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segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Suores Frios - "Piratas, coelhos, fantasmas e outras criaturas." - por Nuno Reis

Tenho a sorte de ter um pai que nunca me privou de cinema, fosse ele bom ou mau. Da mesma forma que ele me levava a festivais e a visionamentos de imprensa quando eu era pequeno, agora sou eu que o levo a festivais e o chamo para ver os DVDs que me chegam como membro da crítica. É um prazer ouvi-lo falar de filmes que nunca encontrei e outros que certamente não terei tempo para ver. Ainda hoje a conversa foi parar à crítica social nas obras de Billy Wilder a propósito de em zapping antes do almoço termos apanhado o final de “Jaws”. Ainda que conheça estes filmes bem como espectador, ouvir a perspectiva de quem os viu noutra época ajuda a compreender o seu impacto. Ficou decidido há muito tempo que para filmes anteriores aos anos 80 era ele o entendido, mas daí em diante era eu que ia devorar tudo. Assim nunca estamos em desacordo.

Como referi por algumas ocasiões, eu cresci no meio do cinema fantástico. Até hoje é por esse prisma que vejo o Cinema. Enquanto uns se maravilhavam por ver pessoas a sair da fábrica postas em tela pelos Lumiére, eu só me maravilhava quando as pessoas saíam da Terra pela mente de Méliès. Portanto, quando se trata de ter primeiras memórias do cinema, claro que se enquadram no género. Mas os suores frios começaram muito antes do terror...

O primeiro filme que me lembro de ver em sala foi “The Goonies” na altura era eu tão pequeno que nem sabia ler. Fui levado pelo meu pai atencioso e para a minha mãe eu ia ver a história de uns meninos que saíam de casa para explorar um farol abandonado. Claro que o detalhe de os mafiosos matarem inspectores, cortarem línguas a crianças, o chão se desfazer enquanto tocam piano e haver um esqueleto em cada esquina até serem atirados da prancha causou um impacto em mim. Todavia, não sei se hoje em dia lhe chamaria terror. Dizem-me que até chorei, mas todos admitem também que foi aí que me apaixonei pelo Cinema.

A esse seguiu-se “Who Framed Roger Rabbit?” que causou um impacto bem diferente. Aqui avisei o meu pai que já sabia ler e para ficar calado durante o filme! Alheio ao que fosse o tal de noir, simpatizei logo com aquele coelho brincalhão. A interação com tantos heróis dos desenhos animados que eu conhecia desde sempre ajudou a dar uma aura de realidade. E subitamente vão derretê-los? Fui enganado novamente! Mais uma noite sem dormir!

Quanto a terror propriamente dito, começou de forma ligeira. Terá sido um “Beetlejuice”, “Ghostbusters 2”, “Gremlins 2” ou “Edward Scissorhands”. Cresci a ver esses filmes e não sei precisar qual veio primeiro (ainda que saiba que vi as sequelas aqui referidas anos antes dos originais, tal como conheci o Lobisomem Americano em Paris antes de conhecer o de Londres). Vi filmes maus, filmes bons, filmes que não consegui ver inteiros de tão maus que eram, outros que não vi até ao fim de uma só vez por ser medricas, e cenas que não esquecerei ainda que não faça ideia do título. Como explicar que eu soubesse quem era Freddy Kruger anos antes de conhecer Elm Street?

O meu amor pelo Cinema começou muito próximo ao terror. No entanto, não sou fã do susto fácil ou das atmosferas claustrofóbicas que se prolongam por toda a duração o filme. Hoje em dia já poucos truques funcionam comigo e portanto serei mais fã de algo que misture ou brinque com o género do que de algo que siga a receita gasta. Se algo me causar suores frios, é porque foi bem escrito e não por estar cheio de momentos que arrepiam. Nenhum filme me vai deixar acordado com medo de fechar os olhos. Mas um grande filme pode-me deixar a pensar nele pela noite dentro. São coisas bem diferentes.

O Nuno Reis vai escrevendo ocasionalmente no https://antestreia.pt e no https://thescifiworld.com. Também pode ser encontrado aqui: https://www.imdb.com/name/nm4591473/


segunda-feira, 20 de julho de 2020

Suores Frios – "A barata diz que tem (Pesadelo em El Street 4)" - por Miguel Ferreira


Curiosidade. É a curiosidade que melhor descreve e ensopa o meu cinema de cachopo. A magia do proibido sempre me inquietou. Tinha de saber, alguém tinha de me contar. E se por um lado os meus pais eram incansáveis timoneiros neste meu deslumbre, por outro tinham regras e linhas muito bem definidas. Um filme para maiores de 16, era um filme para maiores de 16. Mostra lá o BI. Pois. Nada feito. Foi assim que no alto dos meus dez anos sabia tudo o que tinha acontecido em “O Silêncio dos Inocentes”.  De trás para a frente, porque tinha ouvido a história, feito perguntas, uma e outra vez. Tive um filme, ali naquela narração paternal cheia de emoção, terror, energia, que só materializei anos mais tarde. Eram obras imaginadas, em constante crescimento, aguardando o dia em que, juntamente com outras borbulhas, passariam a ser uma realidade. Porém, estes embargos cinéfilos, eram por vezes contornados: em casa de compinchas as leis eram outras, as cassetes também. Um dos meus grandes amigos era doidinho por terror e não tinha as minhas restrições em relação à faixa etária: predador, omen, mosca um, mosca dois, ia tudo a eito. E foi numa dessas tardes, no início dos anos 90, que em casa dele passava o “Pesadelo em Elm Street 4”.


A cena. A cena é muito simples. Uma rapariga está a treinar. Deitada num daqueles bancos de ginásio, empurrando a barra para cima, segurando para baixo. Unhas pintadas, cabelo com volume de aulas de ginástica em VHS. A música flui, até que duas mãos prendem o movimento. Uma figura de chapéu, cara queimada e camisola às riscas empurra a barra para baixo até os braços da rapariga estalarem e rasgarem na zona dos cotovelos. Os antebraços ficam bambos e na ferida aberta começa a crescer algo. Na carne antiga surge uma nova. Enquanto se levanta e foge da criatura a nossa heroína vê os seus apêndices trocados por patas de inseto, enormes, desproporcionais. No desespero e na fuga o quarto forrado a jornais dá lugar a um estranho túnel, luzes mais amarelas, mais pestilentas. Entretanto escorrega e cai de cara numa poça amarela, numa cola que a agarra. Ela grita e tenta descolar o rosto, mas ao puxar a cabeça a pele fica. Sai como se fosse uma máscara. A transformação estava quase completa: tronco e cabeça de barata, pernas humanas. Um conjunto indefinido e disforme, preso num movimento mudo, num pedido de ajuda. Mudamos de perspetiva e vemos que ela se encontra numa pequena caixa, nas mãos daquele sinistro vilão, que a esmigalha com escárnio, libertando mais uma catrefada de viscosidades. É isto, e eu ali, de pé, ao lado do sofá, imóvel. Impressionado, arrepiado. A perceber que tinha acabado de ver algo, que não só nunca tinha visto, como nunca mais me ia largar.


Sonhos. Não deixa de ser irónico, um real pesadelo a amedrontar-me os carneirinhos. Um terror de outrem convertido num medo próprio. Ao longo dos anos fui fazendo os meus sustos e regando o que é hoje um dos meus géneros favoritos. Porém, só muito recentemente é que voltei a Elm Street. O original de Wes Craven (1984) apresentava-nos Freddy Krueger, uma figura deformada, vingativa e sádica, que vinha atrás de nós durante os sonhos. Deu origem a oito sequelas, incluindo um crossover com a saga “Sexta-Feira 13” e um remake (aborrecidíssimo) para as novas gerações. Vi os cinco primeiros, “O Novo Pesadelo de Freddy Krueger” e o “Never Sleep Again: The Elm Street Legacy”, excelente documentário que varre duma ponta a outra a mitologia. Chegar a “Pesadelo em Elm Street 4”, do meu querido Renny Harlin, e rever, agora com enquadramento, esta cena é como terminar um quadro. Uma última pincelada, a última linha antes de fechar e encostar o livro no colo. E apesar de achar tudo um pouco mais colorido, com deliciosas e míticas deixas de Krueger, o terror continua lá. O terror que hoje assumo como fundação: a claustrofobia, o crescendo, a construção, a carne. Os efeitos práticos, a marcar passo e a ditar todo um imaginário. Apesar de hoje o meu amigo já não gostar tanto do género. Apesar de a criatividade da morte se ter encostado a sagas como o “O Último Destino” ou “Saw”. Apesar, apesar, apesar, há algo que permanece. Nesta dicotomia do sonho e do real, da ficção e da vida. Debbie, a tal rapariga que acaba transformada numa barata, diz logo no início da cena a Freddy que não acredita nele. Às vezes precisamos de ser relembrados, que eles, por outro lado acreditam em nós, e que o nosso cinema está sempre lá, à nossa espera. Obrigado à Rita por este convite e por este regresso.

Miguel Ferreira
Blogue Créditos Finais http://creditos-finais.blogspot.com/
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