segunda-feira, 29 de junho de 2020

Suores Frios - "Terrores Adolescentes" - por Inês Moreira Santos


Seis amigas aventureiras reúnem-se para explorar uma gruta remota nos montes Apalaches. Algo corre mal e ficam encurraladas. Para além da luta para encontrar uma saída, terão ainda de conviver com uns seres esfomeados que habitam as profundezas do local.

Comecei a ver filmes de terror com frequência por influência da minha melhor amiga, teríamos nós 12 anos. Os pais delas eram sócios de um videoclube (bons velhos tempos...) e estávamos lá nós batidas, de quando em quando, a alugar um filme - normalmente de terror. Um pouco mais velha, comecei a vê-los também no cinema, a maioria das vezes sem saber bem ao que ia, já que a Internet ainda escasseava. Aí já era o meu primo o responsável pelas escolhas mais assustadoras. Tínhamos o costume de ir num grupo de quatro ou cinco adolescentes que só queriam Cinema como forma de espairecer e distrair, um escape da realidade por uma hora e meia ou duas. Não estávamos muito interessados com a qualidade para além do entretenimento.

Para a presente rubrica, escolhi um filme que vi numa destas incursões ao cinema do Colombo com o primo e três amigos, numa sessão da noite. A Descida (The Descent ) estava em cartaz e tínhamos "ouvido falar bem", para além da sinopse ser convidativa: um grupo de raparigas numa gruta com criaturas assustadoras pelo meio, parecia-nos bem.

Saímos da sala estarrecidos, revoltados, não gostámos. Não gostámos dos saltos que demos das cadeiras, lá escondidos na última fila da sala, não gostámos de ter de esconder a cara com o pacote de pipocas sempre que havia a eminência de um daqueles bichos (uma espécie de orcs albinos, como os baptizei) aparecer de repente e comer uma das raparigas (ou saltar do ecrã e nos comer a nós?!), não gostámos do grito mudo de pânico que demos quando um deles ficou visível pela primeira vez, não gostámos de nenhuma das sensações que nos atormentaram dentro da sala de cinema.

Ainda hoje, e sendo quase consensual que A Descida é um dos melhores filmes de terror dos últimos 20 anos, continuo a ter alguma repulsa por esse título, e o sentimento é comum a quem me acompanhou a essa sessão, há cerca de 15 anos. Causou um belo trauma naqueles jovens que ainda cheiravam a pó talco. E, curiosamente, não me parece que alguma vez me vá reconciliar com o dito filme. O que vale é que o mundo cinematográfico em geral, e o género de terror em particular, está longe de se esgotar naquela gruta (ou naquela sala de cinema). E nós aprendemos a gostar de ter medo deste tipo de ficção, seja na sala de cinema ou na de casa.


Inês Moreira Santos
Divulgadora cultural e Autora do blog  Hoje Vi(vi) um Filme, sobre cinema, televisão e, principalmente, onde partilha o amor pela Sétima Arte. Nascida em 1988, em Lisboa, licenciou-se em Ciências da Comunicação. Apaixonada por Cinema e pela Escrita, viu no Hoje Vi(vi) um Filme a melhor forma de aliar as duas paixão.
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segunda-feira, 22 de junho de 2020

Suores Frios - "Wolfen"


Já não são muitos os blogues que permanecem activos desde os bons tempos da velha guarda, e é um prazer saber que a Rita está de volta. Ao longo destes quase 10 anos dela no activo, e dos quase 12 anos meus percorremos um caminho parecido, que se cruzou muitas vezes, sempre no underground, quer do cinema asiático, quer do cinema de terror. Mas principalmente do cinema de terror, que sempre me disse muito, e com o qual fui crescendo.
Nasci em 1974, pouco depois da revolução de Abril, e cresci, sobretudo, nos anos 80, a década que normalmente é mais recordada. Foi a década do “ET”, e dos filmes do Spielberg, do melhor período do Carpenter, do “Poltergeist”, dos “Gremlins”, dos “Caça-Fantasmas”, do “Howling”, do “Lobisomem Americano em Londres”, foi a década em que se passou a acção do “Stranger Things”, uma das séries mais adoradas dos últimos anos, provavelmente porque andam por aí muitos tipos como eu. Foi a década do boom dos efeitos especiais, mas não viveu só destes filmes. Também foi uma grande década para o policial, talvez a grande década do policial. Quando observo esta década a quase 30 anos de distância percebo o quanto importante foi para a minha cinefilia, e para a forma como fui evoluindo no mundo do cinema, e o filme policial foi muito importante, tendo chegado mesmo a fazer um ciclo no meu blog sobre o cinema policial dos anos 80. Digo isto porque o filme que escolhi para falar aqui hoje, é um híbrido entre o terror e o filme policial.
Numa altura em que não havia internet, a minha cinefilia vinha, e muito bem, da programação de cinema da RTP e dos videoclubes. Foram as noites de sábado na RTP, com as sessões duplas, que me iniciei no cinema de terror. Já era fã dos filmes de lobisomens, já tinha visto em tenra idade, também na RTP, filmes como “O Uivo da Fera”, “A Companhia dos Lobos”, ou “Um Lobisomem Americano em Londres”, todos eles já do meu top de preferências, quando numa sessão de sábado me deparei com este filme chamado “Wolfen”, que tinha o título em português de “Cidade em Pânico”.
“Wolfen” levou-me até um cinema de terror que até então era novo para mim: o poder da sugestão no terror. O filme era sobre uma série de assassinatos violentos e bizarros, aparentemente feitos por animais. Os animais deveriam ser lobisomens, pela sinopse do filme, pelo cartaz, e pelo pequeno trailer que tinha visto, por isso aguardava o filme com muita expectativa.
Seguimos uma narrativa policial, com um  detective durão muito bem interpretado por Albert Finney a conduzir a história e a investigação. Nunca vemos estes animais assassinos até bem perto do final, até lá vamos seguindo os ataques do ponto de vista dos monstros, sempre na terceira pessoa, isto seis anos antes do famoso “Predador” do John McTiernan ter aperfeiçoado esta técnica. Foram estas sequências de ataques através dos olhos dos assassinos, sem mostrar o mal, mas sabendo que ele podia estar presente, que me marcaram muito e me levaram a escolher este filme para este ciclo da Rita. Afinal, o terror podia ser muito mais do que pregar sustos, mostrar monstros ou corpos a esvaziar em sangue. Também se podia fazer terror sem mostrar nada, ou quase nada, só com movimentos de câmara e a sugestão de que está ali algo atrás dela, que pode ser assustador.
Fiquei de boca aberta no final do filme, apesar de não ter visto nenhum lobisomem. “Wolfen” tornou-se num filme de culto para mim, e só consegui voltar a vê-lo uns bons anos mais tarde, tendo sido dos primeiros filmes que partilhei na internet. Apesar de ser um filme de 1981, nunca saiu no mercado de VHS ou DVD. Mas só vos digo, é cá uma pérola.

Deixo-vos com as imagens que me marcaram:


Francisco Rocha
https://mytwothousandmovies.blogspot.com/

quinta-feira, 18 de junho de 2020

“Ramen Shop” (Lamen teh, 2018)


Cidade de Takasaki. Um restaurante familiar de ramen. Masato (Takumi Saito) lamenta-se por o pai distante Kazuo (Tsuyoshi Ihara), dedicar-se mais à comida que a ele. Quem lhe dera ser uma taça de ramen. Antes de termos compreendido a complexidade da relação entre pai e filho, Kazuo é encontrado morto. Masato aproveita para abrir uma velha mala de viagem que desbrava caminho ao redescobrir do passado: fotografias da infância e um velho diário da sua mãe singapurense escrito em Mandarim. A correspondência com Miki (Seiko Matsuda), uma blogger de comida japonesa sediada na cidade-estado, precipita o resto. Em menos de nada, Masato está no país que o viu nascer, mas que ficou no passado, com a morte da sua mãe. Lá, descobre um tio com um amor pela comida tão profundo quanto ele e a dor de uma desavença antiga com uma avó que não conhecia.

“Ramen Shop” é uma carta de amor à família e à multiculturalidade. Acompanhamos Masato, numa senda de descoberta de si próprio e dos seus ascendentes, que trilha os caminhos que eles percorreram e experimenta as receitas que ele, como chef, desconhece, apesar da sua dupla etnicidade. Nuns breves 90 minutos aprendemos receitas da comida japonesa e de Singapura, e ainda um pouco da história da cidade-estado, incluindo o doloroso passado de ocupação japonesa. É um mix de “Who do you think who you are?” com um qualquer programa genérico de comida local, em que pessoas e locais se confundem com as receitas que nos apresentam, de modo inofensivo. Mais depressa um programa de comida de um food channel que um programa de conversa desgarrada de um Anthony Bourdain (RIP) e, admita-se, muito menos interessante. As iguarias deliciosas preparadas por Masato e companhia são merecedoras da hashtag #foodporn num qualquer instagram e a passagem pelas paisagens naturais, cidades e monumentos – por vezes senti-me dentro de um documentário –, no Japão e em Singapura são interessantes e mais cativantes que o drama familiar no coração de “Ramen Shop”, mas ilustram bem o fervilhão de ideias, cores e sabores que constituem a identidade do jovem chef.

O título original “Lamen Teh”, que se perde na tradução, é precisamente a fusão do ramen, um prato japonês de origem chinesa, com o prato de Singapura “Bak kut teh” com o qual Masato fica obcecado. De alguma forma, o recriar perfeito deste prato transporta Masato para momentos mais felizes, tempos em que cozinhava com a mãe e o seu pai tinha ainda a capacidade de se conectar com outros seres humanos.
Quis o destino que num destes dias, em que o movimento “Black Lives Matter” faz soar um grito que é ouvido em quase todo o mundo com efeitos que só veremos daqui a uns meses, quiçá anos, – não tenho a ilusão de pensar que 500 anos de opressão possam ser resolvidos num momento de claridade –, visse um filme que celebra as diferenças. “Ramen Shop” é triste mas ótimista, um feel good movie, se quiserem. Pretende deixar aquele sentimento quentinho e felpudo nos corações de quem o vê, designadamente, de apreciar o que temos e a nossa família como se os problemas familiares pudessem ser resolvidos no tempo de preparação de uma receita tradicional. Os diálogos e os flashbacks, que nem sempre são óbvios, inclinam-se de modo vertiginoso para o território da novela mas salvam-se pela característica de quase-documentário que a película tem. A cada momento que vamos apontar uma crítica… “olha aquela paisagem bonita!”, “Aquele ramen está-me a abrir o apetite!”. Truques de prestigidação preparados pela mão hábil do realizador Eric Khoo, natural de Singapura e que sabe, portanto, onde e quando desviar o olhar dos aspectos menos bem conseguidos de “Ramen Shop”. Até ia dizer que não é memorável mas, raios, se não me apetece agora comer um ramen! Duas estrelas e meia.

A Films4You anunciou a estreia de “Ramen Shop” nos cinemas nacionais a 25 de junho. Aproveitem para desconfinar a vista e, se der, por que não, o palato.

Realização: Eric Khoo
Argumento: Fong Cheng Tan e Kim Hoh Wong
Takumi Saito como Masato
Jeanette Aw como Avó
Mark Lee como Wee
Beatrice Chien como Mei Lian
Tsuyoshi Ihara como Kazuo
Tetsuya Bessho como Akio
Seiko Matsuda como Miki

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Suores Frios - "Mil novecentos e setenta e três" - por Edgar Ascensão


Seria certamente uma escolha óbvia eu falar de qualquer filme que tenha visto sendo mais novo, em miúdo, de tenra idade e com as emoções ainda verdinhas. Podia falar do Poltergeist, que com seis anos eu regalaria os olhos de assombro, quando os meus primos mais velhos nos punham a ver maratonas de terror em casa deles. Era Halloween, Dracula do Christopher Lee, ou o The Omen. E a produção de Spielberg sempre foi um must aqui do meu coração palpitante. Mas não. Quero falar de uma obra (prima) que apenas conseguiria meter os olhos aos 19 anos de idade, altura em que já estaria com alguma estaleca cinéfila e conhecedor da maioria dos clichés desse género.

Era o Exorcista.  Sim, o clássico de 1973. Uma sessão de madrugada na RTP1, tinha gravado em VHS para ver no dia seguinte com o meu irmão, mais velho que eu quatro anos, que também nunca tinha visto. E eu estava naquela do “epá, tão velho, dos anos setenta, ainda é pré Star Wars” (era uma altura da minha vida que ingenuinamente dividira a história do Cinema por ASW/DSW: Antes de Star Wars/Depois de Star Wars). Não ia com muita fé. Aliás, eu queria vê-lo para o riscar da minha bucket list dos “100 melhores filmes de sempre” segundo a AFI (artigo que tinha aparecido na antiga revista TV Filmes, em 1997. Nesses anos seguintes, andava alegremente a ver Citizen Kane, Casablanca, Singing in the Rain, num conflito emocional no qual muitos dos filmes que ia riscando, estariam subjugados como “velhos e datados” (ah, a miudagem nunca muda...). O filme de William Friedkin estava lá nos topos dessas listas, soando os sinos do género de terror, tão raro de se estabelecer tão fortemente em listas deste calibre.

E fui ver. Fomos ver, com o meu irmão também a assistir. O desenvolvimento inicial não me comichava. Aliás, percorria o típico andamento de qualquer filme de terror que se preze. É de facto a pouco mais de metade do filme ter decorrido que The Exorcist mostra as suas garras. Acontece depois de uma longa e calma cena de diálogos quando somos apanhados ao virar da esquina. Estou a falar da sequência do crucifixo com que a miúda se masturbava diabolicamente. Deixou-me paralisado. Os gritos, de voz cavernosa vociferando “let Jesus fuck me!” era medonhamente brutal. Não esperava tal audácia para um filme dessa época. Os pêlos dos meus braços eriçaram, juro. Quase nunca me aconteceu isso a ver um filme. Foram precisos  apenas  45 segundos de filme para eu repensar a minha descrença em filmes mais antigos.

A paralisia só parou com o decorrer da cena, toda ela deveras agitada, após a agressão à mãe que foi parar ao chão como um saco de batatas e Linda Blair a rodar a cabeça 180 graus, como mostravam todos os clipes e trailers até então popularizados. Consigo eu também lá rodar a cabeça e olhar para o meu irmão de boca aberta. O meu irmão está também de olhos esbugalhados e olha de volta para mim. Soltamos um “Foda-seee” quase em uníssono. Caramba. Aquilo foi merda da boa.

O resto do filme foi porreiro sim senhor. Mas o efeito surpresa já tinha amansado a fera. Já sabia que tudo era possível. Apesar de mais para o final calcar um pouco mais o teor habitual  dos filmes de terror, os gimmicks demoníacos davam um colorido criativo ao filme. Vómitos, levitações, vozes das profundezas... Estava tudo lá, no arranjo de um clássico perpétuo. Findo o filme, relembro como fui rasteado com tanta pinta. Filme de 73, heim? E os olhos esbranquiçados da miúda de pele cinzenta acompanhava-me nos sonhos dessa mesma noite. Não em forma de pesadelo mas como que uma companheira nocturna, afim de marcar-me a ferro quente nas minhas memórias permanentes aquelas icónicas imagens.

Naquele Verão de 2000 Hollywood precisava reinventar-se novamente em termos de terror. Scream acabara de lhe dar uma cambalhota em 1996 mas as vulgares sanguessugas voltariam a provocar um cansaço no género. Um ano antes, estreavam Stigmata, End of Days, The Haunting (ugh) que chacinavam o tema do sobrenatural e demónios (ainda assim vi tudo isto nos anos que se seguiram). Tive de esperar uns anitos até que o cinema espanhol e asiático me trouxesse novamente  frescura nos calafrios cinematográficos.

Mas entretanto voltaria a rever o Exorcista nesse mesmo ano. E logo em tela grande, aquando do relançamento em Versão estendida nos cinemas em 2000. Vi-o já como um slow burner, já antecipando os momentos-chave. Prestaria mais atenção aos detalhes. O make-up de Max Von Sydow é ainda hoje impressionável. Apesar de pintalgado com novas brincadeiras nas cenas inéditas (A ‘aranha’ descendo as escadas é o que me lembro melhor), a história mantém-se e os 11 minutos extra não trazem nada de relevante a um filme que já roçava a perfeição.

Outra vez regressando a Linda Blair e companhia, desta vez em DVD, divertia-me com a blasfémia e ousadia com que todos os participantes desta obra criavam esta fita dita impossível para a época. Fiquei até com vontade de fazer uma maratona das sequelas. Pensando melhor, até que seria má ideia (até hoje nunca vi nenhum outro filme do franchise). Vamos lá manter isto no pedestal, pessoal. Não quero estragar a bela memória com mais nada que o valha. Quero pensar nele como algo único.

Poderíamos estar a enumerar quantos filmes de terror se classificariam como clássicos intemporais. Halloween, Psycho, Friday the 13th desbravavam terreno como ‘slashers’ sim senhor. Também no vizinho sci-fi tem a sua boa dose de monstros com Alien, The Thing, The Fly... Mas contam-se pelos dedos os filmes do sobrenatural, não com fantasmas e tal mas com o nosso velho amigo Belzebu. Rosemary’s Baby? The Omen, diriam vocês? Pode ser. Ambos dos anos setenta, meus amigos, ahah. Até a ‘afilhada’ Carrie poderia ser confundida com uma inocente possuída por Belzebu, como a sua mãe imaginaria (não, era mesmo uma mente frágil atormentada por poderes paranormais) que ainda assim nos atira com o seu 1976 à cara. Os anos setenta podem ter revolucionado Hollywood de diversos modos, com Star Wars e Jaws (ei, outro filme de sobressaltos, wink wink) e obras ligadas ao pós Vietnam. Mas ninguém pode contrariar que nunca mais se fizeram filmes demoníacos como nessa década. Putos de hoje, geração Z, talvez seja hora de vocês começarem a tirar notas disto e olharem mais para trás. Mais tarde irão agradecer.


Edgar Ascensão,
do blog Brain-Mixer
http://brain-mixer.blogspot.com/
Poster Designer/Illustrator
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www.instagram.com/edgar_asc/
twitter.com/edgar_ascensao

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Colaborações #10

Esta não foi certamente uma colaboração no antigo sentido do termo. Fui uma apenas, entre 100 pessoas como atores, realizadores, técnicos, jornalistas, programadores e muitos mais, que foram consultadas para se encontrarem "Os 10 Melhores Filmes Portugueses de Sempre".

Foi uma honra participar neste desafio. Não foi de certeza fácil reunir as opiniões de tantas pessoas e, quando se fala em "melhor", é sempre uma questão delicada. A palavra "melhor" tem um peso muito "definitivo", não acham? E quem sou eu para dizer o que é melhor? Mas foi, como sempre é, divertido pesquisar - entenda-se ver filmes - para poder aferir como iria abordar o desafio. Sobretudo, quer da lista geral e das contribuições individuais, apercebo-me do tanto que ainda me falta ver. Alguns por uma questão de timing, outros dos quais, nem sequer me lembrava. Constato ainda, com algum pesar, a quase total ausência de realizadores como António de Macedo de que o Motelx chegou a fazer, não há muito tempo, um ciclo. É a lista possível mas sem dúvida sólida.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Suores Frios - "Entre a cortina e o WC" - por Pedro Afonso


Quando me foi pedido para escrever sobre a cena/sequência, ou até filme inteiro, que me marcou e modelou a minha relação com o género de terror, eu soube imediatamente sobre que situação iria falar. Isso, só por si, demonstra como aquela experiência foi marcante para mim, mesmo que passem anos sem que me recorde dela, ou consiga nomear alguns outros filmes que foram muito mais marcantes e até modeladores da minha cinéfilia pelo género. Mas, para começar, é preciso contextuar a experiência.

Nasci e cresci em Angra do Heroísmo, e o meu pai dirigia o cinema da Fanfarra Operária Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Desde muito cedo, sendo filho de um cinéfilo e tendo acesso a um cinema de borla, frequentava-o, principalmente nas matinés duplas de domingo à tarde. Era um cinema à antiga, com plateia e balcão, uma sala enorme com 500 e muitos lugares, fosso de orquestra e um pé-direito enorme. As cadeiras eram de madeira, com uma parte almofadada no assento e nas costas, revestidas a napa bordeaux. O chão da plateia era em madeira, sendo que o do balcão era em alcatifa, revestido os degraus que o compunham. Tinha um foyer no rés-do-chão, em L. No canto esquerdo, a porta do escritório do meu pai, depois uma vitrine onde se expunham cartazes de filmes a estrear. Depois haviam umas portas em vidro que davam acesso à plateia e, no topo direito o balcão do bar, ao lado da escadaria que dava acesso ao piso superior. Lá em cima, um enorme foyer e, no canto superior esquerdo, 3 ou 4 degraus e mais umas portas de vidro que davam acesso directo ao balcão.

Depois das portas de vidro do rés-do-chão havia um átrio. Do lado esquerdo, a porta que dava acesso à cabine de projecção. Do lado direito, duas portas, uma para o WC feminino e outra (a da direita) para o masculino. Em frente, uma cortina espessa, pesada e bordeaux que separava o átrio da plateia. Quando estava um filme em exibição, ambas as portas de vidro, no piso inferior e superior, eram fechadas, estando abertas o resto do tempo.

O primeiro filme daquela sessão dupla, que só vale a pena mencionar para efeitos de localização temporal, era “Matilda - O Grande Acontecimento”, de 1978. O filme estreou em Portugal em Setembro de 1979, e como os filmes demoravam alguns meses a serem exibidos em Angra, aquela sessão deve ter acontecido na primeira metade de 1980, tinha eu 6 anos. Deste filme, a única coisa que me lembro é que tinha um canguru que lutava boxe com humanos. Foi um filme banal, quase de certeza, mas divertido para um puto que adorava ir ao cinema e que gostava de todos os filmes que via (até desenvolver consciência crítica).

O filme que me proporcionou a experiência que quero contar, foi o segundo da tarde. Não me lembro onde comecei a vê-lo, mas, naquela altura e tendo eu tenra idade, o meu pai punha-me sempre no lugar D19 do balcão, uma coxia reservada sempre para o chefe da polícia, que curiosamente nunca ia ao cinema (pelo menos às matinés de domingo).

Do filme em questão, lembrava-me apenas do início. Era um casal a namorar e a falar de estrelas cadentes, quando cai um meteoro não muito longe.  Um velhote aproximava-se, tocava-lhe com um pau e sai uma gosma que lhe sobe pelo braço. O casal encontra-o e leva-o a um médico. Soube, uns anos mais tarde e já depois de ver o seu remake de 1988, que se tratava de “The Blob” de 1958, filme de estreia como protagonista de Steve McQueen, e que revi há poucos anos, através do “My Two Thousand Movies” do Francisco Rocha. Quem já o viu, ou ao seu remake, sabe que aquela gosma vai aumentando e arrastando-se pela pequena cidade, engolindo tudo o que encontra à frente.



Não sei a que altura do filme eu não suportei vê-lo. Sei que não consegui sequer ficar na sala, uma vez que o som dos gritos e da música me provocavam um terror enorme. A dada altura, estava no átrio da plateia, escondido atrás da pesada cortina. Ia espreitando o filme quando a acção estava mais ‘calma’, mas correndo para o WC masculino quando se tornava insuportável. Sei que existia também a vergonha de ser apanhado, com medo de um filme, e a casa de banho era uma boa desculpa. Passei a sessão assim, um olho no filme, outro na porta da cabine, para não ser apanhado, e entradas na casa de banho sempre que o som se tornava mais agressivo ou ouvia algum barulho vindo da cabine e estranho à projecção. Lembro-me da ansiedade que senti com tudo isso, o coração acelerado, mas sempre atraído para o que se passava no ecrã, atrás da cortina. No final, quando a cortina se abriu um pouco e pessoas começaram a sair, misturei-me na multidão e saí para o foyer, triunfante por ter resistido e escapado a uma humilhação, mas sobretudo aliviado pelo fim do filme. Virei à direita, entrei no escritório do meu pai e devo ter respondido afirmativamente à pergunta que me fazia sempre: “Gostaste?”

Sei que isto foi um momento definidor para mim por várias razões. É um retrato de uma época interessante, em que se faziam sessões duplas, com um filme com um conceito infantil e outro mais adulto, para maiores de 6 anos (só havia 3 classificações na altura: 6, 13 e 18), e em que tenho as mais gratas e saudosas memórias de tanta porcaria que adorei ver. Mas aquilo que senti naquela sessão preparou-me para futuras sessões com filmes bem mais ‘pesados’ (“An American Werewolf In London” e “John Carpenter’s The Thing” foram dois filmes a que resisti estoicamente poucos anos depois, em sessões noturnas da RTP Açores, quando ficava a dormir em casa dos meus avós). O medo, esse ainda existia, melhor ou pior controlado, mas a atração, o encantamento e a adrenalina dessas sessões viciaram-me para o género.

(Re)vi “The Blob” há poucos anos, e, agora que o medo não existe, pude apreciar o quão insípido o filme é. Os efeitos especiais são fracos e datados, mas a narrativa é eficaz. Quando o vi em 1980 já conhecia o McQueen, “A Torre do Inferno” passava frequentemente nas matinés da Fanfarra (e o meu pai tinha um poster do filme no escritório, que eu passava horas a admirar), mas não tinha qualquer memória dele no filme (o que confirma o quão pouco vi dele). Mas, mais do que analisar o filme friamente, vieram-me memórias, sentimentos e emoções de uma época feliz e formadora, que me deixou marcas eternas.

Pedro Afonso
Blog Laxante Cultural http://www.laxantecultural.com/

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Blog Velho, Rubrica Nova!

Andei para trás e para a frente sem saber por onde começar. O Not a Film Critic encontra-se num estado de semi abandono, com umas teias de aranha aqui e ali. O último texto publicado tem meses e é a anunciar uma colaboração. Podia tê-lo deixado só e partir para outra, mas a ligação afectiva é demasiado forte. Criei-o por amor ao cinema. Nunca por achar que sabia ou sei muito de cinema. Cada vez que alguém me apelida de "especialista" não posso deixar de sorrir por dentro. Juntos atravessámos altos e baixos. Felizmente, mais altos que baixos. Conclui cursos, quebrei o coração, remendei-o logo a seguir, atirei-me ao mercado de trabalho de cabeça, perdi a arrogância própria da juventude, aprendi a lidar com a desilusão, adotei um animal, constitui família e, tão bonita é a minha... Enquanto fazia tudo isso, vi MUITOS filmes, escrevi sobre alguns, assisti a festivais, participei em encontros muito interessantes, troquei impressões com gente fascinante, participei em várias colaborações em formatos vários e fiz ainda mais amigos.

É por perceber a mutabilidade da vida que a morte do blogue é uma inevitabilidade. Os instagrams, podcasts e youtubes desta vida tomarão conta deste deserto, mas ainda não estou disposta a encerrá-lo. Não, enquanto tiver uma réstia de tempo e me der prazer. Até esse momento chegar, mantenho a memória e os textos de filmes bons, menos bons e até horríveis viva através dos textos que compõem. Feliz 9.° aniversário atrasado.

Transitando para um momento mais lúdico e, porque falei em amor ao cinema e as memórias que dele fazem intrínseca parte, dou hoje início à rubrica "Suores Frios".



Os suores frios são uma reacção natural que se desencadeia no nosso corpo para nos proteger de situações perigosas. Eles surgem quando temos falta de ar falta de açúcar mas, também, quando o nosso corpo responde ao medo, à dor, ou ao choque. Para muitos, as suas primeiras memórias de cinema estão interligadas a noites povoadas por pesadelos, esconder-se por baixo de cobertores ou o surgimento de uma qualquer intolerância surgida após o visionamento de um filme. Por que estas reacções estão mais intimamente ligadas a emoções fortes, solicitei a conhecidos bloggers, instagramers, podcasters, etc, para revelar ao mundo, em jeito confessional, o momento que os fez sentir assim pequeninos e modelou indelevelmente a sua relação com o género de terror.

Estou bastante entusiasmada com as participações. Algumas já me chegaram e, de outras, já tenho um "cheirinho". Há ali momentos verdadeiramente surpreendentes e outros que explicam o (des)gosto pelo género. Tenho também um header espectacular, cortesia do Edgar Ascensão. Espero que acompanhem e desfrutem desta viagem nostálgica que se inicia já a 08 de junho, quanto eu. Até já!




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