terça-feira, 13 de julho de 2021

"In Fabric" (2018)

Uma besta estranha.

Filmes sobre objectos assombrados são sempre uma provocação. Além da iminente e fulcral suspensão da crença, há ainda toda uma abordagem que é uma incógnita. Será que os argumentistas optaram por prosseguir com o absurdo puro ou, espera-nos um registo mais poético, quiçá onírico? A oferta é variada e podemos encontrá-la em muitos períodos do cinema: “Christine” (1983), “Trucks” (1997), “The Red Shoes” (2005), “Fridge” (2012), filmes de bonecas assombradas, então, encontram-se a rodos no cinema do sudeste asiático, tal como os slashers nos anos 80.

“In Fabric” enquadra-se nesse subgénero, mas as particularidades não se quedam por aí. É um pseudo-giallo produzido em plano século XXI, por Peter Strickland, que é mais conhecido pelo seu “Duke of Burgundy”, de 2014. Este é um bom ponto de partida para compreender os temas de “In Fabric” e, por que é que este, não é apenas um filme sobre um objeto assombrado. Strickland renova o interesse em contar histórias sobre as relações humanas, com ênfase na sensualidade, mesmo estas tomem um caminho mais negro ou, de como o desejo pode fazer os amantes tomar atitudes inesperadas ou mais bizarras. Assim, não é surpreendente desenhar-se uma teia de morte e erotismo em torno de um vestido vermelho. 

Marianne Jean-Baptiste interpreta Sheila, uma senhora de meia-idade respeitável mas solitária, que tenta ultrapassar o divórcio e um filho adulto cada vez mais desafiante. O ex-marido já mostrou ter ultrapassado o casamento, arranjando um nova namorada e o filho, nem sequer tenta ser discreto nas manifestações de afecto, na sua relação ardente com uma mulher mais velha, Gwen (Gwendoline Christie). A solidão arrasta, por fim, Sheila para os saldos e os anúncios românticos dos classificados.  É no retalho, que uma estranha e enigmática Miss Luckmoore, a convence de que o vestido vermelho trará a admiração e afecto por que Sheila tanto anseia. Seguem-se episódios, de encontros falhados e de sucesso, de tensão no outro e acidentes estranhos. Tudo isto, conectado ao estranho vestido vermelho.
Não posso garantir, com total segurança, que não existam outros giallos sobre objetos assombrados mas, na mão de Strickland, a proposta é, sem dúvida única. As analogias a “Suspiria” suscitadas por essa internet fora não são descabidas.
A selecção musical do colectivo Cavern of Anti-Matter, dá-lhe a singularidade que uns Goblin trouxeram ao anteriormente mencionado filme de bruxas. "Suspiria" estará sempre indelévelmente ligado ao tema principal. A bizarra Miss Luckmoore podia ter sido retirada do filme de Argento. Sem qualquer alteração, encaixava que nem uma luva no imaginário desse realizador. O comportamento e aparência desta personagem, em conjunto com o das outras colegas de loja, parecem sugerir a existência de um convénio de bruxas. Existe um momento, o qual não vou desvendar para manter o interesse, entre Luckmoore, o dono da loja e um manequim, que é tão peculiar, que não posso deixar de me perguntar, dado que não acrescenta nada à história, se não foi uma ideia posterior que o realizador/argumentista, certamente insistiu para colocar no filme, somente pela imagética. E, em simultâneo, não consigo imaginá-la num outro filme.
Mas a mensagem porventura mais ainteressante é a crítica ao consumo que nos destrói, mais do que um vestido assassino. Strickland não se coíbe de inserir alguns anúncios televisivos da loja, estridentes e hipnóticos em igual medida, que funcionam como mensagens subliminares para a compra. Uma homenagem a “They Live” (1988), não é descabida.
O realizador demonstra ainda ser amigável ao universo LGBTQI, devotando-lhe, se não, as estórias mais desenvolvidas, pelo menos, uns dos momentos mais interessantes de todo o filme, em particular, os chefes de Sheila, Stash e Clive, demasiado, entusiásticos acerca de narrativas da vida pessoal dos funcionários e de clientes.
“In Fabric” não é isento de críticas. Por vezes, transmite uma sensação de falta de auto-controle de quem está atrás da câmara. O realizador não sabe quando parar. Deixa a câmara rolar, muito depois de já ter demonstrado o seu objetivo. Isso, alonga uma estória que não precisava de duas horas para ser contada e anda em círculos.
O filme assenta, por fim, em três linhas principais: o slasher (que não o é), o erotismo ligado a pulsões de morte e a crítica social, resultando, como comecei por referir, numa estranha besta. Três estrelas e meia.


Realização: Peter Strickland
Argumento: Peter Strickland
Elenco:
Marianne Jean-Baptiste como Sheila
Fatma Mohamed como Miss Luckmoore
Jaygann Ayeh como Vince
Gwendoline Christie como Gwen
Leo Bill como Reg Speaks
Hayley Squires como Babs
Julian Barratt como Stash
Steve Oram como Clive
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