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domingo, 4 de janeiro de 2015

"Marshland" (La isla Mínima, 2014)


Os créditos vêm como uma bomba: um take contínuo percorre a paisagem natural, paradisíaca do sul de Espanha enquanto ecoa o choro de uma guitarra. A paisagem é verde e azul, laranja e castanho, em alternância, o terreno incerto, os sulcos a fazer recordar o próprio cérebro humano, ora digam-me se a película a que vou assistir não é inquietante.

Juan (Javier Gutiérrez) e Pedro (Raúl Arévalo) aguardam à beira da estrada sob o calor abrasador que os venham socorrer. Acabados de chegar sul de Espanha, advindos de Madrid para investigar o desaparecimento de duas irmãs, já dão a imagem de uns inúteis a necessitar de ajuda. Na pensão onde irão pernoitar houve um equívoco: terão de passar a primeira noite no mesmo quarto. Deverá ser pouco tempo, acreditam os locais. As irmãs desaparecidas têm uma má reputação e nem os habitantes, nem o pai destas demonstram grande interesse em fornecer pistas para a resolução do caso. Apenas a mãe Rocío (Nerea Barrios), atormentada pela dor colabora com o pouco que tem para lhes dar, o negativo de fotografias lascivas que o fogo da lareira não conseguiu queimar na totalidade. Esta é sem dúvida uma localidade mínima. Na Espanha abaixo do Guadalquivir pós-Franco, a ditadura apenas findou em termos políticos. A cruz do ditador permanece firme nas paredes das casas. Estado, Família e Igreja governam a mente colectiva. Não existe ainda espaço para a emancipação ou uma sexualidade liberta de preconceitos: aquilo que aquelas adolescentes perigosamente representam. Eis que surgem corpos no meio do terreno pantanoso e aquilo que parecia uma fuga ao tédio, matrimónio em terra idade e aos constrangimentos de uma localidade onde os rumores são difundidos ao sabor do vento, se transformam numa caça a um assassino em série.
“Marshland” é um regresso aos thrillers policiais, um género em decadência, talvez pela sobreexposição, nos últimos anos. Uma das óbvias excepções tem sido o cinema coreano que apresenta de modo sistemático, anualmente, pelo menos um thriller de qualidade para saciar um público que ainda não acusa o cansaço do género. Mas as coincidências de “Marshland” com o cinema coreano não se ficam por aqui. “Marshland” é fantasticamente similar a “Memories of Murder” (2003), de Joon-ho Bong. Ambos ocorrem durante os anos 80, o primeiro pós-ditadura militar, o segundo decorre ainda durante uma no último fôlego, com o surgimento de cadáveres femininos mutilados em campos de arroz. Ambos os casos requerem a visita de um ou mais polícias da cidade, dominantes de novas técnicas, que contrastam com os saberes e desconfiança locais. “Marshland” também mantém a combinação típica do polícia moderno mais subtil e do polícia mais vivido, com métodos mais questionáveis, pelo menos para os padrões actuais. Mas não tenta dizer-nos qual o melhor, deixa as ilações para quem o vê ou, se preferirem, a interpretação estará sujeita à época em que nos inserimos. Gutiérrez e Arévalo estão fantásticos nos papéis convencionais que lhes foram atribuídos. No entanto, as fronteiras entre o polícia bom e o polícia são, no mínimo, nebulosas. Cada um tenta demonstrar o seu caminho ao outro sem criticar abertamente as opções deste. Algures, conseguem manter a cabeça fria ou dão azo à bestialidade quando não o fariam antes. Deles, é Juan o que possui a moralidade mais dúbia e o que parece mais atormentado pelos anos mais de experiência do que Pedro e um passado misterioso. Por isso, encontra maior facilidade em mover-se nos terrenos pantanosos, de segredos obscuros, terríveis e de mostrar as garras sem hesitação ou receio dos locais. Ele conhece as regras implícitas daquelas terras. Juntos, cruzam-se com uma série de personagens, cada uma com uma informação importante a fornecer, mesmo que não o saibam. A cinematografia fabulosa de Alex Catalán completa o cenário de desintegração daquela sociedade. Se não podem sequer confiar nas pessoas que pertencem àquela “ilha”, então em quem? É um sinal dos tempos, terão de reajustar-se se quiserem sobreviver além das próximas colheitas e das mudanças políticas de Madrid. Quatro Estrelas.


Realização: Alberto Rodríguez
Argumento: Rafael Cobos e Alberto Rodríguez
Javier Gutiérrez como Juan
Raúl Arévalo como Pedro
Nerea Barros como Rocío
Jesús Castro como Quini
Antonio de la Torre como Rodrigo
Salva Reina como Jesús
Manolo Solo como Periodista
Cecilia Villanueva como María
Juan Carlos Villanueva como Juez Andrade

O melhor:
- A cinematografia é soberba. Alex Catalán tem motivos para estar satisfeito
- A banda-sonora completa na perfeição as imagens
- Não podiam ter escolhido melhor dupla de actores, em particular, Javier Gutiérrez no papel de um polícia atormentado com esqueletos no armário

O pior:
- Alguma ambiguidade no desenlace

Próximo Filme: "Body of Water" (Syvälle salattu, 2011)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

"Sleep Tight" (Mientras Duermes, 2011)


“Sleep Tight” é uma das boas razões pelas quais quase que, de cada vez que vejo um filme espanhol digo para mim própria que tenho de começar a ver mais filmes daquele país. Isso e chorar baba e ranho devido à minha imbecilidade (ninguém vê). A película é do Jaume Balagueró ou JB como carinhosamente lhe chamo. Para fãs de [REC], “Sleep Tight” é uma surpresa agradável. Agora aqueles que detestaram aquele filme de zombies, possessos ou lá o que é, têm aqui a oportunidade ideal de encontrar um motivo para seguir com atenção a carreira do JB. “Darkness” (2002) não deve constar do currículo do senhor. É o chamado erro de julgamento se bem que, entretanto, o senhor já encontrou o norte e as coordenadas trouxeram-no de volta ao bom caminho do suspense/terror. Mauzinho mesmo é o título (já lá vamos).
César (Luis Tosar) é o homem dos sete ofícios no prédio onde trabalha, em Barcelona. Também ninguém lhe presta grande atenção, a maioria dos inquilinos nem sequer se deve lembrar do seu nome. Se calhar deviam, visto que ele possui as chaves de todos quantos habitam naquele sítio. César é metido consigo próprio e, à primeira vista, digno de simpatia. Tem uma mãe doente e, a bem dizer, podia ser inofensivo. Podia. Pois que ele está obcecado com a inquilina Clara (Marta Etura), uma jovem atrevida sempre com um sorriso estampado no rosto. César começa por enviar-lhe cartas anónimas, depois passa às mensagens até que já tem os movimentos de entrada e saída de Clara bem estudados. Não chega. Ele quer um pouco mais de proximidade e usa das chaves tão importantes que lhe foram concedidas. Durante a noite, enquanto Clara dorme, César aguarda-a ali, bem perto de si… Debaixo da cama dela. No que é que ele está a pensar? Pode perder o emprego. Pode ser preso por perseguição. Os motivos dele nunca são suficientemente claros. Predador sexual?! Claro. Mas há algo mais que isso. Ele alterna entre o desejo de possessão de uma mulher que nunca olharia para ele num mundo normal e o ódio pela pêga que o cumprimenta com um sorriso insolente para no momento a seguir ir-se deitar com outro. Ele destila um ódio apenas visível quando começa a deixar pequenas “prendas” atrás de si, tornando a vida de Clara cada vez mais insuportável.
Como pano de fundo para uma psique distorcida está uma mãe envelhecida e inválida, condenada a ouvir os esquemas do filho. Querem decadência melhor do que a de assistir ao apodrecimento moral de um filho?
A surpresa maior de “Sleep Tight” é a actuação de Tosar. Mesmo durante os actos mais atrozes, o seu porteiro arrepiante nunca chega a ser totalmente detestável. Há qualquer coisa de charmoso neste César. Como não simpatizar com um homem tão infeliz que chega a atentar contra a sua própria vida? Como não detestar quem encontra uma réstia de esperança quando os outros estão tão ou mais infelizes que ele? É ou não é o monstro perfeito? Se até na hora de o julgar a audiência é assaltada por dúvidas. Será o ódio a emoção mais correcta? A acompanhar o desempenho poderoso de Tosar está uma maquilhagem que sucede em torná-lo feio, como a personalidade, lá está.
“Sleep Tight” é um registo muito mais subtil para Balagueró. A câmara frenética e o histerismo dos actores de [REC], contrastam com as sequências que tomam o seu tempo até existir um evento significativo e a ingenuidade, quase inocência dos personagens que rodeiam o porteiro do inferno, quanto às verdadeiras intenções de César. Existe uma vizinha, miúda de escola, certamente destinada a tornar-se rufia que vê mas não compreende o que ele faz. Azar o dela que utiliza deste conhecimento como um segredinho sujo que sabe que não devia ter, poder sobre a última pessoa de quem o devia ter retirado. O segredo de Balagueró está, sobretudo na utilização do espaço. Já em [REC], demonstrara uma sensibilidade extrema sobre o espaço da acção. Sempre dentro de um edifício, sempre sufocante. O titulo inglês da película é que não reflecte o verdadeiro sentimento da invasão da privacidade que Balagueró explora durante os 100 minutos de duração. Mais adequado seria “While you sleep”, ou “Enquanto Dormes”. Porque é aí, no conforto do lar, durante um sono reparador, descansado, sob os nossos cobertores, o nosso sítio mais seguro que César penetra sem pedir permissão. Três estrelas e meia.

Realização: Jaume Balaguero
Argumento: Alberto Marini
Luis Tosar como César
Clara como Marta Etura
Petra Martinez como Senhora Verónica


Próximo Filme: “Flashpoint” (Dou Fo Sin, 2007)
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