quinta-feira, 13 de julho de 2017

Get Out (2017)


Imaginem que é noite escura e percorrem sem qualquer companhia as ruas de um subúrbio deserto. Estão perdidos e não conseguem compreender onde se situa a casa que queriam encontrar. Vão no passeio e na estrada a vosso lado, começa a circular um carro com uma música antiquada e um pouco arrepiante. Conseguem visualizar o cenário seguinte? Se fosse uma mulher sozinha certamente, uma caminhada solitária nocturna seria uma péssima ideia. Nos Estados Unidos, numa época em que as tensões raciais se encontram muito elevadas e existem inúmeras acusações de preconceito racial por parte da polícia, um homem de raça negra caminhar sozinho nestas circunstâncias é uma mistura explosiva.

Daniel Kaluuya é Chris um fotógrafo profissional de sucesso que está nervoso por conhecer os pais de Rose (Allison Williams), com quem namora há alguns meses. Ela é caucasiana e nunca namorou com um homem de outra raça mas está certa que os seus pais ultra modernos e liberais não terão qualquer problema a esse respeito. Na verdade Rose está bastante sensibilizada para as questões raciais, sendo até demasiado protectora a esse respeito, uma característica que o namorado considera enternecedora, ainda que ele se consiga defender sozinho. Talvez ela esteja a exagerar e reveja laivos de racismo até onde eles não existem mas Chris tem mais reservas sobre o modo como irá ser recebido durante o fim-de-semana. Está inclusive disposto a apresentar a sua melhor face e suportar quaisquer equívocos que possam surgir por Rose. Já o seu grande amigo Rod (LilRel Howery), um agente da TSA habituado a deparar-se com situações de racial profiling e atento ao que se passa nos media é mais céptico a esse respeito. Tudo parece correr bem a início. Os pais de Rose, o neurocirurgião Dean (Bradley Whitford) e a psiquiatra Missy (Catherine Keener) recebem-no como se fosse o membro mais recente da família. Poderão parecer demasiado curiosos e investidos no novo namorado da filha. Mas é nos empregados Walter e Georgina, de raça negra que Chris manifesta as suas maiores reservas. O seu comportamento é sinistro e misterioso. As suas acções simplesmente não se coadunam com a experiência de Chris enquanto pessoa de raça negra e a história dos seus antepassados. À medida que o fim de semana vai passando e, isso inclui uma sessão de hipnose realizada a despeito das suas objecções pela mãe de Rose, Chris começa a questionar-se se sofre de paranoia motivada por casos recentes, como Rod tão bem e de forma cómica o faz recordar ou se de facto se passa algo muito mais estranho. Rod serve de Grilo Falante, uma consciência, se preferirem -, do realizador e para toda a audiência que grita em coro para o ecrã, que algo está muito errado! Corre Chris! Foge!

Rod não tem a reserva ou censura de Chris que se encontra toldado pelo sentimento amoroso e por um optimismo um pouco infantil. Rod representa por tudo isto, os momentos mais engraçados e auto-conscientes de “Get Out”, ecoando uma espécie de Randy (Jamie Kennedy, em “Scream”), tendo ainda uns laivos do injustiçado "The Skeleton Key" (2005).
Desde os primeiros minutos que não existe qualquer dúvida sobre a mensagem que Jordan Peele pretende transmitir. A primeira é tão meta quanto o “Scream” (1996) de Wes Craven com argumento de Kevin Williamson foi no seu tempo: se algo parece mau e cheira a mau provavelmente é mau. Sigam os instintos. Corram! A segunda é a de que desde “Guess who’s Coming to Dinner” (1967) se calhar ainda muito pouco mudou no que diz respeito ao modo como as relações inter-raciais são percepcionadas pela sociedade. Aproveita ainda para dar uma alfinetada às classes média/média alta educadas e bem sucedidas e obriga-as a observar-se com verdadeiro espírito crítico ao espelho. Ao invés de investir na carga dramática Peele dá-lhe uma volta de 180º e pega nas questões de identidade e de raça através dos géneros de humor e terror sem apresentar falta de gosto no processo. “Get Out” foi uma das manifestações mais interessantes e originais do terror nos últimos anos e não menospreza o seu público-alvo. Perdoam-se-lhe talvez algumas cenas mais fortuitas como a do atropelamento de um animal (quantas vezes é que já vimos nos últimos anos??) mas não envergonha. Três estrelas e meia.

Próximo Filme: "Kung Fu Yoga" (Gong fu yu jia, 2017)
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