosa. Nesta Paris alternativa, existe não uma, mas duas torres Eiffel e grande parte da cidade movimenta-se através do teleférico, embalada pelo fumo da poluição problema tão premente nos dias de hoje na realidade como neste universo ficcional. Avril é uma heroína essencialmente inocente, mas optimista e determinada. As suas acções não são motivadas ou redefinidas por um qualquer motivo romântico. Apesar de uma óbvia e forte ligação à família ela tem menos de calma e recatada do que de determinada e destemida. Uma heroína do século XXI inserida num contexto industrial alternativo, algures pelos anos 40 e cujas aventuras fariam um Júlio Verne orgulhoso. “Avril et le monde truqué” terá muitas referências que vão desde a animação mais tradicional à banda-sonora mas tem uma identidade muito própria. A tal não é alheio o trabalho de Jacques Tardi, autor mais conhecido pelo trabalho em banda-desenhada, nomeadamente, “Les Aventures extraordinaires d'Adèle Blanc-Sec” e que passou não há muito tempo pelas salas de cinema, em versão live action. A estória é tão interessante na sua incursão pelos caminhos da ficção científica não excessivamente complicada como pelos personagens, com a devida nota de apreço ao gato Darwin. Três estrelas e meia.


quarta-feira, 13 de abril de 2016

“MONSTRA – A colheita de 2016” – Parte 1


Comecemos pelo momento de honestidade refrescante. Este ano não foi o mais profícuo em número de visionamentos da MONSTRA. Da parte competitiva calhou-me em sorte “The Boy and the Beast” (2015), “Kahlil Gibran’s The Prophet” (2014), “April and the Extraordinary World” (2014), “When Marnie was There” (2015), tendo-me sobrado “apenas” tempo para o Grande, Icónico, Inesquecível, Filme de Animação de uma Vida, “Spirited Away” (2001). Nota-se muito que o “Spirited Away” é um dos meus filmes de animação preferidos?! Por outro lado, os filmes que *vi alternaram entre o razoável e o muito bom, o que torna o balanço da edição de 2016 da MONSTRA, muito positivo.

“The Boy and the Beast” (2015)

Se poucos questionavam que Mamoru Hosoda era um dos melhores do cinema de animação japonês da atualidade, “The Boy and Beast” pouco fez para desmistificar essa ideia. Ren/Kyuta (Aoi Miyazaki/Shota Sometani) é um jovem revoltado com a perda da mãe e ausência do pai, que decide fugir de casa, de uma família estranha que mal conhece e entra num mundo novo sobrenatural. Porventura por ser tão peculiar quanto o mundo de deuses animais onde penetrou, acaba por aceitá-los com naturalidade, como se esse tivesse o seu lar desde sempre. Por sorte do Destino, Ren torna-se o filho adoptivo e discípulo de Kumatetsu (Koji Yakusho), uma besta que bem domina as Artes Marciais mas não o feitio difícil que o impede de concretizar o seu potencial máximo como Deus daquele lugar. Este par improvável acaba por crescer conjuntamente e melhorar com o tempo e Ren, agora Kyuta, quase esquece o mundo real, até que percebe que tem assuntos inacabados por resolver no outro lado. Esta obra não se desvia muito da obra anterior do realizador. Hosoda continua a preferir temas em torno das dores do crescimento e dos afectos, dos obstáculos a ultrapassar para realizar o potencial como ser humano e dos erros que se cometem no processo, como já abordado em “The Girl who Leapt Through Time” (2006) ou “Wolf Children” (2012). Tantos temas que às vezes nos perdemos no turbilhão de estórias que acompanham a narrativa principal. Se estas pouco fazem para a enriquecer, constituem mais momentos para a animação irrepreensível brilhar. A batalha final em particular fará as delícias dos que ainda ficam estrelinhas nos olhos, como se de crianças se tratassem. Uma vitória nos dias que correm, em que se questiona a capacidade das novas longas de animação de fazer sorrir ou profundamente comover. “The Boy and the Beast” é similar às obras anteriores de Hosoda, acessível a mais jovens mas sem alienar adultos, somente em dose superior. Podia por isso ser facilmente dividido em episódios e transposto para o pequeno ecrã. E se peca por excesso de ambição, seria um princípio de MONSTRA em grande.




*PS: Vi o “When Marnie Was There”, extra-festival.

Próximo: MONSTRA - A colheita de 2016 - Parte 2

domingo, 20 de março de 2016

"Teke-Teke" (2009)


Kana (Yuko Oshima) é uma estudante que acabou de perder a melhor amiga de uma forma brutal. Ela foi assassinada, tendo sido encontrada desmembrada. A sua morte impressiona Kana de tal modo que a instiga a investigar mais sobre o caso. Ela depara-se com o mito-urbano “Teke-Teke”, sobre uma mulher que teve uma morte muito violenta, ao cair para os carris de comboio e foi atropelada por um comboio que partiu o seu corpo em dois. Agora ela assombra as estações ferroviárias procurando fazer dos passageiros e transeuntes incautos as próximas vítimas da sua fúria cruel. O mito não só parecer encaixar-se na perfeição no modo como a amiga faleceu como se pega a Kana que se começa a sentir acossada. Se o mito for verdadeiro, Kana deverá decidir como agir com rapidez, pois que diz que quem trava conhecimento com a estória irá morrer dentro de três dias…

Se “Teke-Teke” faz recordar algo saído da escola de cinema de terror cabeludo de início do milénio, com o slogan imediatamente reconhecível “irás morrer em sete dias”, à cabeça não é por acaso. É aliás tão similar que se não soubesse diria ter sido realizado em 1998. Koji Shiraishi continua a ser recordado pelo seu “The Curse” de 2005, um dos melhores exemplos do subgénero do found footage antes deste se tornar particularmente intragável e irritante e por “Carved”, uma deambulação anterior por terrenos dos mitos urbanos. Com “Teke-teke” dá um passo atrás e vai buscar o que há, em simultâneo, de melhor e de pior no género de terror. “Teke-Teke” é um telefilme inspirado numa lenda local que vai buscar o retrato já tradicional da mulher como um ser monstruoso capaz de devorar e destruir tudo à sua volta, mesmo que não tenha um motivo grave para tal. Se não tiverem por hábito assistir a terror do sudeste asiático e/ou japonês, esta interpretação pode revelar-se interessante. Se este tipo de filmes forem tão óbvios para vós como respirar digamos que a ideia da mulher malévola é muito “fim de milénio”. Já era hora de a figura “mulher” deixar de ser percepcionada como rancorosa, vingativa ou odiosa mas parece que procurar novas soluções de vilões é como pedir ao cinema de terror japonês para se regenerar. Tarefa árdua.
Uma (!) das boas notícias é que “Teke-Teke” não fica o tempo suficiente para uma pessoa se cansar. São apenas cerca de 70 minutos de drama adolescente intermediado por ataques e perseguições. A equipa técnica percebeu que outro dos pontos positivos era a imagem forte do monstro, no entanto, a repetição desta aparição vezes demais porventura devida a limitações de orçamento, estraga o efeito que seria desejado. O maior foco de interesse de “Teke-Teke” constitui a própria lenda pelo que é muito estranha a decisão de a expôr ostensivamente no trailer. Ainda mais estranho se pensarmos que a lenda é conhecida pelo público japonês. O elemento surpresa não existe e se pensarmos nos parcos momentos de acção, pouco mais existe que a exibição de cadáveres. O factor medo talvez resida apenas nas mentes dos mais impressionáveis que não sofrem da dessensibilização advinda de anos a fio de sobre-exposição ao terror tão característico deste país. Restam actrizes jovens e bonitas que só ali estão pela popularidade pré-existente e pretendem demonstrar que possuem talento além dos atributos físicos e personalidades espirituosas que as colocaram no filme. A película necessita delas para atrair telespectadores e, ao mesmo tempo, elas utilizam este pequeno filme de terror, de um especialista é certo, como rampa de lançamento para uma carreira mais “séria”. “Teke-Teke” não é muito mais do que um conceito interessante produzido para consumo rápido e descartado como a tendência da semana. Dá para acreditar que até fizeram uma sequela? Duas estrelas.

Realização: Kôji Shiraishi
Argumento: Takeki Akimoto
Yuko Oshima as Kana Ōhashi
Mami Yamasaki as Rie Hirayama


domingo, 28 de fevereiro de 2016

"The Invitation" (2015)


“The Invitation” foi o último filme a ser exibido numa edição do MOTELx de 2015 que tinha sido pouco mais que morna. “Assassination Classroom” foi a adaptação de mangá divertida que não comprometeu, “We are still Here” fez as delícias dos fãs de um estilo retro e pouco mais houve que ficasse na retina. Eis que surgiu “The Invitation”, uma daquelas películas que surgem assim de mansinho, ninguém dá por elas e acabam por roubar o Show. Wow!

“The Invitation” faz o mesmo pelos jantares de amigos no género de thriller, o que “Coherence” fez em 2013, em Ficção Científica. Posto isto, não morrendo de amores por esta última obra que atua em formato “lume brando” até a um clímax inesperado, “The Invitation” não convidará muito ao visionamento.

Will (Logan Marshall-Green) e Kira (Emayatzy Corinealdi) dirigem-se para um jantar de amigos, quando sucede o inesperado. Eles atropelam um animal e Will acaba por ter de tomar uma decisão difícil. Com isto em mente, uma noite que já se adivinhava tensa torna-se ainda mais enervante. É a primeira vez que Will se reencontra com a ex-mulher Eden (Tammy Blanchard), 2 anos depois de um acontecimento penoso que transformou as suas vidas para sempre. Tanto Will como Eden prosseguiram as suas vidas românticas e o inesperado e estranho convite de Eden faz pensar que o Encontro servirá, em simultâneo, para sarar feridas e enterrar o machado de guerra. Eden reuniu os velhos amigos do casal para um jantar com o seu novo companheiro, o calculista David (Michiel Huisman) e a provocadora Sadie (Lindsey Burdge) cuja aparência parece gritar “vítima” de todos os ângulos. Os amigos parecem aceitar, pelo menos durante algum tempo, a explicação de Eden para a reunião após tantos anos sem se verem. Houve um acontecimento horrendo que precipitou o fim do casamento de Will e Eden, o casal perfeito e o consequente afastamento dos amigos. Eles aceitam com hesitação a renovada e sofisticada Eden, à excepção de Will. Ele conhecia-a, ele foi marido dela e aquela, simplesmente não é a querida e vulnerável Eden de quem se separou. Se calhar ele é que se perdeu na dor e na bebida, porque só ele consegue ver algo de muito estranho na atitude dela, de David, de Sadie e, mais tarde, na imponente e ameaçadora figura de Pruitt (John Carroll Lynch), o amigo que ninguém conhece.

“The Invitation” sobretudo da paranóia de Will. Já alguma vez experimentaram a sensação de estar num grupo e sentir que apenas vocês estão certos e, até podem, de facto, estar certos, mas ninguém acredita em vocês? O problema que se coloca perante Will e constitui a maior fonte de interesse para a audiência é que não se sabe se ele tem razão ou se estará apenas a imaginar coisas. “The Invitation” é um jogo de percepção que mantém o equilíbrio a todo o momento. Will tem mesmo motivo para achar que há algo de muito errado naquele jantar? Não serão as suas desconfianças apenas delírios de um louco? De cada vez que tomamos uma decisão relativamente à pespectiva certeira, surge nova pista para nos fazer mudar de ideias. “The Invitation” sucede devagar mas seguro, claustrofóbico, à medida que os convivas transitam entre as divisões da casa, comendo e bebendo, as personalidades mais desinibidas e a conversa começa a tocar nas feridas abertas. Os convivas agem como um grupo de amigos normal, com personalidades bem definidas e as suas “cliques”, de espírito aberto mas reserva suficiente para não ferir susceptibilidades, até à descontracção ou a agressão latentes se tornarem manifestas. Muitos destes estados de alma podem ser observados sem quaisquer palavras, através da paralinguística, tal como aqueles jantares desconfortáveis em que somos obrigados a participar umas poucas vezes na vida. “The Invitation” não é sobre o desenlace que apenas a poucos minutos do clímax se torna óbvio mas, sobre o caminho percorrido. Logan Marshall-Green assemelha-se a um Tom Hardy sombrio em versão indie, com excelentes resultados. A sua dor, desconfiança, paranóia e o instinto de sobrevivência, reunidos sob uma aparente calma contida, são um gosto de observar. De igual modo, John Carroll Lynch é a prova viva de como um actor secundário pode roubar a atenção das “estrelas” através de um brilhante e perturbadora interpretação… “The Invitation” não vai além do terreno da casa onde decorre o jantar de amigos mas não precisa de muito espectáculo para ser inquietante. Muito depois de terminar ficará num recanto da mente, a fervilhar. É fogo que arde sem se ver e esse é talvez o maior elogio que se lhe pode fazer. Quatro estrelas.

Realização: Kary Kusama
Argumento: Phil Hay e Matt Manfredi
Logan Marshall-Green como Will
Tammy Blanchard como Eden
Michiel Huisman como David
John Carroll Lynch como Pruitt
Emayatzy Corinealdi como Kira
Toby Huss como Dr. Joseph
Mike Doyle como Tommy
Michelle Krusiec como Gina
Karl Yune como Choi
Lindsay Burdge como Sadie
Marieh Delfino como Claire
Aiden Lovekamp como Ty
Jordi Vilasuso como Miguel
Danielle Camastra como Annie
Jay Larson como Ben

Próximo Filme: "Teketeke" (2009)

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Março é Mês de Monstra


Diz que a Monstra - Festival de Animação de Lisboa está aí a rebentar e eu sou uma pessoa para não me deixar ficar (por casa). De 03 a 13 de Março, Lisboa (e não só) vão estar mais animados.  Em 2016 estamos em 32 salas, 61 escolas, 12 universidades. Vamos levar a MONSTRA e a MONSTRINHA a 10 cidades de Portugal e a mais duas dezenas nos cinco continentes. De Timor a Brasília, de Arras a Buenos Aires, de Berlim a São Paulo, de Maputo a Viena. Realizámos a quinta edição da MONSTRA em França. De 300 espectadores em 2002, ultrapassámos os 5.500 em 2016. São muitos números estão a ver? E este ano, a Monstra além da sempre interessante competição de longas-metragens, explora os lados dos inesperados balcãs. Mas independentemente disso, um dos meus filmes preferidos de sempre, quiçá, o mais-melhor-preferido "Spirited Away" (A Viagem de Chihiro) vai ser exibido na Secção "Históricos". Ouvem isto? É o som da criancinha que mora dentro de vós a rogar para que visitem a Monstra. Encontramo-nos .

domingo, 31 de janeiro de 2016

"Parasyte: Part I" (Kiseijuu, 2014)


Daqui a uns anos, talvez até meros meses, vou negar que alguma vez disse isto mas aqui vai: se há moda que precisa continuar é a adaptação de filmes a partir de mangá; se uma precisa de morrer é a divisão de filmes em duas ou mais partes.

“Parasyte: Part I” é só apenas um dos muitos filmes que nasceram numa banda-desenhada e passaram ao ecrã nos últimos anos com resultados variáveis. “Death Note” é um esforço incongruente e aborrecido; “Rurouni Kenshin” que teve uma estreia intrigante caiu a pique à medida que foram sendo geradas sequelas. Por entre mortos e feridos, “Gantz” e “Assassination Classroom” emergiram como os esforços mais interessantes ou divertidos.

Em “Parasyte: Part 1” a humanidade é alvo de uma invasão invisível a olho nu por alienígenas. Estes seres funcionam quais parasitas e introduzem-se nos corpos de seres humanos, tomando o controlo destes e adaptam os seus comportamentos com vista a passar despercebidos enquanto canibalizam outros homens. Shinichi (Shota Sometani) um aluno vulgar de liceu, torna-se, por acidente, na única esperança para salvar a espécie humana quando um dos parasitas fracassa a conquista do seu cérebro e apenas assume o controlo do seu braço direito. Shinichi atribui-lhe o nome literal de “Migi” e acaba por criar-se uma amizade insólita e inesperada entre o rapaz e o alienígena invasor, movida de início pela curiosidade mútua. Eles não podem sobreviver um sem o outro pelo que acabam por coexistir como um som. Shinichi distancia-se da mãe e da amiga Satomi (Ai Hashimato) após o conhecimento da realidade que afecta todos os seres humanos e Migi, por sua vez, começa a questionar a brutalidade da sua própria espécie parasítica. Entretanto, Ryoko (Eri Fukatsu) que começa a exercer a profissão de docente na mesma escola onde Shinichi estuda é possuída por um alienígena de elevado estatuto que pretende estudar os seres humanos no seu meio ambiente. Conhecimento significa poder. E conhecer o Homem tornará mais fácil a conquista da espécie.

“Parasyte” sucede na apresentação de uma estória absolutamente absurda que agrade aos fiéis seguidores da mangá e às audiências sequiosas de uma experiência diferenciada no que diz respeito às invasões extraterrestres. Pela primeira vez em algum tempo é conhecia a perspetiva do invasor. Não é apenas um ser terrível, impassível e impossível de demover na sua senda destrutiva. Ele é tão ou mais complexo que o Homem. Quer-se uma mente colectiva qual colmeia mas até ele quebra as hostes e questiona. Por seu turno, Shinichi enfrenta um dilema pior que o do adolescente normal. O jovem que nunca nada fez de extraordinário, tem agora um braço alienígena com quem comunica telepaticamente. Seria caso para internamento psiquiátrico se contasse a alguém, não? Também a personagem de Ryoko é intrigante. Não será um exagero assumir que se o Homem encontrasse uma nova forma de vida a iria estudar e dissecar em toda a medida para a conhecer. Chocante é a perspectiva de que quem o faz é um Ser invasor e o Homem é a Cobaia.
Desta feita, os efeitos digitais são um bom complemento da estória. Destacam-se, em particular, as sequências em que as pessoas são atacadas pelos parasitas. Mas nota-se, que estamos por fim chegados ao século XXI. Os valores de produção já não podem ser assim-assim. O argumento, o elenco, a cenografia, a trilha sonora, os efeitos inseridos em pós-produção entre outros aspectos técnicos são de qualidade média a superior. Há a nítida sensação que existe uma preocupação em não apostar no menor denominador de satisfação possível e que iria agradar de qualquer modo aos leitores da mangá. Se isto abre portas a que se considere, finalmente, a adaptação da BD como uma fonte viável e rentável de boas obras cinematográficas e, também abre todo um espaço de possibilidades para a atracção de públicos que à partida não teriam o menor interesse em ver estes produtos de Ficção. Três estrelas.

Realização: Takashi Yamazaki
Argumento: Hitoshi Iwaaki (manga), Ryôta Kosawa e Takashi Yamazaki
Shôta Sometani como Shin'ichi Izumi
Eri Fukatsu como Ryôko Tamiya
Ai Hashimoto como Satomi Murano
Sadao Abe como Migi (voz)
Kazuki Kitamura como Takeshi Hirokawa
Masahiro Higashide como Hideo Shimada
Tadanobu Asano como Goto
Miko Yoki como Nobuko Izumi
Jun Kunimura como Detective Hirama

Próximo Filme: "The Invitation" (2015)

domingo, 17 de janeiro de 2016

TCN Blog Awards – O Fim de uma Era


Se há cerca de um ano dizia que “a tradição ainda é o que era”, diz que em 2016 chegou a hora de dizer adeus. Os TCN Blog Awards, pelo menos no modelo em que o conhecíamos, morreram. Se calhar sou uma eterna optimista pois embora os sinais estivessem todos lá, sempre mantive a esperança de continuidade. A partir dali só se podia crescer, certo? Os TCN representam, de certo modo, o percurso dos blogues que fizeram com sucesso a transição de recantos escondidos a espaços com reconhecido mérito de utilização intensiva por quem procurava uma perspectiva pessoal, algo um pouco mais denso que o mero rating de um filme. Hoje em dia, fala-se já não em jeito de sussurro mas em voz alta da morte dos blogues. Não gosto de falar de morte. É uma palavra tão chocante, tão definitiva que prefiro falar de hiatos ou de transição. Gosto de pensar que foi apenas a vida que aconteceu. Os que fazem isto há mais tempo envelheceram, arranjaram outras ocupações, viram a família aumentar e perderam o tempo, a paciência, a motivação (ou todos) para os manter. A malta mais nova se calhar até prefere o Tumblr ou o Podcast, ao dinossauro Blogue. Confesso que nunca me vi tão perto de transitar ao próximo plano de existência (não é desistir, atenção). O tempo e a paciência escapam-se-me ainda que continue tão fascinada pelo Cinema, tal como no primeiro dia em que com um template feioso abri o Not a Film Critic. Continuo a não conseguir encontrar um hobby pelo qual tenha tão grande paixão como por este. Mas noto-me cansada, repetitiva e com pouco de novo a oferecer, pelo menos, no contexto “blogue”. Talvez os leitores o sintam também. Eles, que por aí andam mas não se manifestam. Nem sequer para barafustar. No presente estou cá, no futuro se verá. Mas essa já é outra conversa...

Neste ponto nos encontramos com uns TCN que nunca estiveram tão próximos do cinema que pretende homenagear como neste ano: Houve um afinar de categorias, houve uma academia, houve a exibição de um filme – o “The Big Short” (2015) –, que se encontra nomeado por esta altura para cinco óscares; houve o apoio de distribuidoras e, tudo isto sucedeu num cinema, veja-se. O formato foi talvez o mais próximo daquele que se podia almejar para um momento de celebração do cinema em Blogue. Gostaria de pensar, por isso, que terminámos (plural, sim), em grande. Este ano, já muitas linhas se escreveram sobre este tema e, concordando com quase todas, pouco tenho a acrescentar.

Quero assim agradecer as muitas nomeações que demonstram, desde 2011, ano desde qual tenho participado ininterruptamente nos TCN, que alguma coisa devo fazer bem (yupi!) e o Prémio de Melhor Ranking/TOP para o artigo “Top 15: Música de Filmes de Terror” e que tanto prazer me deu (ainda) escrever, bem como, dar um agradecimento especial ao Carlos Reis que em conjunção com a sua equipa de heróis, provou que o impossível é apenas uma palavra.

Também podia escrever algumas linhas sobre o grupo de amigos que todos os anos procuram estender o evento a uma festa anual (informal é certo) de blogues mas isso soaria demasiado a uma despedida. E como já tinha dito, eu detesto despedidas. Vemo-nos por aí.



Vencedores:
Blogger do Ano: Pedro do Cinemaxunga
Melhor Blogue Individual: A Janela Encantada
Melhor Blogue Coletivo: TVDependente
Melhor Crítica de Cinema: Mad Max: Fury Road
Melhor Crítica de Televisão: Mad Men: 7ª Temporada
Melhor Artigo de Cinema: Cinema Mudo Escandinavo
Melhor Artigo de Televisão: The Daily Show with Jon Stewart
Melhor Ranking/TOP: TOP 15: Músicas de Filmes de Terror
Melhor Rubrica: Posters Caseiros
Melhor Reportagem: Cannes 2015
Melhor Entrevista: Entrevista a Shlomi Elkabetz
Melhor Iniciativa: VHS Podcast
Melhor Novo Blogue: Jump Cuts
Melhor Portal/Facebook: Girl on Film
Melhor Festival: MOTELx
Melhor Distribuidora: Alambique Filmes
Melhor Canal: TVCine & Séries
Prémio Memória: Cinedie

domingo, 3 de janeiro de 2016

"Blind Detective", (Man tam, 2013)


Johnston Chong See-tun (Andy Lau) é forçado a abandonar a polícia após ficar cego. Considerado o melhor entre os seus pares pela extraordinária capacidade de dedução, a sua perda é um duro golpe para o departamento. Mas ele é incapaz de parar na sua senda de justiça e dedica-se agora aos casos para os quais a polícia não tem tempo: os casos antigos e aparentemente insolúveis, recolhendo as recompensas. Numa das suas mais recentes investigações cruza-se com a inspectora Goldie Ho Ka-tung (Sammi Cheng), incansável mas ainda um pouco “verde” que se revela o contraponto ideal para o seu estilo mais sóbrio. A nova dupla dedica-se a resolver casos em conjunto, incluindo um que afecta Goldie desde miúda, o desaparecimento da sua melhor amiga Minnie (Cheng Ho-lam) e que a fez tornar-se polícia. Pois que o mundo está cheio de gente mal-ajustada e Goldie tornou-se polícia por causa do trauma de infância. Alguma vez se viu alguém tornar-se agente polícia por genuína devoção à justiça?

Johnnie To está para os thrillers policiais/mafia como, bem… é o que ele faz de melhor (“Election”, 2005; “Mad Detective”, 2007, etc.). No entanto, não se pode dizer o mesmo de “Blind Detective”. A ideia de um agente da polícia/detective cego não é a mais original, temo dizê-lo mas, ainda que aceitemos a premissa absurda, o filme sobrevive mais da química entre Lau e Cheng do que das inúmeras investigações enfiadas à força num filme que já tem muita tralha. Parece que a tragédia da perda de visão de Johnston se arrastou ao longo de vários anos até ficar invisual. Johnston sente ainda os efeitos da solidão, o que pretende sugerir por um lado, o motivo pelo qual ele é incapaz de deixar de dedicar por completo ao trabalho policial e, por outro, a conveniência do aparecimento de uma certa detective. Pelo meio, é ainda apresentado um potencial interesse amoroso para Johnston para insinuar um triângulo romântico que não chega a ter pernas para andar (entenda-se que ainda assim “Blind Detective” tem 130 minutos de duração) e Johnston tem tempo para resolver diversos casos com o do maníaco que atira ácido sobre inocentes até finalmente, se debruçar sobre o caso que desola Goldie há mais de uma década. Adicionalmente, enquanto Johnston foi perdendo um dos sentidos, ele foi apurando outros, conferindo-lhe entre outros, um olfacto extraordinário e que o auxilia a resolver casos que seriam, para outros complicados. Não deixa de me espantar, a facilidade com que o cinema asiático e, o coreano em particular, chama às suas forças policiais uma anedota. Por entre polícias com os instintos de um calhau, chefias mais preocupadas com a manutenção do status quo e políticos que apenas querem ficar bem na fotografia, tem de aparecer um individuo especial para salvar o dia.
“Blind Detective” também não parece ter a certeza daquilo que quer ser. Os personagens alternam entre interpretações mais subtis e o exagero cómico. Lau, a despeito de ter ganho um prémio (surpreendente) pela sua interpretação nesta película, sai algumas vezes, demais da personagem. Ele “esquece-se” de que é suposto ser um invisual, o que é uma franca distracção. Os “casos” nem sempre interessantes que surgem para querer demonstrar vezes sem conta as capacidades fantásticas de Johnston assim como um pretexto para divertir, não duram o tempo suficiente para entreter e acabam por roubar tempo à resolução da investigação principal. Mas até a solução desta peca pela falta de investimento numa direcção clara e uma montagem cuidada. As sequências de acção estão impecáveis, ou não fosse a sua coreografia um dos pontos mais fortes de um filme do Johnnie To. Se ao menos houvesse a mesma atenção para o remanescente… Duas estrelas e meia.

Realização: Johnnie To
Argumento: Ryker Chan, Ka-Fai Wai, Nai-Hoi Yau e Xi Yu
Andy Lau como Johnston Chong See-tun
Sammi Cheng como Goldie Ho Ka-tung
Guo Tao como Szeto Fat-bo
Gao Yuanyuan como Tingting
Zi Yi como Joe
Lang Yueting como Minnie Lee
Cheng Ho-lam como Minnie (adolescente)
Lam Suet como Lee Tak-shing
Philip Keung como Chan Kwong
Lo Hoi-pang como Pang

Próximo Filme: "Parasyte: Part 1" (Kiseijuu, 2014)
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